Talvez eu seja um bobo, mas acho que jornalismo é uma maneira excitante para mudar o mundo. Mas para fazer isso nos dias de hoje, é preciso favorecer a mudança e promover a inovação disruptiva dentro da indústria das notícias e ecossistema de informações --e começar a pensar de maneira inovadora.
Isso é algo que venho trabalhando intensamente há vários anos: como bolsista Knight no Centro Internacional para Jornalistas, através da Poderopedia.org, um site que revela as ligações entre as elites empresariais e políticas chilenas; com o Hacks/Hackers Chile e a Fundação Poderomedia, uma organização que promove a Web aberta e o uso de tecnologias para repensar o jornalismo, ensinar novas habilidades para jornalistas e promover uma mudança cultural nas redações da América Latina.
Até agora este ano,organizei e participei em 10 hackatonas, duas radiotonas, dois bootcamps de jornalismo de dados; ajudei a criar um laboratório cívico; participei do nascimento da Chicas Poderosas e colaborei em pelo menos 30 oficinas para jornalistas, estudantes e redações na América do Sul.
Ainda tenho as mesmas perguntas que você provavelmente deve fazer: Como podemos financiar o jornalismo e torná-lo rentável? Como podemos fazer um melhor jornalismo na era digital, adotando novas ferramentas, formatos e modelos de negócio e trazer tecnólogos para a mesa? Como podemos construir equipes interdisciplinares com novos fluxos de trabalho e definições de trabalho? Como podemos usar as quantidades maciças de dados online para fazer as perguntas certas e obter as respostas certas? Aqui estão algumas das minhas previsões para o que vamos aprender sobre essas questões em 2014.
- O jornalismo precisa de nerds!
Finalmente, algumas redações latino-americanos vão começar a entender que os nerds --programadores trabalhando no interesse público dentro da mídia-- são uma parte essencial da informação de qualidade. Em 2014, vamos ver mais programadores entrando em redações latino-americanas como parte de equipes de jornalismo. De acordo com o que eu vi, pelo menos cinco novas equipes de dados e um par de equipes de apps de notícias vão começar a trabalhar em toda a região. Em 2013, hackdays, hackatonas, oficinas, desafios de aplicativos e eventos organizados por grupos Hacks/Hackers (o de Buenos Aires é o maior do mundo e o do Chile é o nono), a Chicas Poderosas e os esforços conjuntos de organizações como o ICFJ, Knight Foundation, Banco Mundial, Knight- Mozilla OpenNews, Grupo de Diarios de América, Global Investigative Journalism Network, Consejo de Redacción, Colpin, Knight Center para as Américas, IPYS Venezuela e FNPI, entre outros, pavimentaram o caminho para ajudar os proprietários de mídia, editores e jornalistas compreenderem o real impacto que os desenvolvedores podem ter na notícia. Sites como o Nieman Lab e o trabalho incrível da NPR, ProPublica, NICAR e tantos outros que deixo de mencionar também estabelecem um padrão alto de qualidade.
- Capital de risco com sabor local:
Iniciativas como a Media Factory, um acelerador de startups que se concentra exclusivamente no negócio de notícias e jornalismo online, dirigida por Mariano Blejman e apoiado pelo Fundo de Investimento para Desenvolvimento e outros capitais de risco, vai investir US$75.000 por empresa em startups relacionadas com o conteúdo. Sua mentalidade "Bollywood" --mais perto de estratégias de saída dos investidores locais e realidade do mercado, em vez do tipo Hollywood/Sillicon Valley de investimento-- irá gerar novos empreendimentos. Devemos esperar pelo menos uma ou duas grandes surpresas dessa gente.
- A ascensão da mídia e startups jornalísticas na América Latina:
Da mesma forma que a MediaFactory pôs seus olhos em toda a América Latina, programas como StartupChile, StartupBrasil e outros programas aceleradores como Wayra deram espaço para mídia e startups de notícias que vão se tornar atores regionais na maioria dos casos ou mesmo globais em outros. Empresas como a Janus (um Tivo ou Netflix para streaming); Kewen (um aplicativo de conexão social que fornece métricas de audiência e insights para a mídia [nota: sou um investidor]); e muitos outros projetos vão crescer em 2014. No entanto, veremos o nascimento de pelo menos cinco novos empreendimentos de notícias online na região, especialmente em nichos como negócios, política, tecnologia e outros setores específicos. A maioria deve vir junto com modelos de negócios híbridos com base na marca, missão e comunidade.
- Redes de língua inglesa e talvez uma em chinês:
Com o New York Times e o Huffington Post expandindo fora de seus países de origem, há uma boa chance de que um jogador como o Guardian, por exemplo, dê uma chance para a criação de uma rede de notícias em inglês na região. Grandes jogadores locais também podem considerar a criação de produtos superiores de língua inglesa de nicho regionais sobre negócios, finanças e mercados de recursos naturais para alimentar a necessidade não satisfeita de clientes de alto poder aquisitivo com enormes interesses econômicos na América do Sul. Nesse sentido, considerando a importância da economia de importação/exportação da China e os investimentos do país em todo o Pacífico, não deve ser uma surpresa se aparecer um novo projeto em língua chinesa.
- O efeito Copa do Mundo:
O evento esportivo mundial será organizado pelo Brasil, em junho, e será uma mina de ouro para as redações e empresas de conteúdo e notícias na região. Muitas das experiências em tecnologia móvel e outras experiências seguirão a bola.
- Web semântica, análise de redes sociais, extração de entidade e notícias como API:
Isso é coisa de nerd, mas se tornará importante --alguns novos projetos já estão trabalhando nisso. Se conseguem provar que essas ideias podem ser boas para os negócios, outras virão.
- Jornalismo de dados por contrato:
Estúdios e agências especializados em dados irão fornecer serviços especiais e desenvolver projetos para redações e outros tipos de clientes que não podem pagar para ter equipes internas ou que ainda não querem fazer o investimento. Vai tornar-se um espaço para os jornalistas talentosos, designers e programadores que têm um histórico de sucesso. Essas equipes ninjas de nerds também serão incorporadas nas redações para acelerar a aprendizagem e prestar consultoria para a criação de equipes internas. O projeto Offshoreleaks, desenvolvido pela equipe do La Nación, na Costa Rica, e a colaboração da jornalista visual Mariana Santos com La Tercera no Chile são exemplos dessa tendência.
- Dados abertos no jornalismo:
Vamos ver mais projetos de notícias e aplicativos de notícias utilizando dados abertos. Estes projetos, do lado da demanda dos dados, vai dar validação ao ambiente de dados abertos internacional. A chave: fazer coisas úteis para o público, sobre temas que têm um impacto positivo ou negativo na vida das pessoas.
- Alerta Paywall:
Sem testes o suficiente ( na minha opinião), muitos dos maiores grupos de notícias na América Latina estão se preparando para lançar paywalls em grande escala, seguindo o modelo do New York Times. Esta pode ser uma grande oportunidade para os novos sites que vão surgir em 2014.
- Por favor, não mais McKinsey:
Enquanto grupos de notícias na América Latina tendem a evitar investir em startups ou projetos de pequena escala que podem ser testados rapidamente para ver se funcionam, eles ficam geralmente muito satisfeitos de gastar milhões de dólares em consultorias do tipo McKinsey que chegam, agitam algumas mãos e implementam uma solução de modelo que já venderam a outros grandes jogadores da região. Os resultados, na maioria dos casos, não são bons. Então, por favor, pare de contratar os McKinseys do mundo e comece a ouvir as pessoas inteligentes que trabalham para você e conhecem o seu produto.
Uma versão mais extensa deste artigo foi publicada originalmente pelo Nieman Journalism Lab como parte de sua série de final de ano Predictions of Journalism 2014. É traduzida para a IJNet com permissão.
Miguel Paz é um jornalista chileno e fundador e diretor da Poderopedia, um site de jornalismo de dados que apresenta as conexões entre as elites de negócios e da política no Chile. Leia mais sobre sua bolsa do Knight Fellowship aqui (em inglês).
Imagem sob licença CC no Flickr via jhcrow