Plataforma digital na Bolívia: Projeto irá integrar emissoras rurais e suburbanas

por Monica Bentivegna
Oct 30, 2018 em Jornalismo multimídia

Falar de integração da mídia na América Latina não é uma novidade. Nem é novidade falar da incursão do rádio na plataforma digital e integrada. O interessante é, talvez, encontrar o modelo adequado, já que não existe uma, mas várias tentativas de integração.

A rádio, sobretudo a rádio rural, enfrenta desafios tecnológicos diferentes do resto da mídia. Um objetivo da rádio atual é manter-se vigente, mas com a condição de que possa organizar conteúdos e compartilhar material, enquanto utiliza novas formas de transmissão.

Com esta perspectiva, um projeto, realizado pela jornalista espanhola Celia Cernadas, reúne emissoras de rádio de zonas rurais e suburbanas na Bolívia. Trata-se de uma plataforma digital onde as emissoras de rádio poderão compartilhar programação sobre temas relevantes para alcançar uma audiência maior, benficiando-a  com um fluxo maior de informação.

Os desafios do projeto são de todo o tipo. Por exemplo, há jornalistas de zonas rurais que nunca utilizaram Internet nem sabem como funciona. Isto por si só já é um desafio imenso que pede por soluções alternativas, como a transmissão de dados através da telefonia celular ou da rede de satélites que une essas emissoras. Outras dificuldades são de tipo técnico, como a baixa qualidade do material e equipamentos obsoletos.

O importante, segundo os objetivos do projeto, é que as emissoras e suas equipes disponham dos instrumentos e conhecimentos necessários que permitam melhorar o trabalho jornalístico, habilitar seus conteúdos, e integrar e manter vigentes suas emissoras na Internet sem perda de autonomia.

A Rede de Jornalistas Internacionais (IJNet, em inglês) conversou com a autora do projeto, que trabalha em colaboração com o Grupo Fides, uma das redes de rádio mais importantes da Bolívia.

Cernadas é bolsista do programa Knight International Journalism Fellowships, organizado pelo Centro Internacional para Jornalistas (ICFJ, em inglês). Com 18 anos de experiência internacional como jornalista de imprensa e rádio, ela está desenvolvendo o projeto de criar uma plataforma digital para o Fides.

MB: Qual é o objetivo do projeto?

CC: O projeto visa formar jornalistas de rádio em zonas rurais e suburbanas para que disponham de ferramentas e conhecimento necessários que permitam melhorar seu trabalho como jornalistas e integrá-los a uma plataforma de conteúdos digitais no final. Como bolsista do programa Knight International Journalism Fellowships, trabalho em colaboração com o Grupo Fides, uma das redes de emissoras de rádio mais importantes da Bolívia, e mais especificamente, com seu grupo de emissoras no departamento de Santa Cruz. Fides Santa Cruz já dispõe de cerca de 20 estações próprias ou afiliadas ao departamento, e meu objetivo é alcançar todas para melhorar a qualidade de trabalho de seus jornalistas. Uma vez cumprido este objetivo, será criada uma plataforma digital que integre estas emissoras e permita aos jornalistas acessar outros conteúdos e trocar experiências, especialmente sobre assuntos de interesse para a comunidade.

MB: Por que acha que é importante criar uma plataforma digital para unir várias estações? Qual é o benefício?

CC: Em termos gerais, uma rede de estações cumpre uma função integradora fundamental quando falamos de rádios e jornalistas suburbanos e rurais. São profissionais com pouca formação jornalística, mas muita vontade, que costuma trabalhar em áreas distantes dos grandes centros urbanos e às vezes isoladas, e que dispõem de poucas ferramentas profissionais e técnicas para desenvolver seu trabalho. Uma plataforma digital que as integre permitiria oferecer em um único suporte toda a informação referente a uma zona geográfica determinada, o departamento de Santa Cruz, beneficiando sua população e visualizando melhor o que passa nestes vilarejos e comunidades, pouco representadas na grande mídia.

MB: Que dificuldades ou limitações tecnológicas, operativas e jornalísticas enfrentou até o momento na criação da plataforma?

CC: A plataforma ainda não está criada, porque, para garantir seu funcionamento e padrões mínimos de qualidade, as primeiras fases do projeto focam na capacitação dos jornalistas. Mas as dificuldades são e vão ser muitas. Em primeiro lugar, porque a maioria destes jornalistas não têm e uma conexão de Internet, nem em casa nem no lugar de trabalho. A principal causa é o custo da Internet, que na Bolívia é muito caro, mas há casos onde o serviço da rede simplemente não existe.  Por isso, muitos destes jornalistas nunca entraram na Internet, nem sabem como funcionam. Isto já significa um desafio imenso e nos obriga a buscar soluções alternativas, como a transmissão de dados através da telefonia celular ou da rede de satélite que une essas emissoras. Existem outras dificuldades. Por exemplo, o material técnico de que dispõem só ser de baixa qualidade ou antiquado.

MB: Como funciona uma plataforma digital de emissoras de rádio? Ou como funcionará o modelo que imagina?

CC: O modelo que tenho em mente seria uma plataforma que integre texto, fotografias e som, e onde cada localidade tenha um link que permita acessar sua informação local. Os jornalista vão se incorporando pouco a pouco à Web com uma notícia semanal, depois duas ou mais, que irão se armazenando na plataforma para formar um histórico de cada população. A Internet, em geral, pode oferecer muitas possibilidades de participação para pessoas de cada zona, à medida que a Internet vai sendo implantada na Bolívia como uma ferramenta de comunicação habitual.

MB: Se um dos objetivos da plataforma digital para rádios é que compartilhem a programação de alguns temas, como manter a individualidade de cada estação?

CC: Atualmente, essas emissoras já compartilham algumas horas de programação por dia, que vêm da Rádio Fides Santa Cruz. O restante é programação local própria com locutores e convidados locais. Esta fórmula não mudará. Mas significa que estas emissoras, que hoje já funcionam como correspondentes em seus territórios, publiquem alguns de seus conteúdos na plataforma.

MB: A criação desta plataforma melhoraria a produção das emissoras de rádio? Como?

CC: O que melhora é o serviço que as emissoras oferecem. Podemos imaginar, por exemplo, a utilidade de uma plataforma deste tipo durante a recente epidemia de dengue que aconteceu em Santa Cruz. Em vez de cada emissora ir para um lado, as emissoras poderiam se unir e oferecer um panorama mais completo sobre a incidência da epidemia, prevenção, recomendações sanitárias... Uma plataforma deste tipo é um contraponto necessario à rádio que, por definição, é um meio fugaz.

MB: Demora muito para desenvolver um projeto desta dimensão?

CC: A verdade é que é um processo muito lento que envolve muitos fatores. As dificuldades técnicas de que falei são um, mas existem outros como as enormes distâncias entre as emissoras, as dificuldades de acesso, a falta de recursos econômicos, a motivação destes jornalistas, a escassez de material... é impossível planejar um projeto assim com pressa, porque fracassaria. Minha estratégia é avançar passo a passo, sem desesperar por causa de contratempos e dificuldades.

MB: Quantas estações de rádio farão parte da plataforma?

CC: Ainda não está fechado, mas serão pelo menos 14 emissoras que estão vinculadas de alguma maneira à Rádio Fides Santa Cruz dentro do departamento. Sua participação na plataforma é voluntária, assim isso vai se determinando pouco a pouco. Pode acontecer, por exemplo, que pequenas emissoras rurais de propriedade privada, que a princípio não considerávamos, acabem somando-se também ao projeto porque participaram de nossos workshops de capacitação.

MB: Como acha que mudará o panaroma da rádio no futuro?

CC: A rádio está imersa há tempo em um processo de transformação muito forte por causa da Internet e novas tecnologias. A rádio “a la carte”, que permite aos ouvintes baixar seus programas preferidos e escutá-los a qualquer hora do dia, foi um grande estímulo. O seguinte será a implantação definitiva da rádio digital, que em muitos lugares ainda é incipiente, o que ampliará enormemente estas possibilidades. As fórmulas convencionais coexistirão com este modelo de serviço personalizado e instantâneo para o ouvinte. Em muitas partes do mundo, a rádio é o principal veículo de informação e interação para muita gente isolada ou com pouco acesso a outros meios mais caros e complexos, e por isso, acredito que os prognósticos que preveem o fim dos meios convencionais levarão um bom tempo para acontecer no que se referem ao que a rádio faz.

Clique aqui (em espanhol) para conhecer mais sobre a Rádio Fides. Visite o site do programa Knight International Journalism Fellowships (em inglês): http://knight.icfj.org/.