O Peru enfrenta um cenário complicado de incerteza e instabilidade política que impõe desafios à cobertura jornalística e riscos para quem exerce o jornalismo. Desde a qualidade da informação até a segurança pessoal, quais elementos é preciso ter em conta ao informar sobre a crítica realidade peruana?
O Fórum Pamela Howard de Reportagem de Crises Mundiais do ICFJ reuniu jornalistas peruanos que cobrem a crise em seu país desde dezembro de 2022 em um webinar para que mais colegas possam fazer uma cobertura melhor sobre a situação.
Zoila Antonio Benito, fundadora e diretora da La Antígona; Carlos Cornejo Alayza, diretor da agência La Factoría; o fotojornalista Arturo Gutarra e a jornalista Alejandra Garboza compartilharam suas experiências e como conseguiram fazer jornalismo de qualidade em meio à complexa situação do Peru.
1. Conheça todas as dimensões do problema e diga sempre a verdade
Informar sobre a atual situação do Peru exige voltar na história, pelo menos 25 anos atrás, quando começou a crise dos partidos políticos, o enfraquecimento das instituições e a perda da representatividade democrática. Ou seja, é preciso ver o problema a partir de uma perspectiva completa, disse Cornejo.
Para Benito, há três falhas que impedem a estabilidade do país: a falta de escuta e de capacidade de diálogo, os interesses pessoais dos legisladores e a democracia ineficiente que historicamente o país tem. O primeiro problema surge por se analisar a situação do ponto de vista de Lima, a capital, e minimizar o resto das regiões.
As principais demandas (fechar o Congresso, uma nova constituição e novas eleições) tratam da necessidade de uma reforma estrutural que se não for atendida vai continuar exacerbando os níveis de polarização, a personalização política e a repressão policial.
Os índices de bem-estar social e econômico no Peru há anos são desiguais, com altos níveis da população na pobreza, uma elevada carência alimentar e a exploração de recursos naturais feita pela indústria de mineração, expôs Benito.
É preciso voltar às bases do jornalismo que sinalizam para a importância de mostrar os dois lados, ressaltou Garboza; dizer sempre a verdade com o respaldo da investigação jornalística, não de opiniões, de realidades, acrescentou Cornejo.
2. Consuma veículos independentes e seja seletivo com a informação
Em momentos de crise política é necessário sermos seletivos com a informação que consumimos tanto de veículos de massa como das redes sociais. Nós, jornalistas, temos a obrigação de revisar fontes e fazer verificações, mencionou Benito.
Para além dos veículos tradicionais, estão os meios independentes que têm uma linha editorial diferente para fazer jornalismo. Não podemos mais nos informar nos mesmos veículos de sempre, "é preciso olhar para todos os lados e duvidar das instituições", destacou Garboza.
Ainda que exista uma tradição no consumo de veículos grandes, os meios independentes fazem um trabalho de grande qualidade que é pouco conhecido por eles não terem os recursos econômicos para ampliar sua distribuição.
3. Planeje a segurança nas coberturas na rua
As manifestações violentas e a repressão policial presentes no Peru obrigaram os jornalistas a aprenderem a se proteger e considerar um planejamento prévio de cobertura. O fotojornalista Gutarra destaca a importância de analisar o campo de trabalho para saber onde se posicionar ou para onde correr caso seja necessário.
Usar equipamento de proteção se tornou fundamental para o trabalho na rua, desde um capacete e roupas cômodas a coletes à prova de balas, lentes e máscaras que impedem a inalação de gases usados pela polícia contra manifestantes e jornalistas.
Além das agressões durante as manifestações, fotojornalistas também estão tendo que registrar assassinatos que ocorrem diante de sua presença. Com frequência, isso os faz duvidar de seu trabalho como jornalistas: em segundos devem decidir entre ajudar os feridos ou fotografar o fato.
4. Crie redes de apoio de jornalistas e cuide da saúde mental
Uma repressão como a que se vivenciou no Peru alertou para o fato de, que se não houvesse solução, o país poderia chegar a níveis mais altos de violência. Gutarra comentou que, entre jornalistas, as redes de apoio ou comunidades de fotógrafos que foram criadas dão um respiro. Eles mantêm contato, se cuidam e se protegem porque foram perdendo a confiança que tinham nos civis e na polícia.
Os jornalistas peruanos sabem que podem ter linhas editoriais diferentes, mas durante uma cobertura são todos colegas e correm o mesmo risco. Escutar disparos, ver pessoas chorando e gritando, pedindo ajuda, assusta. Mas com o passar do tempo, o jornalista se acostuma, porém sem medir os riscos na saúde emocional. O apoio que foi criado entre os jornalistas permitiu que eles ficassem mais unidos como uma comunidade, disse Benito.
Foto por Samantha Hare via Flickr.