Na era das notícias online, jornalismo literário mostra seu valor

por Fabrice Le Lous
Oct 30, 2018 em Diversos

É um erro pensar que os leitores de notícias online só estão à procura de memes, GIFs e vídeos de estilo no YouTube. No La Prensa, o maior jornal na Nicarágua, os artigos longos ainda estão em alta demanda.

No dia 14 de janeiro, o especial "Fortuna y desgracia del 'tío' Roberto Rivas", publicado na nossa revista de domingo, levou em média 9 minutos e 37 segundos de leitura entre as dezenas de milhares de usuários que clicaram no artigo, o que é consideravelmente mais do que a média do jornal de 2 minutos e 59 segundos, de acordo com o Google Analytics.

Esse artigo longo, com estilo literário e análise de dados, explora duas décadas de corrupção atribuídas a Roberto Rivas, presidente do Supremo Conselho Eleitoral da Nicarágua.

Seja na reconstrução de um crime, na análise política de casos de corrupção, no perfil de uma figura pública chave ou em um esforço para lançar luz sobre um episódio do passado, o jornalismo de formato longo e profundo é essencial para a compreensão realidade.

Mas como garantir que esse jornalismo seja lido?

Embora não exista uma fórmula mágica, podemos examinar os traços distintivos das boas matérias de jornalismo literário e nos esforçar para aprender com elas, disse Fabián Medina, jornalista, escritor e jurado do Prêmio Internacional de Jornalismo Rei da Espanha.

"Sua intenção é compreender o assunto como um todo", disse ele. "Isso não significa escrever tudo sobre um tópico, mas perguntar --e se possível responder-- todas as perguntas sobre um tópico que achamos que os leitores fariam. Isso significa abordar um tópico de todos os ângulos possíveis."

As matérias de formato longo não são apenas notícias longas ou artigos explicadores. Para Medina, a diferença entre estas e uma boa matéria literária é o mesmo que "um prato de arroz branco e uma paella".

Miguel Ángel Bastenier, falecido jornalista e professor da Escola de Jornalismo El País, disse sobre o gênero: "É o jornalista em domínio das coisas, o repórter reportando e tornando-se a fonte do que diz, porque ouviu, viu e [verificou]."

Além de oferecer informações em um formato único e interessante, as matérias longas bem-sucedidas são apresentadas para que o usuário se sinta incomodado se ver a matéria e não clicar. E quando clicam, não pararão de ler até o fim.

Em fevereiro de 2017, a revista britânica Press Gazette publicou um artigo bastante desanimador sobre o jornalismo online: enquanto os jornais [impressos] são lidos por uma média de 40 minutos por dia, o visitante online médio gasta menos de 30 segundos por dia em um site de jornal.

No entanto, a reportagem sobre Roberto Rivas é um exemplo de jornalismo literário de sucesso, mesmo na era das notícias online. O La Prensa e várias publicações de língua espanhola, incluindo grandes jornais e revistas, conseguiram que seus seguidores gastassem até 9 minutos lendo artigos longos.

Embora representem um desafio para as publicações, esses tipos de matérias longas e de profunidade são uma parte crítica do jornalismo.

Octavio Enriquez é jornalista investigativo e vencedor do Ortega y Gasset Award (2011) e do Prêmio do Rei da Espanha (2014). "É o meu maior pesadelo que um dia os jornais anunciem que não terão mais tempo para publicar histórias longas e profundas, que tudo deve ser escrito com rapidez e urgência", disse ele. "Para mim, uma boa história ajuda você a pensar e às vezes precisamos parar e ver como tudo funciona em torno de nós. O jornalismo não pode se livrar desse gênero."

Fabrice Le Lous é editor da Revista Domingo do La Prensa da Nicarágua.

Imagem sob licença CC no Flick via Raúl Hernández González