Na América Latina, como na maior parte do mundo, a mudança tecnológica está chegando à indústria de notícias aos trancos e barrancos. Quatro líderes de mídia têm o objetivo de acelerar o processo este ano, colaborando como bolsistas do Knight International Journalism Fellowship.
Os bolsistas, três da América Latina e uma de Portugal, têm uma profunda compreensão do cenário da mídia e experiência como pioneiros em suas redações e comunidades. Mariana Santos elevou a narrativa interativa e visual no jornal Guardian. Miguel Paz construiu um site que revela as ligações entre a elite no Chile e foi vice-diretor do El Mostrador, o primeiro site de notícias online do país. Do Brasil, Gustavo Faleiros é um especialista em usar mapas para contar matérias de notícias ambientais. E Mariano Blejman construiu uma plataforma para analisar os padrões nos desaparecimentos de milhares de pessoas durante a violenta ditadura militar na Argentina dos anos setenta.
Juntos, eles vão construir redes de jornalistas, ilustradores, tecnólogos e cientistas de dados. Vão criar ou adaptar ferramentas que melhoram a qualidade e a distribuição de notícias e criar uma recursos e uma comunidade online de jornalismo de dados na América Latina . Ao longo do caminho, vão compartilhar suas experiências como líderes do pensamento aqui na IJNet.
Enquanto se preparavam para iniciar suas bolsas, eles conversaram com a IJNet sobre o estado dos meios de comunicação na América Latina e por que o momento é propício para a inovação jornalística.
IJNet: O que precisa mudar na mídia latino-americana? Quais os problemas que você vê na região que acha que a tecnologia pode ajudar a resolver?
Miguel Paz: Há um fosso divisor em questão de alfabetização digital que atinge jornalistas que são ótimos investigadores de campo, mas não sabem como usar as ferramentas tecnológicas, para fazer jornalismo de dados, para melhorar a sua reportagem e habilidades de contar histórias. Os meios de comunicação latino-americanos, bem como as faculdades de jornalismo da América Latina, precisam de uma grande mudança cultural e de mentalidade para abraçar a inovação disruptiva e a experimentação; incorporar metodologias enxutas e pensamento de design para o desenvolvimento de produto; usar tecnologia para melhorar sua pesquisa, narrativa e usabilidade para se adaptar a como e onde seus usuários/público estão consumindo informação.
Esta mudança cultural deve incluir a compreensão de que a mídia deve se ver como motores de informação no negócio da informação, não mais amarrada a um formato específico, mas sim motores que se adaptam às exigências e problemas de seus usuários.
Mariana Santos: A parte que eu acho que poderia se beneficiar com um pouco de melhoria e capacitação é a habilidade de contar histórias: como compactar o conteúdo em uma narrativa atraente, envolvente, engajante e fácil de usar. Adoraria que os países da América Latina aproveitasse melhor o patrimônio visual que já estabeleceram.
Como podemos trazer mais mulheres para a tecnologia de notícia? Acho que a mulher é um trunfo essencial no ambiente tecnológico nas redações, mas você não encontra um número suficiente delas lá.
Gustavo Faleiros: No Brasil e nos países vizinhos, a mídia ainda está tentando migrar suas operações para um fluxo de trabalho mais integrado entre profissionais diferentes. Em outras palavras, ainda estão tentando fazer os formatos digitais e tradicionais coexistirem e crescerem juntos. Este processo está demorando mais do que o esperado e eu acho que, muitas vezes, há medo diante da mudança. Uma mudança cultural é necessária nas redações para estimular a criação de equipes mais tecnológicas e profissionais com um conhecimento maior de dados.
Mariano Blejman: O jornalismo precisa se reinventar. Muitas vezes, as boas ideias morrem porque a mídia não consegue encontrar maneiras de financiar ou promover o trabalho, seja dentro ou fora das estruturas estabelecidas. Em nossa experiência com o Hacks/Hackers Buenos Aires vimos, estudamos e seguimos como novos projetos que repensam o jornalismo na América Latina evoluem, para onde vão, como vivem, sobrevivem e morrem. O objetivo é construir pontes entre jornalistas, programadores e designers, audiências e mercados regionais. Precisamos também fazer mudanças estruturais nas instituições existentes.
IJNet: Este é o momento certo para a inovação na mídia na América Latina? Por que sim ou por que não?
Miguel Paz: Concordo plenamente que este é o momento certo. Já existem pessoas e organizações inovadoras: Hacks/Hackers Buenos Aires, La Nación Data na Argentina, La Nación da Costa Rica, o site El Faro de El Salvador, Junar.com, só para citar alguns. Há também uma grande quantidade de hackers e membros da comunidade de meios digitais se reunindo para começar a usar dados abertos e dados grandes com muitos propósitos. O ano de 2013 será um tempo de impulso para a mídia digital e inovação na mídia comunitária. Fazer com que os proprietários de grupos de mídia embarquem [nessa ideia] será algo para trabalhar. Tenho certeza de que eles farão parte dessa, quando veem que é um bom negócio para eles. Leia sobre o projeto de Paz aqui.
Mariano Blejman: Durante os últimos dois anos desde que lançamos o Hacks/Hackers Buenos Aires, vimos um processo de transformação cultural na mídia e uma aproximação entre jornalistas e programadores nas redações. Jornalistas, editores e programadores estão começando e agindo. É hora de estimular essas mudanças dentro e fora das tradições de mídia. É hora de construir pontes para reduzir o fosso entre a mídia de países desenvolvidos e da América Latina.Leia sobre o projeto de Blejman aqui.
Mariana Santos: Eu acredito que agora é o momento perfeito para investir recursos e energia na América Latina, devido ao seu forte crescimento, uma energia incrível no ar para se comprometer com a inovação, a disposição de mudança e determinação em se tornar melhor e mais forte. As pessoas vão fazer isso acontecer.Leia sobre o projeto de Santos aqui.
Gustavo Faleiros: Este é o momento, sem dúvida. Todos os editores e as pessoas que decidem sobre os orçamentos de grupos da mídia sabem que a inovação é necessária. Como em toda parte, muitos estão procurando o melhor modelo de negócio para atender esta necessidade. Mas está acontecendo, lentamente, e podemos acelerar este ano.Leia sobre o projeto de Faleiros aqui.
Foto de Gustavo Faleiros, Mariana Santos, Mariano Blejman Mariano e Miguel Paz (da esquerda à direita) por Kaveh Sardari.