A pandemia do coronavírus impactou diretamente os jornalistas freelancers ao redor do mundo.
Uma ferramenta elaborada pela Universidade de Oxford, na Inglaterra, indica queda na relação entre oferta e demanda de trabalhos freelancers. A redução ocorreu entre março e abril e, na sequência, há uma elevação acentuada e nova queda a partir de junho. Chamada de The Online Labour Index (que, na tradução livre, significa índice de trabalho online), a plataforma reúne informações de 40 sites diferentes de trabalho online.
No Brasil, veículos de comunicação suspenderam contratos de funcionários e aderiram a um programa do governo que custeou parte da folha de pagamento como forma de conter demissões. Sem vínculos com as empresas, muitos freelancers acabaram desamparados e, consequentemente, tiveram queda nos ganhos.
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A IJNet conversou com quatro profissionais para entender melhor como anda o jornalismo freelance no Brasil.
A jornalista Renata D'Elia de São Paulo viu a receita cair a praticamente zero de uma hora para outra. "Fiquei três meses sem trabalhar, foi terrível. Vários colegas ficaram desesperados", conta. Freelancer há dez anos, ela trabalha em duas frentes: reportagens de fôlego para veículos e produção de conteúdo para sites de empresas (do ramo de energia, combustíveis, entre outros).
No caso das reportagens de fôlego, a profissional tinha duas pautas grandes para fazer: uma com entrega em abril e outra em maio. Com a pandemia, ambas foram suspensas. "Só em julho que os editores voltaram a entrar em contato comigo para retomar as pautas", conta D’Elia. A jornalista tinha ainda três contratos para produção de conteúdo para empresas, também cancelados momentaneamente. Na retomada, em junho, as empresas acabaram pedindo redução nos valores devido ao momento. "Se eu tinha fechado um job de R$ 5 mil, com a retomada acabei fechando por R$4 mil, por exemplo."
Durante os três meses que ficou sem serviço, D’Elia conta que assumiu um estilo de vida mais simples e que, por três meses, viveu com o que tinha ganho no primeiro trimestre. “Eu negociei contas, cortei pacotes de televisão”, diz ela, que também passou a fazer reportagens para sites menores.
A jornalista Janaina Garcia, também de São Paulo, estima uma queda nos ganhos de até 30%. A redução ocorreu entre o começo da pandemia, de março a abril, para agosto deste ano. Inicialmente, as reportagens tratavam quase que exclusivamente da pandemia, o que foi perdendo o interesse dos editores com o passar do tempo. "As matérias de vítimas começaram a ficar muito mais banalizadas. Os editores começaram a pensar: 'isso não é uma coisa tão nova, posso fazer da redação", conta a jornalista, que escreve matérias para sites nacionais.
Poucas das pautas sugeridas por ela foram recusadas. Entretanto, na hora da "venda" da sugestão, percebeu uma exigência maior dos editores. "Eles estão sendo muito mais criteriosos devido à alegada queda de receitas. Isso aumentou o meu trabalho de convencimento para o aceite, tive que batalhar bastante para comprarem a pauta", conta.
Com a redução nos ganhos, Garcia passou a oferecer reportagens para outras editorias, que não trabalhava anteriormente, e também para outros veículos.
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Para o jornalista Piero Locatelli de São Paulo, a pandemia provocou a suspensão de três trabalhos freelancers que envolviam viagens: dois deles negociados com veículos estrangeiros. Há três anos ele trabalhava apenas como freelancer, mas em julho deste ano, aceitou um trabalho com carteira assinada. Questionado se a volta para o mercado formal tinha relação com a redução nos trabalhos, o profissional nega.
"Não diria que pela baixa, comigo isso não aconteceu. Os trabalhos mudaram com a pandemia, mas não sei dizer se diminuíram. Desapareceram os que envolviam viagens e surgiram coisas mais ligadas a pandemia. Acho que a situação da pandemia acelerou/intensificou um processo de pegar algo mais fixo", afirma Locatelli.
Em Porto Alegre, a jornalista Naira Hofmeister conta que teve aumento de receita e de demanda de trabalho por conta da pandemia. Mas houve um veículo que reduziu o valor do orçamento por reportagens em 40% em relação ao que pagava antes da crise sanitária. A justificativa foi que a produção da matéria não envolveria a saída para a rua. Freelancer há 15 anos, a profissional já fez reportagens para 30 veículos, entre nacionais e internacionais.
Segundo o jornalista e doutor em sociologia Fabiano Burkhardt, a situação evidencia a instabilidade na qual convivem os freelancers. Em 2006, ele estudou a situação desses profissionais em Porto Alegre durante o mestrado.
"A pandemia trouxe um novo elemento de instabilidade. A situação já era precária: enquanto trabalhadores formais estão enfrentando cortes de salários, freelancers estão encontrando mais dificuldades, que pode envolver a própria redução no valor a ser recebido por um trabalho. O freelancer por definição é precário, e a luz da pandemia confirma esse caráter de precariedade", resume.
Hygino Vasconcellos é jornalista de dados e especialista em LAI, mestre em comunicação e informação pela UFRGS. Twitter: @hyginovasc
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