O que saber para cobrir desigualdade vacinal

Mar 28, 2022 em Reportagem sobre COVID-19
Vaccines

A COVID-19 expôs falhas nos sistemas de saúde do mundo todo. Uma delas é a impressionante desigualdade no acesso a vacinas entre países de alta e baixa renda.

Em uma sessão recente do Fórum de Reportagem para Crises Globais de Saúde do ICFJ, os palestrantes discutiram os fatores que contribuem para a desigualdade vacinal, o importante papel desempenhado pelos jornalistas que cobrem o assunto e as implicações na saúde global.

O evento teve a presença de Priti Krishtel, advogada de justiça em saúde nos Estados Unidos e cofundadora da Initiative for Medicines, Access & Knowledge, organização voltada para encontrar soluções para lidar com a desigualdade estrutural na medicina; Dr. Ifeanyi Nsofor, médico e defensor da saúde universal na Nigéria; Dr. Madhukar Pai, diretor dos Programas de Saúde Global da McGill University e do Centro Internacional de Tuberculose, com sede em Montreal, Canadá; e Dr. Bassey Ebenso, professor e pesquisador da Universidade de Leeds, no Reino Unido.

 

Confira abaixo alguns dos principais pontos discutidos no painel:

O papel da mídia na igualdade vacinal 

Os participantes clamaram que é fundamental que os jornalistas contextualizem suas reportagens sobre a desigualdade das vacinas. Infelizmente, nem sempre isso acontece. Por exemplo, esta matéria sobre como vacinas vencidas foram descartadas no Malawi não mencionou que o país recebeu as vacinas doadas pouco antes da data de vencimento. Esta reportagem, por outro lado, forneceu com responsabilidade esse contexto.

“Precisamos que mais pessoas participem da campanha por equidade vacinal”, disse Pai. “A mídia desempenha um papel crucial nesse ponto. Se a imprensa publicasse o porquê de as doações de vacinas para países de baixa renda serem tardias, a história seria outra. O público não sabe, e uma boa cobertura deve esclarecer sobre essas questões.”

Os jornalistas desempenham um papel crucial na comunicação da natureza contínua da pandemia, acrescentou Krishtel. Isso ajuda a informar o público sobre a necessidade de continuar respeitando as medidas preventivas, como o uso de máscaras, e saber quando essas ações podem ser afrouxadas.

Fatores da desigualdade vacinal 

Até janeiro de 2022, a África havia recebido cerca de 6% de todas as vacinas contra a COVID-19, apesar de ter 17% da população mundial. No momento, apenas 14% das pessoas em países de baixa renda receberam pelo menos uma dose, contra 64% da população mundial em geral.

O local de fabricação das vacinas ajuda a explicar, em partes, essas discrepâncias. A África importa 99% de suas vacinas, já que poucos países do continente têm capacidade para fabricá-las. Os que têm capacidade geralmente só fazem o preenchimento de frascos com vacina e as embalagens para distribuição, e não produzem as vacinas de fato. “Os países da África devem ter capacidade para produzir suas próprias vacinas para reduzir a dependência de importações de outras regiões do mundo”, disse Pai.

Numa tentativa de melhorar essa situação, a Organização Mundial da Saúde anunciou a seleção de seis países africanos – Nigéria, Egito, Quênia, Senegal, África do Sul e Tunísia – para receber a tecnologia necessária para produzir vacinas de mRNA. Só como exemplo, as vacinas Pfizer-BioNTech e Moderna são exemplos de vacinas de mRNA.

Para agravar a questão, as empresas farmacêuticas e os líderes políticos dos países mais ricos têm relutado em doar vacinas para países de baixa renda, observou Pai. “Há desigualdade nas vacinas porque os países de alta renda parecem desinteressados ​​em doar antes que tenham vacinado toda a população em seus países. Seria bom ter vacinas disponíveis para países de baixa renda”, disse Pai.

Ebenso observou ainda que alguns países mais ricos, como os Estados Unidos e o Brasil, demoraram a aceitar a ciência por trás da COVID-19. Isso atrasou as medidas de saúde pública que poderiam ter sido tomadas antecipadamente para manter as pessoas seguras. “Os últimos dois anos nos ensinaram que há uma real desconexão entre política e saúde pública. Teríamos adorado ver países de alta renda interessados ​​em estabelecer estruturas e políticas”, disse Krishtel. “Mas o houve foi pouca vontade política. A frase ‘não estamos seguros até que todos estejam’ não está fazendo sentido”.

Os padrões globais de saúde em torno do acesso e distribuição desiguais de vacinas podem estar ligados ao comportamento colonial dos países mais ricos, disse Nsofor. Isso se manifesta em políticas governamentais, decisões de financiamento, pesquisa e administração. “É chocante perceber que a questão da equidade das vacinas parece ser colonial. A desigualdade começou com equipamentos de proteção individual”, disse ele, acrescentando que o mundo não poderá superar a pandemia devido aos baixos níveis de vacinação em muitas partes do mundo – entre eles, a África.

Nesse contexto, é fundamental que as redações informem a complexidade das taxas de vacinação atrasadas na África e as suas causas. Uma falha nesse sentido pode ter consequências no mundo real.

“É desanimador notar que fizeram caricaturas e matérias retratando o ômicron como uma doença africana. Isso pode levar à xenofobia e matar africanos. Os jornalistas têm a responsabilidade de informar com precisão e equidade”, disse Nsofor. “A cada dia que passa, a COVID-19 se tornará semanticamente uma doença africana.”


Foto por Spencer Davis no Unsplash