O que esperar do jornalismo brasileiro em 2023

Jan 5, 2023 em Liberdade de imprensa
Reconstrução

O que esperar da cobertura jornalística no Brasil em 2023 depois do bolsonarismo e da expressiva eleição de apoiadores do antigo governo no legislativo e no executivo? Como lidar com o negacionismo, a desinformação e o desmonte na esfera ambiental? A convite do Farol Jornalismo e da Abraji, jornalistas e pesquisadores escreveram textos para a série “O Jornalismo no Brasil em 2023,” que apontam para uma era de reconstrução e vigilância.

O que fica do bolsonarismo?

Esse é o título do texto  que Natalia Viana, diretora executiva da Pública (Agência de Jornalismo Investigativo), produziu para a série. No artigo, Viana afirma que o bolsonarismo é o primeiro movimento populista digital do Brasil e que as táticas de desinformação desenvolvidas por essa nova direita vieram para ficar. E constata que “a imprensa seguirá sendo um alvo preferencial, pois o ódio a ela funciona como elemento aglutinador da identidade bolsonarista”. Sendo assim, como o jornalismo pode se proteger dos ataques e informar com qualidade?

“Eu defendo que os jornalistas têm que aprender a cobrir a tecnopolítica - a política mediada pelo digital - com a vasta variedade de ferramentas que já estão disponíveis", explica Viana. "Desde sites de uso simples, como o Hoaxy, o Botometer ou o Bot Sentinel, que podem ser usados para verificar contas e narrativas falsas e ondas manipuladas de desinformação”. Ferramentas mais sofisticadas, como o monitor Aos Fatos, além de empresas e organizações que fazem esse trabalho, a exemplo do Projeto 7c0 e a Novelo Data, também são mencionados pela jornalista.

Para Rosiane Freitas, CEO do jornal Plural, a cobertura permanece desafiadora., porque o bolsonarismo continua forte nos estados e municípios. “O maior desafio é conseguir realizar uma boa e relevante cobertura com equipes pequenas", diz Freitas. "Penso que o caminho é investir menos no factual e mais em documentar processos, porque o bolsonarismo continua forte nos estados e municípios".

Silêncio estratégico

Para Viana, o jornalista precisa estar atento e refletir sobre o seu papel no ambiente de informações, utilizando do “silêncio estratégico” na cobertura, ou seja, evitando noticiar ações que desestabilizem a democracia. “Um jornal publicou uma manchete mais ou menos assim: ‘Bolsonaro quer demonstrar apoio a manifestações antidemocráticas, mas teme Justiça’", exemplifica Viana. Para ela, este tipo de especulação não acrescenta enquanto notícia e ainda passa um recado de ameaça à ordem nacional. "É esse o tipo de reflexão que temos que ter o tempo inteiro, pois o espetáculo, o grotesco, o absurdo - tudo isso é usado como tática para chamar a atenção da imprensa, ser noticiado e criar fatos políticos”.

Como avançar na cobertura ambiental 

“Ser jornalista no Brasil mudou. É necessário se cercar de mais cuidado. O assassinato bárbaro de Dom Phillips, em pleno Dia Mundial do Meio Ambiente, é uma prova disso. Ademais, o impossível, o mais absurdo, em termos de notícias falsas e desinformação, tornou-se corriqueiro e convincente”, afirma Maristela Crispim, editora-chefe da agência de conteúdo Eco Nordeste.

Como avançar na cobertura climática depois de quatro anos de negacionismo?  Segundo o artigo de Crispim, o jornalismo terá o desafio de vigiar poderes, lutar contra as fake news e educar a população sobre a urgência da causa. Ela destaca que a postura do jornalista deve ser crítica sobre o massacre dos povos indígenas e os altos índices de desmatamento. “É preciso apurar e escutar com atenção as populações mais afetadas, buscar a academia, diversificar fontes”. Além disso, Crispim pontua a necessidade de acompanhar o legislativo mais de perto, já que lideranças associadas a devastação socioambiental foram eleitas, bem como acompanhar a restauração dos órgãos ambientais. 

O novo governo terá grandes batalhas e precisa agir em diversas frentes. “A primeira delas, apelidada de ‘revogaço’, é reverter todos os decretos e leis aprovados nesses quatro anos que retiram a proteção do meio ambiente e os direitos das pessoas, principalmente das comunidades tradicionais e dos povos originários", diz Crispim. 

A escolha de Marina Silva e Sonia Guajajara para compor os ministérios é um sinal que o Brasil voltou à luta climática e ambiental e pretende liderar essa questão, destaca Matthew Shirts, cocriador do Fervura (plataforma de notícias dedicada à emergência climática). Ele acredita que a cobertura ambiental precisa tornar-se o mais empolgante possível para o público, com boas doses de investimento e de inspiração.

“É urgente convencer a grande mídia e potenciais financiadores de que o clima e o ambiente são dois dos assuntos mais importantes hoje", destaca Shirts, "Os jornalistas e produtores de conteúdo devem buscar personagens e soluções ambientais - do ativismo em todas as suas frentes à engenharia de novas tecnologias - capazes de movimentar histórias fascinantes”.

Fôlego para a mídia local e independente

“Viver sob um governo que nos agride fez com que sobreviver fosse nossa principal pauta, mas o resultado da eleição presidencial de 2022 nos faz ir para 2023 reavivando a esperança". Assim observa Isabelle Maciel, editora-chefe do jornal Tapajós de Fato, em seu artigo sobre o fim da era do “maior inimigo da mídia brasileira” e sobre o futuro da cobertura local. Com o fôlego renovado, Maciel afirma que a equipe sofreu uma série de agressões tanto por ligações quanto pelas redes sociais, principalmente no período eleitoral de 2022, mas que é tempo de acreditar em dias melhores.

Para Freitas, do Plural, fazer jornalismo local é mais complicado, uma vez que controlar os ataques jurídicos quando não se tem os mesmos recursos financeiros de um jornal de grande alcance pode ser mais difícil, com maior exposição aos atos de violência, que muitas vezes são blindados nas redações maiores.

Maciel pontua a necessidade do fortalecimento da mídia independente, através de incentivos e projetos, que em sua maioria não vão para regiões do Brasil, como o Norte, onde atua. Ela também destaca a necessidade do apoio e da valorização das pessoas do próprio território. “Precisamos chegar nas pessoas que consomem apenas os veículos de massa, para que as mídias independentes ocupem mais espaços e sejam protagonistas nessa construção de uma sociedade mais informada sobre seus direitos”.


Foto: Randy Fath no Unsplash