O que faz um gerente de produto numa redação?

por Maximiliano De Rito y Felicitas Carrique
Sep 14, 2021 em Sustentabilidade da mídia
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O Propulsorio (um projeto da SembraMedia e do Velocidad, com apoio do Centro Internacional para os Jornalistas e o Luminate)  criou uma série de guias com o objetivo de aproximar as redações da mentalidade de produto para que se conquiste um jornalismo confiável, baseado em evidência, sustentável e focado em criar impacto para uma cidadania comprometida. Como parte deste guia, publicamos um capítulo de sua primeira unidade, concentrado na importância e no papel do gerente de produto nas redações. Você pode saber mais sobre a iniciativa aqui.

O que é: O gerente de produto é o "CEO de produto". Isso quer dizer que ele é o responsável pela definição da estratégia, visão, roteiro e funcionalidades de determinado produto. Desculpe-nos, mas não encontramos outra maneira de usar mais vezes a palavra produto. Por via das dúvidas: produto, produto, produto. Pronto. Melhor.

Em detalhes: Para fazer seu trabalho, o gerente de produto precisa analisar as condições do mercado e a concorrência, e estabelecer uma visão que se diferencie e entregue um valor único baseado nas necessidades ou problemas dos usuários.

O gerente de produto é o responsável por definir o "por quê", o "quê" e o "quando" do produto e comunicar isso da melhor maneira ao restante da equipe para assegurar que todas as decisões ao longo do desenvolvimento estejam alinhadas com a proposta única de valor.

Além das responsabilidades, a função inclui entender os interesses e necessidades de todas as áreas, escutar os problemas por um lado e encontrar soluções por outro. Como o regente de uma orquestra, o profissional busca constantemente criar harmonia entre os "músicos" que sempre querem fazer um solo. Como uma figura paterna/materna, é responsável por controlar o estado emocional das equipes e resolver as dificuldades nas relações com o produto, com seus colegas e com as outras áreas. Em resumo: ele busca sinergias, que o todo seja maior que a soma das partes e que os envolvidos estejam comprometidos com o produto e seus objetivos. E também precisa comer e dormir, apesar de que depois de tudo isso não sobra mais muito tempo.

Qual o foco: Se há uma coisa que um gerente de produto tem que fazer melhor que todo mundo é entender e escutar a pessoa mais importante da história: não são os colegas, não são os chefes, não são os donos do meio de comunicação; as pessoas mais importantes sempre são os usuários. Quais as necessidades deles? Quais problemas eles enfrentam? Quais ideias têm para melhorar o produto? O gerente de produto é responsável por interpretar essas questões para definir as mudanças e melhorias que precisam ser realizadas e garantir um produto com valor para os usuários.

Como funciona: Não existe uma formação superior de gerente de produto nem uma única carreira para se tornar um. Em variadas empresas, você vai encontrar gerentes de produto com trajetórias muito diferentes. Alguns vêm da tecnologia, outros do design, outros de negócios, outros da própria redação. Alguns, inclusive, têm passados sombrios que ninguém se atreve a perguntar. Mas falando sério: não há um perfil que seja melhor do que outro; cada um agrega mais valor em sua área de especialidade e tem pontos fracos que podem ser compensados com a formação de uma boa equipe.

Na hora da verdade: Mesmo que não seja determinante que uma pessoa neste cargo tenha se formado em uma área relacionada ao jornalismo, na prática isso pode ser muito valorizado pelo restante da redação. Ter estado "na trincheira" e entender os problemas e desafios do dia a dia faz com que, nestes casos, o gerente de produto seja escutado com menos resistência.

Do que precisa: Embora as responsabilidades variem em cada empresa, as características comuns do cargo são:

  • Ter conhecimentos de tecnologia, design e negócios: Este é um dos pontos de maior polêmica, já que é difícil determinar o quanto deve saber um gerente de produto sobre estes assuntos. Na prática, ele deveria ter noções aplicadas ao ramo em que atua para ter um diálogo fluido com as várias equipes. O alcance do conhecimento dessas áreas depende do produto em si. É preciso saber programar? Não. É melhor saber? Com certeza. E se ele não souber escrever códigos, ao menos tem que saber distinguir entre front end, back end, uma API e analytics.
  • Saber se comunicar e, principalmente, escutar: A comunicação tem um papel fundamental na função do gerente de produto. Sobretudo, a capacidade de escutar ativamente para pedir e reunir sugestões, entender os problemas dos usuários ou identificar oportunidades de negócio.
  • Ter consciência de seus pontos fortes e fracos: Um gerente de produto tem que saber o que sabe porque o sabe, mas fundamentalmente tem que saber aquilo que não sabe. É importante compreender a diferença entre opiniões, instintos e dados. É preciso administrar o equilíbrio entre confiar em seu instinto ou seguir os números. Você precisa saber que seu trabalho, muitas vezes, é preencher vazios de conhecimento em vez de defendê-los.
  • Ser apaixonado, curioso e analítico: Um gerente de produto precisa ter paixão pelo produto com o qual trabalha de ponta a ponta, saber o que ele tem, o que não tem, de que forma pode ser melhorado e como isso pode ser feito. Um bom gerente de produto é guiado pela curiosidade, faz análise competitiva das alternativas de melhoria, está atento a serviços e novidades que poderiam fornecer uma solução para nossos problemas. Nem sempre é necessário reinventar a roda, pode até ser que a solução já exista, só é preciso observar com atenção.
  • Saber negociar: É impossível dizer sim para todo mundo o tempo todo. Saber negociar pode nos ajudar a ganhar tempo para experimentar, conseguir os recursos necessários para uma melhoria e evitar um confronto entre áreas com objetivos diferentes. O poder do gerente de produto se dá por sua influência e pelo seu conhecimento, não pela autoridade.
  • Ser autoconfiante: Os gerentes de produto tendem a desafiar as tradições. Isso pode ser um trabalho difícil em ambientes que passam anos fazendo as coisas do mesmo jeito e que enxergam as figuras disruptivas como uma ameaça. Os gerentes de produto vêem os problemas como oportunidades e quanto maior o problema, maior será a oportunidade. Eles são otimistas e têm confiança em suas próprias ideias e habilidades. Mas também são conscientes de que se forçam um pouco mais, algumas áreas vão fazer a "formação tartaruga" e — tal qual uma legião romana invencível — não vão ceder um centímetro. Confiança sem arrogância. Firmeza sem agressividade. A essa altura, poderíamos dizer que é quase uma figura zen.  

O que faz: o dia a dia inclui uma combinação de tarefas estratégicas e operacionais. Algumas são compartilhadas com outras equipes ou áreas, mas em geral um gerente de produto se concentra em:

  • Investigação: Analisa a concorrência, busca novos formatos e plataformas para experimentar e descobrir potenciais audiências para alcançar.
  • Estratégia: Realiza planejamentos que incluem a definição de objetivos e métricas, alcances gerais do produto e um roadmap com passos a serem seguidos.
  • Comunicação e motivação: Mantém uma comunicação contínua durante todo o processo de desenvolvimento do produto com as várias equipes envolvidas. Comunica não só o estado do produto, como também o impacto das tarefas realizadas pelas equipes para que se sintam proprietárias e se mantenham motivadas.
  • Priorização e implementação: Prioriza as tarefas a serem realizadas (aquelas já estipuladas no planejamento estratégico) e acompanha o estado delas até a finalização.
  • Análise: Observa o que funciona, o que não funciona e o que é preciso melhorar através da análise de dados, métricas e sugestões. Define com as equipes responsáveis o que precisa de ação e o que incorporar em futuras iterações do produto.
  • Monitoramento e operações: É responsável por monitorar fornecedores, coordenar entregas, revisar o funcionamento dos sistemas, escrever documentação funcional e muitas vezes preencher lacunas para que o produto chegue aos usuários da melhor maneira. Esta função é importante, é operacional e poderíamos chamá-la de "papelada burocrática". Entende-se que é parte do processo e ajuda com a porção mais chata do produto. Sim: essa planilha do Excel com a projeção de receitas no próximo trimestre é onde um bom gerente de produto se destaca e, inclusive, até se diverte.

Contexto: O gerente de produto precisa se assegurar de que as diferentes áreas estejam alinhadas na definição do produto. Em muitas empresas, a resposta varia conforme a equipe. Imagine que jornalistas dizem que o produto são as matérias, designers dizem que são os infográficos e os desenvolvedores dizem que são o site.

É responsabilidade do gerente de produto conciliar e ajudar as distintas áreas da empresa para se obter um entendimento em comum. Ou dito de outra forma: é preciso fazer com que os grupos, com diferentes interesses, caminhem na mesma direção e na mesma velocidade. Difícil? Sem dúvida, mas também poucas coisas são tão gratificantes quanto uma equipe alinhada com a mesma visão.

O que dizem aqueles que fazem isso: O objetivo a longo prazo do gerente de produto é se tornar dispensável e que as pessoas na empresa incorporem e apliquem a filosofia analítica e ampla que o produto oferece nas tarefas diárias. Que tudo tenha uma razão de ser e que ela seja em favor do usuário e do negócio.

Por que é importante: Todo produto precisa de uma pessoa que, além de definir um plano de ação, acompanhe e se relacione com as equipes que trabalham com ele. Alguém que garanta que todas as engrenagens funcionem corretamente. Alguém que alinhe prioridades e objetivos. Que funcione como elo e facilitador entre as diferentes equipes, esclarecendo dúvidas e desbloqueando obstáculos que impedem o avanço do desenvolvimento. Que lidere e convença os outros sobre o que é importante e por quê.


Imagem principal: ilustração de Denise Belluzo.