Historicamente invisibilizadas e silenciadas, as mulheres têm agora a oportunidade de serem ouvidas na indústria de podcasts. Nos últimos anos, a participação delas cresceu e, apesar de ainda não haver dados o bastante, de acordo com a Ivoox, 43% dos podcasts do seu catálogo de podcasts originais em 2021 foram criados por mulheres e 50% do público ouvinte é composto por mulheres.
O PodWoman, evento de podcasts em espanhol dedicado a mulheres, foi criado como parte dessa busca por ser ouvida. No último dia 5 de março foi realizada sua segunda edição. "Nossa missão no PodWoman é tornar os podcasts mais acessíveis às mulheres, valorizar o trabalho delas na indústria e espalhar a ideia. Eu espero que saiamos daqui mais sábias e inspiradas [pelo exemplo de todas as mulheres que estão participando]", disse Maria Satonja, produtora da Ekos Media e diretora do evento, durante a transmissão.
O evento foi online e gratuito e teve mais de 10 horas de conteúdo com painéis e master classes com participação de mulheres extraordinárias da indústria de podcasts em espanhol. A LatAm Journalism Review (LJR) cobriu o evento e conversou com especialistas em áudio e gênero para analisar a importância de espaços como esse.
"Eventos nos quais as vozes de mulheres tomam a frente nos permitem dar visibilidade às nossas experiências e subjetividades, que historicamente foram desvalorizadas. Não significa que esses espaços nos dão voz, mas sim que eles permitem que nossas vozes sejam ouvidas por uma audiência maior", disse à LJR Abril Torres, linguista e professora de estudos de gênero mexicana.
Contribuímos com a nossa voz
Já foi dito que vivemos na era de ouro do áudio e dos podcasts. No momento, qualquer pessoa com acesso a um microfone pode gravar a si mesma e subir o áudio para várias plataformas de distribuição disponíveis na internet. De acordo com dados do Listen Notes, há mais de 3 milhões de podcasts no mundo e, dentre eles, 335.000 são em espanhol.
Apesar da oferta infindável, algumas das palestrantes do evento argumentam que essa ainda é uma indústria dominada por homens. Mas há visões conflitantes a respeito disso.
"Nós temos menos representatividade. É a mesma coisa nos podcasts e nos negócios. A sociedade patriarcal ensinou que devemos ser quietas, silenciosas, não fazer barulho. Oferecer a nossa voz, com uma mensagem e ousar dizer o que nós pensamos [de verdade] e sermos ouvidas é se expor a algo incomum e exige muita coragem porque não é assim que fomos criadas", disse a argentina Nayla Norryh, apresentadora do podcast Onda Ceo, com em empreendedorismo feminino, durante um dos painéis do evento.
Nem todas as mulheres no evento tinham a mesma opinião. No painel "Mulheres empreendedoras entram de cabeça nos podcasts", a apresentadora do podcast "Freelance Espabilismo", Marina Miller, abriu o debate dizendo que nunca sentiu ter menos oportunidades por ser mulher. "Talvez seja por causa da minha personalidade, mas nunca me senti diminuída por ser uma mulher nessa indústria", disse.
Uma das perspectivas do PodWoman é analisar a realidade dos podcasts com um olhar feminino e dar visibilidade e valorizar o trabalho de mulheres em todo o processo de produção de podcasts. Tanto é assim que o slogan do evento é "contribuímos com nossa voz".
Mulheres como um exemplo a ser seguido
"O podcast é muito mais democrático que outras mídias e isso permite um acesso massivo a todos e, especialmente, às mulheres", disse à LJR Lalo Recanatini, roteirista e especialista em podcast argentino com mais de 15 anos de experiência. "Eu acredito que o progresso generalizado, ainda que lento, dos direitos das mulheres na América Latina também teve uma influência."
Recanatini também aponta a participação de mulheres não só como produtoras, mas também como apresentadoras. Ele elogiou o trabalho de Carolina Guerrera (Radio Ambulante), Ana Ormaechea (Prisa), Javiera May Trejo (Las Raras), Martina Castro (Adonde Media) e Marina Hinojosa (Latino USA).
Durante o PodWoman, foi discutida também a importância de modelos de comportamento, para que outras mulheres se inspirem e criem seus próprios podcasts. "Dessa forma, algo que você achava não ser possível se torna uma possibilidade quando você vê que outra mulher conseguiu", disse durante o evento Tania Lasanta, pesquisadora e apresentadora do Luminicescia de Talento.
Torres concorda totalmente com esse ponto. "A representação de mulheres em espaços de comunicação é importante porque pode inspirar outras a explorarem novos caminhos em suas próprias áreas e problemas", disse a linguista.
A LJR conversou com Mariana Vaccaro, jornalista e editora do Podcasteros, uma comunidade de criadores e fãs de podcasts em espanhol. Vaccaro acredita que é muito importante que mulheres tenham exemplos para serem seguidos, especialmente em esferas de poder.
"Ouvir, ver, estar presente (ainda que virtualmente) e aprender sobre as experiências de mulheres de diferentes países, com sotaques diferentes, sempre acrescenta algo", disse Vaccaro. "Não é a mesma coisa começar um podcast sabendo que, antes, existe uma Martina Castro (vencedora do PodWoman 2022), por exemplo. Quando você vê mulheres no mesmo caminho que outras querem trilhar e elas são generosas compartilhando informação, ferramentas e detalhes de suas carreiras, isso ajuda muito. Em um sentido mais amplo, acho que o feminismo é sobre isso: ajudar umas às outras. Por isso é importante ter eventos como o PodWoman", disse a jornalista.
O PodWoman, desde sua primeira edição, premia uma mulher que se destacou no mundo dos podcasts no ano anterior ao evento. Desta vez a vencedora foi Martina Castro, fundadora, produtora de podcasts e CEO da Adonde Media.
"Queríamos recompensar a carreira impressionante de Martina Castro como uma pioneira nos podcasts em espanhol. E, especialmente, destacar o ano maravilhoso que sua empresa Adonde Media teve, nos presenteando com podcasts como "O verdadeiro roubo do século", "Uribe Encurralado" e "Os Últimos Dias de Maradona", produzidos em cinco versões diferentes para cinco países", disse a organização do evento em um release.
Castro deu uma master class durante o evento na qual falou sobre o valor de ter um ambiente de trabalho saudável e de contribuir com a comunidade quando há oportunidade. "Cá entre nós, as mulheres sabem o que significa ter que fazer o dobro de esforço. É isso o que eu admiro nessa comunidade e o fato de que esse espaço do PodWoman foi criado", disse Castro ao receber o prêmio.
Este artigo foi originalmente publicado pela LatAm Journalism Review e republicado aqui com permissão.