Na Colômbia, um país com uma geografia fragmentada e cinco regiões naturais distintas, a rádio foi a primeira tecnologia a superar obstáculos geográficos e conectar seus cidadãos. A Radio Andaquí, no município de Belén de Los Andaquíes no departamento de Caquetá, fundada em 1993, oferece mais que simples notícias e entretenimento.
“Desde o início pensamos nisso como um projeto de comunicação. A rádio foi apenas a ferramenta para gerar essa comunicação”, disse o cofundador Alirio Gonzalez. E, em um país acostumado à violência, a emissora assumiu o papel de protetora. “Ela toca 24 horas por dia, sete dias por semana, mas quando não está no ar, todo mundo sabe que algo está acontecendo, e é melhor se esconder em casa. A interrupção aconteceu várias vezes e acreditamos que salvou vidas”, acrescentou Gonzalez.
A Belén colombiana tem uma população de 11.721 habitantes e está localizada no pé da serra e início da floresta amazônica. Gonzalez descreveu como eles sentiram falta de espaço para contar as histórias de Belén da perspectiva de seu povo: “Tínhamos algo a dizer e os meios de comunicação tradicionais não estavam ao nosso alcance, nem estavam interessados em ouvir nossa história”. Atualmente, o colombiano médio dedica quatro horas por dia ouvindo rádio.
[Leia mais: Entrevista: 'A pandemia é uma oficina jornalística em larga escala']
Gonzalez entende o sucesso em termos de envolvimento da comunidade, frequentemente levando a estação para fora da cabine e transmitindo da rua. Eles gravam festas e eventos escolares e tomam conta da cidade inteira. A região, embora vasta, estava sub-representada na cobertura dos meios de comunicação antes que a Radio Andaquí aparecesse. A Amazônia colombiana representa 42% do território nacional, mas tem apenas 54 das 1.593 estações do país.
Os temas abordados pela emissora são democráticos, atendendo a todos os gostos musicais, idades, gêneros, profissões e religiões. Um programa diário para o conselho comunitário cobre e explica a legislação, direitos e oportunidades de recursos ou concessões. Mas o foco geral — mais de três horas por dia — concentra-se na comunidade e no meio ambiente, incluindo questões ecológicas e agrícolas para os agricultores e a população em geral.
“Não precisávamos das histórias sobre o tráfico em Bogotá, nem queríamos que a guerra e o crime fossem nosso pão de cada dia. Sempre estávamos em guerra, queríamos ouvir as histórias do nosso rio, os direitos das crianças, as questões ambientais, a biodiversidade, as espécies e as forças”, disse Gonzalez. Em termos de financiamento, todos os participantes são voluntários e a rádio sobrevive com uma renda mensal de US$1.167 de cinco patrocinadores locais e do governo colombiano.
A Colômbia viveu um conflito interno de 53 anos com quase nove milhões de vítimas. A região amazônica teve o número mais significativo de mortes, deslocamentos e ameaças por número de habitantes. Belén de Los Andaquíes teve todos os quatro atores do conflito: polícia, Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC), paramilitares e o exército.
[Leia mais: 'Jornalismo dos dois lados' no Brasil dá credibilidade a narrativas nocivas]
Gonzalez foi capaz de construir uma estação de rádio sem recursos, para que não fosse alvo de qualquer ator do conflito. “Nossa agenda não nos foi imposta pela guerra. As ações da comunidade constroem nosso conteúdo. Estamos acostumados com uma agenda de guerra e nos tornamos amplificadores dessa guerra. Na Radio Andaquí, não permitimos isso”, explica. “O que fazemos é gerar mecanismos que derrotam o medo. Preferimos fazer horóscopos baseados em plantas do que falar sobre mortes.”
O objetivo, acrescentou, é também gerar paz e exercer confiança. “Os meios de comunicação tradicionais tiram nossa confiança e nos dividem. Queremos que os vizinhos conversem e se relacionem, mesmo que meu filho seja das FARC e o filho do outro esteja no exército. Temos laços mais fortes que a guerra não poderia quebrar. ”
A Colômbia é um país perigoso para o jornalismo. Em Caquetá, 70 jornalistas foram vítimas de violência desde 2006. “Fui ameaçado pelos paramilitares durante dois ou três anos e só tive permissão para sair de casa para ir à emissora, e nada mais”, disse o locutor da estação, Blanco Calderón. “Nos tornamos criativos e começamos a usar o rádio como uma fuga e uma forma de zombar da guerra. Reunimos a comunidade para fazer as refeições e juntamos 126 famílias. Enquanto depenávamos galinhas ou coletávamos esterco para a horta, falamos das realidades da guerra, quem foi morto e quem sobreviveu."
Hoje, as rádios comunitárias são espaços de reconciliação e uma forma de as regiões distantes falarem de paz e sua reconstrução. Como resultado, as rádios comunitárias têm um papel crucial no fortalecimento da democracia por meio da participação cívica.
Laura Pulecio-Duarte é economista colombiana atualmente cursando mestrado em práticas de desenvolvimento na Universidade de Columbia.
Imagem sob licença CC no Unsplash via Miikka Luotio