Muitos repórteres adoram as minúcias do governo local. Gaste tempo o bastante observando reuniões de conselhos e você vai perceber que conversas aparentemente subalternas podem levar a políticas e discussões sobre orçamento que podem afetar toda uma população.
"Eu acho que audiências públicas são oficinas para a democracia", diz Darryl Holliday, ex-repórter e co-fundador do City Bureau. "Eu sei que grandes decisões são feitas nas audiências públicas mais entediantes. Mas alguém precisa estar lá pra gente saber disso."
É aí que entra a Documenters Network.
Com redações fechando nos Estados Unidos e outras apertando seus orçamentos e cortando pessoal, nem sempre há um repórter disponível para cobrir todas as audiências públicas. A Documenters Network, criada em 2018 sob o guarda-chuva da City Bureau, treina e paga cidadãos para fazerem registros de audiências públicas com pouca cobertura. A rede tem sedes em Chicago, Detroit, Cleveland e Minneapolis. Cada sede emprega funcionários de meio período ou de período integral que edita e publica online notas sobre as audiências, cria newsletters e comanda outras iniciativas especiais.
O objetivo da rede é tornar a informação pública acessível para qualquer pessoa. Ao recrutar pessoas que não são jornalistas, o projeto elimina barreiras entre produtores de notícias e os consumidores das mesmas.
Holliday liderou o desenvolvimento da rede e agora supervisiona o seu crescimento estratégico. A sede de Minneapolis abriu este ano e há planos de abrir mais sedes no Sul, na região das Grandes Planícies e na Costa Oeste num futuro próximo.
Os participantes da rede aprenderam a identificar violações nas audiências de seus estados e alguns se tornaram líderes comunitários. Mas o que é mais recompensador, diz Holliday, é a forma como o projeto impactou a educação cívica dos cidadãos.
"Eu não sei te dizer quantas vezes ouvi um participante falar 'eu não sabia que podia participar da audiência'. Pense só — são audiências feitas por funcionários eleitos e indicados, majoritariamente para o público, e muitas pessoas não sabem que elas podem participar", diz Holliday. "Os moradores locais são, em última análise, as pessoas que precisamos que estejam envolvidas na resolução de problemas locais. Eles não conseguem fazer isso se os formuladores de política estiverem trabalhando dentro de uma bolha."
Os participantes
Izzy Stroobandt se mudou para Chicago em agosto de 2020 para estudar na Escola de Jornalismo da Universidade Northwestern. Por causa da pandemia, ela diz que "provavelmente foi o pior momento para conhecer uma cidade, especialmente no nível hiperlocal". Ela se inscreveu para participar da Documenters e, um ano depois, estava tuitando ao vivo do início ao fim uma reunião de oito horas de duração do Comitê da Câmara de Chicago sobre zoneamento, pontos históricos e padrões de construção.
"Entrar para o programa da Documenters e fazer essas tarefas foi a melhor escolha que eu poderia ter feito para aprender sobre como o governo local — em vários níveis — funciona em Chicago", diz. "Eu não tinha percebido como as relações entre cada pessoa que faz política realmente importa."
Os participantes recebem por hora ou por audiência, dependendo da cidade. Todas as sedes pagam mais de US$ 15 por hora. Os editores revisam as anotações dos participantes e dão um feedback quando necessário antes de publicá-las online.
Jornais e organizações sem fins lucrativos locais financiam os afiliados da rede em cada cidade, enquanto a rede oferece trabalho de construção de marca, um site, ajuda com infraestrutura, apoio para esforços locais de financiamento e orientação. A City Bureau opera a sede de Chicago; o programa de Minneapolis está abrigado sob uma organização sem fins lucrativos; e em Detroit há uma parceria entre várias organizações jornalísticas e cívicas da cidade. Em abril, o programa de Cleveland anunciou que iria se desdobrar em um novo veículo financiado pelo American Journalism Project e a Cleveland Foundation.
Strootbandt é jornalista, mas esse não é um pré-requisito — qualquer pessoa pode participar da Documenters Network. "Os jornalistas não conseguem fazer isso sozinhos", diz Holliday. "Precisamos trazer mais gente para fazer esse trabalho."
Entre as pessoas que Holliday deseja engajar estão negros, trabalhadores e população de baixa renda que frequentemente são "os sujeitos de histórias escritas sobre eles, não para eles", ele escreveu em um artigo na Columbia Journalism Review.
Lawrence Daniel Casswell, coordenador do projeto em Cleveland, diz que a maioria das quase 400 pessoas treinadas na cidade não são repórteres e não têm aspirações jornalísticas.
"As habilidades que elas aprendem não são úteis apenas para o jornalismo, elas são úteis para entender o governo local e para participar mais abertamente e de forma mais ativa na vida cívica", diz Casswell. "Nós chamamos de comunidade e de fato é como se fosse uma comunidade. Você vai nesse espaço onde todo mundo está por causa da mesma curiosidade: como esse governo funciona? Vamos fazer algo a respeito e compartilhar essa informação."
Os coordenadores
Casswell trabalhou por mais de 10 anos na radiodifusão pública. Os colegas que o ajudaram a desenvolver o programa em Cleveland também vieram de redações. Mas o fato de a Documenters funcionar na contramão das normas do jornalismo é um chamariz para muitos dos seus participantes.
"Todos nós [em Cleveland] trabalhamos em redações e temos muito mais do que esse simples impulso da redação quando algo acontece... É uma cadência e um ritmo do jornalismo que não se movimenta conforme as demandas da comunidade," diz.
Jackie Renzetti, produtora em Minneapolis, entrou na Documenters depois de ser demitida por um veículo pequeno em 2020 e 2021. Ela começou cobrindo o julgamento de Derek Chauvin para veículos nacionais.
"Eu sentia um frenesi da mídia", diz, “tinha uma desconexão entre o que os moradores locais estavam focando e o que os veículos nacionais estavam escolhendo cobrir”. Burnout e desilusão a fizeram considerar deixar a profissão de vez. "Eu realmente pensei que esse era o caso", acrescenta.
Na época, a Pillsbury United Communities, uma antiga organização sem fins lucrativos de Minneapolis, estava procurando por alguém para administrar o site da Documenters.
"Pareceu um pouco de sorte", diz Renzetti. Quando ela foi contratada, divulgou o programa nas redes sociais e panfletos em lugares onde as pessoas "enfrentavam barreiras sistêmicas ao governo local."
Quatro meses desde a sua criação, a Documenters Minneapolis tem mais de 40 membros, cada um ganhando US$ 20 por hora. Eles cobrem cerca de 10 audiências por semana, incluindo todas as reuniões de nível municipal, do conselho do condado e do conselho escolar.
"[A Documenters Network é] jornalismo sem todos os obstáculos extrínsecos de uma redação tradicional", diz Renzetti. "Não estamos preocupados em conseguir um furo. Não estamos preocupados em dar as últimas notícias. Não estamos preocupados em competir... É muito mais sobre inserir as pessoas no processo de apuração."
No momento, a Documenters é um programa totalmente voltado para cidades, mas áreas rurais são cada vez mais desertos de notícias. Quando perguntado se a rede pode vir a considerar áreas rurais em uma futura expansão, Holliday demonstrou entusiasmo.
"Uma coisa é ter uma sede da Documenters na terceira maior cidade do país — a necessidade de um engajamento cívico com embasamento é de fato real", diz, “mas ter uma sede da Documenters em uma região onde talvez não exista um jornal? E dar às pessoas acesso a uma rede de profissionais de mídia participativa que criaram sedes da Documenters em outras partes dos Estados Unidos? Isso é uma história completamente diferente sobre a qual estou animado para saber mais."
Foto por Kelly Sikkema no Unsplash.