TikTokers nigerianas desafiam estereótipos nocivos de gênero

Mar 18, 2025 em Diversidade e Inclusão
Someone holding their phone and the TikTok logo on the screen.

Uma mulher é morta a cada dez minutos. Não por acidentes de trânsito ou por complicações no parto. Mas por um parceiro íntimo ou familiar. Esse fenômeno, conhecido como feminicídio, passou a ganhar mais atenção nos últimos anos devido ao reconhecimento de sua escalada.

É um foco de interesse tão recente que apenas em 2022 a ONU Mulher, em colaboração com o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime, criou um modelo estatístico para mensurá-lo. De acordo com os dados mais recentes da ONU, a África registra a taxa mais alta de feminicídios. Em 2023, foram 2,9 vítimas por 100.000 no continente, em comparação a 1,6 e 1,5 por 100.000 nas Américas e na Oceania, respectivamente, e a 0,8 e 0,6 por 100.000 na Ásia e na Europa, respectivamente. 

Na Nigéria, já foram registrados 22 casos de feminicídio em 2025. Cerca de 28.000 casos de violência de gênero foram registrados entre 2020 e 2023.

ONU Mulher afirma que o principal método de prevenção à violência de gênero, incluindo o feminicídio, é "mudar as normas e atitudes sociais fomentando um entendimento mais amplo de comportamentos e papéis aceitáveis associados aos homens e mulheres na sociedade".  

Um grupo de mulheres nigerianas está contribuindo com esse esforço, aproveitando a popularidade do TikTok na África para falar da misoginia arraigada em todo o continente, analisando particularmente o papel das mulheres no casamento e na sociedade.

Jornalistas podem se inspirar nessas criadoras de conteúdo para engajar a geração Z no TikTok ao fazer a cobertura desses temas.

@olaspeakslife

Quando Ola Davies se viu em um casamento abusivo, ela lutou contra o desejo de manter seus votos para agradar a Deus a todo custo, mesmo que isso significasse consentir com o seu próprio abuso. Ela escolheu sua segurança e se livrou da relação.

Hoje, Davies ajuda mulheres no TikTok, principalmente cristãs, a verem que um Deus amoroso não quer que elas estejam subjugadas ao abuso ou outras atrocidades. Usando humor, ela pega trechos de sermões de pastores nigerianos postados no TikTok para apontar as hipocrisias e o subtexto antimulheres presentes nas falas.   

"Eu quis me converter em uma voz para aquelas que não têm voz e ajudar a conscientizar sobre o abuso emocional, psicológico e espiritual de mulheres", diz.

Davies notou que meninas e mulheres na Nigéria não eram valorizadas do mesmo modo que meninos e homens quando ainda era pequena. À medida que crescia, foi percebendo que mesmo mulheres altamente escolarizadas e de sucesso recuavam quando o assunto era a opressão religiosa das mulheres.

Ela diz que recebe mensagens de mulheres agradecendo-a por dar a elas a coragem de acabar com seus casamentos abusivos. "Tem uns poucos pastores que seguem meu conteúdo e me encorajam; eles me dizem que estou fazendo um bom trabalho."

@daughterofnaomi

Timmy, conhecida pelos seus 25.000 seguidores no TikTok como Everything woman with Timmy, aborda concepções equivocadas de papéis de gênero no casamento. Ao usar como exemplo vídeos de apresentadores de podcasts, pastores e celebridades com comentários sobre relações e casamento, ela desmente retóricas misóginas comuns que enfraquecem a autonomia corporal das mulheres.

Por exemplo, na maioria das culturas africanas há a tradição do dote, ou o preço da noiva, pago pela família do noivo à família da noiva. Isso pode gerar um senso de propriedade nos homens, aumentando a probabilidade de violência doméstica.

"Como uma mulher, você não deve pertencer a ninguém — seja a família do seu marido ou do seu pai", afirma Timmy em um de seus vídeos.

Apesar dos trolls que contestam suas opiniões, mulheres inundam os comentários com apoio e gratidão por Timmy as terem ajudado a mudar sua mentalidade. "Sou tão grata por ter achado a sua página. Você é uma benção para as mulheres dessa geração", comentou uma seguidora.

@onyinyechi_blossom

Onyinyechi Agatha Ezeanowi percebeu logo cedo na vida que ela não tinha um tratamento justo em sua família; sendo a única menina em um lar patriarcal, ela era sobrecarregada com muito trabalho doméstico.

Ao chegar na vida adulta, na universidade e nas interações com a sociedade nigeriana como um todo, ela percebeu que a desigualdade de gênero era generalizada. Seja na política, educação ou na indústria do entretenimento, as mulheres são consideradas subordinadas aos homens.

Isso a inspirou a criar conteúdo sobre feminismo, empoderamento de mulheres e problemas sociais. "Eu não quero ser um homem, só quero ser tratada justamente", diz. Ezeanowi espera que seu conteúdo ensine mulheres a se valorizarem e se defenderem.

Com mais de 116.000 seguidores no momento da produção deste artigo, ela chega a audiências em todo o continente, renunciando a culturas que suprimem os direitos das mulheres.

@obidiojochide

Quando criança, Obidi Ojochide viu sua mãe, uma viúva culta que atuava como líder no ministério feminino da igreja, oferecer um porto-seguro para mulheres que escapavam de casamentos abusivos. "Eu me lembro de estar na mesa de jantar, ouvindo elas chorarem enquanto relatavam seu sofrimento. Apesar de ser apenas uma criança, queria pedir que elas deixassem seus maridos. Mas não podia."

Essa experiência é o que motiva o trabalho atual de Obidi. Hoje ela usa o TikTok para empoderar mulheres e ensiná-las sobre patriarcado e misoginia, usando situações, linguagem e gestos de fácil identificação para a audiência africana.

Diferentemente do feminismo ocidental, que foca em direitos individuais, ela diz que o feminismo africano precisa contestar expectativas familiares, doutrinas religiosas e normas sociais que mantêm as mulheres subjugadas.

"Não se espera das mulheres simplesmente que elas obedeçam; elas são condicionadas a acreditar que submissão é seu propósito, tornando a luta pela autonomia ainda mais complexa", acrescenta Obidi.

@unbreakableruth01

Ruth Oluwadare é coach de recuperação em saúde mental e abuso que utiliza o TikTok para ajudar mulheres a escaparem de relacionamentos tóxicos. O conteúdo dela é voltado para meninas e mulheres cristãs, tendo em vista que ela desmistifica retórica antimulheres na igreja.

"Não concordo com mulheres que se casam com 20 e poucos anos. Muitas vezes elas normalmente se arrependem", diz em um de seus vídeos.

Oluwadare construiu uma comunidade de 27.000 pessoas diante da qual ela defende o direito de mulheres ganharem o próprio dinheiro para que tenham a liberdade de tomar as melhores decisões para si em caso de abuso.


Foto por cottonbro studio via pexels.