A maneira como contamos histórias nem sempre funciona hoje em dia.
Tradicionalmente, os editores e repórteres pensam em pautas que acreditam que o público precise, e em seguida, entregam essas matérias da melhor maneira possível. Mas em nosso mundo cada vez mais móvel e conectado, o público muda rapidamente. Como um editor pode ter certeza de que uma matéria que parece ser importante para o público realmente é importante?
A resposta curta: Ao conhecer o público tão profundamente que suas necessidades são reveladas. Se isso soa impossível, tenha fé. Uma nova abordagem está provando ser uma maneira ideal para tornar isso possível.
A Faculdade de Design da Universidade de Stanford desenvolveu "design thinking" (pensamento de design), sua abordagem inovadora ao design centrado no ser humano, para permitir que aqueles que desenvolvem produtos e serviços melhor entendam as necessidades de seus usuários. Jornalistas estão aplicando "design thinking" para fortalecer reportagens de notícias em todo o mundo.
O jornalismo forte requer comunicação profunda. O design centrado no ser humano, com seu foco em detectar as necessidades finais dos usuários, fornece ferramentas para fazer exatamente esse tipo de jornalismo. A abordagem satisfaz a necessidade de uma reportagem que dá um mergulho profundo em um assunto.
Hala Nigeria, um projeto do programa Knight International Journalism Fellowship do ICFJ, levou os princípios e ferramentas de "design thinking" para a Nigéria, onde as necessidades dos cidadãos para informações sólidas de saúde são fundamentais e muitas vezes questão de vida ou morte.
Introdução: a fase de empatia
Empatia é o elemento central do pensamento de design e é uma parte vital de qualquer estratégia de engajamento bem sucedida para produtos de mídia.
Hala Nigéria, que eu auxilio, tem uma meta simples mas profunda: "aumentar o envolvimento público e amplificar as vozes dos cidadãos em notícias de saúde no país mais populoso da África."
Mas conduzir engajamento não é nada fácil no mundo de hoje sobrecarregado de informação. Para ter sucesso, você deve entender as necessidades das pessoas que está tentando alcançar, seus pensamentos, emoções e motivações. Só então você vai ser capaz de projetar uma maneira de melhor abordá-los.
O pioneiro "Design Thinking" centrado no humano na Universidade de Stanford nos permite desenhar um modelo de como chegar ao público de uma forma que o compele a se envolver. Fazemos isso compreendendo primeiro as escolhas que cada pessoa faz e as razões por trás dessas escolhas, bem como pela observação do comportamento das pessoas.
Essas observações irão produzir insights que levarão as organizações de notícias a projetar melhores maneiras de atingir seu público de uma forma que os deixem prontos e ansiosos para agir ou se envolver.
Jornalistas são pensadores natos de design
Jornalistas fazem perguntas e isso é o ponto central do design centrado no ser humano. Nós construímos a empatia com os nossos entrevistados, ouvindo suas histórias, conversando com eles e trabalhando ao lado deles; inserindo-nos em suas vidas, aprendemos os detalhes e os fatos não tão óbvios.
Normalmente, nós ouvimos e observamos para que possamos melhor compreender a situação em que nossas fontes se encontram, permitindo que nossas histórias vão mais a fundo. Então, por que jornalistas não podem usar essas mesmas competências, esses mesmos poderes de observação, para saber quais são as necessidades dos nossos leitores quando se trata da notícia que recebem de nós? Podemos e cada vez mais conseguimos fazer isso. Nem sempre é fácil, porém. Cada público representa um desafio diferente. Impulsionar o seu envolvimento com a notícia --mesmo notícia realmente importante, como o trabalho em saúde tão necessário na Nigéria-- é uma questão complicada.
Isto é particularmente verdadeiro em um lugar tão diverso como a Nigéria. Os hábitos, tradições e características locais, todos desempenham um papel em fazer com que a nossa audiência em potencial se envolva com certas histórias e ignore outras. Cada grupo se comporta de forma diferente. Estes fatores só aumentam quando um usuário acredita que a notícia que encontra está relacionado a algo tão importante e urgente como o parto ou vacinação de seu filho contra a poliomielite.
Colocando 'design thinking' em ação na Nigéria
Então, como é que vamos implementar essas ideias na Nigéria, como parte do programa de Hala Nigeria? As equipes realizaram entrevistas e observaram o comportamento dos potenciais consumidores de notícias. As equipes, compostas de finalistas do programa Hala Nigeria, foram para as áreas onde suas notícias estavam acontecendo e entrevistaram os sujeitos de suas notícias, que também são os "usuários" ou consumidores do produto final.
Eles reuniram insights do que ouviram, mas também do que viram. Registraram não só as respostas, mas as reações e llinguagem do corpo dos sujeitos. Tentaram entrevistar cada usuário mais de uma vez em sua rotina diária normal.
Voltando atrás, à procura de ideias
Após as entrevistas, examinamos as informações coletadas na fase de empatia em busca de insights.
Insights funcionam como pistas não-verbais, como as pessoas dizem coisas, sua linguagem corporal, suas emoções relativas a um problema. Buscamos também necessidades não satisfeitas. A busca por necessidades vem da percepção objetiva de que várias necessidades não estão sendo cumpridas e de que há espaço para melhorias.
Um repórter entrevistou um homem sobre automedicação. Inicialmente, o homem disse que sempre toma seus comprimidos contra malária. No entanto, o repórter observou algo inconsistente em sua linguagem corporal e fez mais algumas perguntas. No final da entrevista, o homem revelou que normalmente compra remédios de imitação contra a malária, porque são mais baratos. Trata-se de um problema na Nigéria, porque esses remédios podem ser falsos ou expirados, não fornecendo proteção contra a doença e potencialmente causando mais mal do que bem.
Desenvolvimento de soluções para atender às necessidades reais
O desafio é usar todas essas informações para primeiro entender as necessidades reais dos usuários, em seguida, aplicar a nossa própria experiência como jornalistas para desenvolver soluções de mídia que podem atender a essas necessidades.
Uma equipe reportando sobre parteiras tradicionais inicialmente focou no tema da modernização das condições de saúde e a necessidade de ter mais partos em hospitais. Mas, depois de uma série de entrevistas, os repórteres detectaram que a história era realmente que os trabalhadores do hospital não tinham conquistado a confiança de gestantes, que evitavam o hospital como resultado.
Durante dois dias, ajudamos as equipes a esclarecer equívocos, refocar em seus usuários e desafiar implacavelmente uma série de suposições relacionadas com as histórias que achavam que deviam contar. Contra tudo isso, pedimos às equipes para reexaminar suas suposições sobre a capacidade da matéria de gerar engajamento.
Em um caso, percebemos que os usuários que tinham sido vítimas de negligência médica nem sequer tinham conhecimento da doença real que estava sendo tratada, muito menos se o tratamento foi adequado. Em outro caso, os usuários estavam tomando remédios falsos contra a malária porque tinham sido aconselhados por seu farmacêutico, que apesar de ser um charlatão, era quem confiavam porque "era o único conselho médico que tinham na redondeza."
No final, todas as equipes conseguiram uma compreensão clara sobre as necessidades de informação dos usuários. Cada um deles tinha um claro conjunto de matérias impulsionadas por engajamento para implementar de várias maneiras diferentes. Um time de jurados selecionou os projetos mais promissores e as organizações de mídia que trabalham nesses projetos já incorporaram tecnólogos para ajudar concretizar as estratégias de engajamento público.
A beleza do processo e sua frustração, também, é que o ciclo de iteração pode ser repetido várias vezes até chegarmos tão perto da perfeição quanto o tempo permite.
A próxima iteração do projeto vai tratar de melhorar as nossas soluções cruzando-as com grandes conjuntos de dados externos de fontes governamentais e não-governamentais e acessar os recursos tecnológicos mais eficazes para construir o nosso produto.
Este último elemento é vital em um país como a Nigéria, onde celulares baratos são o dispositivo móvel mais usado, conexões online podem ser temperamentais e uma grande parte da população não está exposta a esse tipo de tecnologia.
Crédito da foto: Patrick Butler, ICFJ