O que aprendemos formando uma geração de jornalistas de dados

por Adi Eyal
Oct 30, 2018 em Jornalismo de dados

Quando o Code for South Africal lançou a primeira academia de jornalismo de dados na África em fevereiro deste ano, estávamos tentando resolver um problema nas redações locais. Vimos que as redações sul-africanas não tinham as habilidades técnicas internas para trabalhar com conjuntos de dados e usá-los para encontrar histórias ou para complementar as investigações. Esse híbrido valioso que combina julgamento editorial e análise de dados raramente é encontrado em organizações de mídia sul-africanas.

As razões para isso são muitas e complexas, mas é em parte devido à falta de jornalistas de dados capacitados. E, por isso, lançamos a academia para preencher essa lacuna. O programa começa com um treinamento intensivo de duas semanas, partindo da aquisição de dados (pedidos de liberdade de informação, raspagem da web, Google-fu, etc.) e, em seguida, preparação (limpeza de dados) e análise.

Este período de treinamento de duas semanas é seguido por quatro semanas de trabalho a tempo integral na nossa redação praticando essas habilidades. Os jornalistas têm que produzir regularmente matérias baseadas em dados, que são então enviadas para as suas próprias redações para publicação. Desta forma, os jornalistas não têm que parar de trabalhar para suas redações quando participam de nossa academia de dados -- em vez disso, eles permanecem produtivos.

Nosso pensamento sobre isso é que duas semanas não são suficientes para internalizar estas novas competências. Considere o que aconteceria se, após um treinamento de duas semanas, esses jornalistas voltassem para uma redação onde são os únicos jornalistas de dados. Dada a sua experiência limitada em aplicar suas novas habilidades, eles estariam propensos a abandonar rapidamente as suas planilhas para os seus cadernos e lápis, pois são pressionados pelos editores de notícias que não entendem o que planilhas podem oferecer e não conhecem a riqueza de histórias que estão escondidas em conjuntos de dados chatos.

É por isso a academia de jornalismo de dados do Code for South Africa tem como objetivo apoiar os jornalistas enquanto dominam os meandros dos dados. Nosso objetivo é fornecer apoio durante o processo de aprendizagem, reduzindo o apoio para os jornalistas que vão se tornando mais confiantes em sua capacidade de contar histórias baseadas em dados.

Estamos prestes a começar a formação de nosso terceiro grupo de jornalistas e estamos atualmente refletindo sobre as nossas experiências, modelo e direção futura. Sem surpresa, encontramos uma série de desafios, alguns dos quais esperados, outros não.

Os desafios 

1. A dificuldade que alguns jornalistas têm em dominar as habilidades que foram ensinadas. A formação inicial de duas semanas acontece a um ritmo acelerado, a fim de cobrir o máximo de material possível, e alguns jornalistas acharam que não foi dado tempo suficiente para absorver tudo. Estamos refinando o currículo para resolver esse problema. Também estamos começando a rever que ferramentas ensinamos e incorporar muito mais tempo para o trabalho prático durante as primeiras duas semanas.

Essa parte é fácil. Inculcar uma apreciação de dados e uma compreensão de sua vantagem em melhorar as habilidades de jornalismo existentes é difícil. O jornalismo de dados, a meu ver, não é apenas uma folha de cálculo e uma bolsa cheia de ferramentas de visualização de dados. Nós preferimos o termo "storytelling" impulsionado por dados. Queremos que os nossos formandos tenham uma apreciação mais profunda de como esse novo paradigma pode melhorar as habilidades de contar histórias.

2. Conseguir publicar histórias de dados nas redações dos jornalistas. Não há garantia de que as visualizações produzidas pela academia podem realmente ser incorporadas pelo sistema de gerenciamento de conteúdo (CMS, em inglês) de uma organização de notícias. Muitos destes não podem incluir qualquer tipo de artefato, exceto texto e imagens. Na maioria das vezes, nossa equipe de desenvolvimento teve de se envolver com os desenvolvedores do CMS das redações para incluir o trabalho produzido pelo jornalista em seus sites de notícias.

3. Proteger o que acontece com uma matéria depois de ser enviada. Muitas vezes, a máquina da redação recebe uma matéria muito bem trabalhada e a mutila de forma irreconhecível quando é publicada. Os gráficos são reorganizados, análise importante é cortada e o layout é despido. Esses fluxos de trabalho inflexíveis impedem a publicação de matérias excelentes. Ainda assim, pensamos que quanto mais matérias empurramos pelo sistema, melhor o processo se torna. Os sistemas de gerenciamento de conteúdo melhoram, editores de layout entendem como incorporar um layout não-padrão e toda a produção fica muito mais tolerante com esta nova abordagem para contar histórias.

Embora desafiante, há um caminho claro para a resolução destes problemas. Infelizmente, há outros para os quais ainda não temos respostas.

Principalmente, faz sentido para o negócio de jornalismo produzir mais jornalismo de dados? Como as organizações de notícias se beneficiam destas matérias caras e mais lentas de produzir?

Quando começamos, o nosso objetivo primordial era produzir uma mudança sistêmica na indústria. A nossa abordagem foi a de resolver a escassez de competências, formando a próxima geração de jornalistas de dados. Infelizmente, responder à pergunta "e daí?" é difícil. Esses jornalistas serão capazes de produzir matérias mais envolventes e de impacto? Essas matérias vão atrair um maior número de leitores e fluxos de publicidade mais lucrativos?

Creio que já temos alguns exemplos de matérias que ajudam a justificar o investimento na narrativa orientada por dados. Estas incluem a matéria premiada sobre salário digno e a calculadora de salários, bem como estas matérias sobre a falta de banheiros em partes do distrito da Cidade do Cabo. Este trabalho contribuiu para uma ferramenta de pesquisa que está sendo usada por organizações da sociedade civil que defendem a prestação de serviços de saneamento permanentes nos bairros periféricos.

Essas matérias e ferramentas têm o potencial para ajudar a impulsionar mudanças na política ou pelo menos contribuir substancialmente para um diálogo nacional sobre as questões da pobreza e desigualdade na África do Sul.

Quanto à sustentabilidade financeira, estamos explorando essas opções também. O que é claro para nós é que a tentativa de ajudar a moldar o futuro do jornalismo no mercado local é um problema complexo com vários desafios que devem ser enfrentados em conjunto. Abordá-los em isolamento é improvável que resulte na mudança generalizada que estamos esperando.

Imagem principal sob licença CC no Flickr via Kjetil Korslien