Para uma sala cheia de defensores de dados abertos, hackers civis, ativistas de ONGs e jornalistas, Felipe Heusser falou algumas verdades duras.
O movimento de dados abertos deve evitar uma positividade excessiva e adotar uma abordagem mais crítica, disse Heusser, fundador e executivo-chefe da Fundación Ciudadano Inteligente, uma ONG que utiliza a tecnologia para promover dados abertos e transparência no Chile e na América Latina.
Ele falou na AbreLatam em Montevidéu, uma recente desconferência sobre dados abertos da América Latina e Caribe. A Ciudadano Inteligente co-organizou a AbreLatam com a plataforma DataUy. Após o evento, Heusser conversou com a IJNet sobre dados abertos.
IJNet: Como a Ciudadano Inteligente foi criada?
FH: Começamos a Fundación Ciudadano Inteligente do ponto de vista dos direitos do cidadão, a partir de uma perspectiva de política pública. Naquela época, o Chile não tinha uma lei de informação pública. A pergunta era: Como a sociedade civil pode ajudar a denunciara corrupção e promover uma agenda de transparência?
Primeiro, a Ciudadano Inteligente estava muito focada nas políticas públicas e na transparência.... Em 2008, após a eleição presidencial dos Estados Unidos, ficou claro que a tecnologia era um instrumento de transformação política. A Ciudadano Inteligente foi inspirada por alguns inovadores na Europa e no Reino Unido, incluindo My Society e seu projeto "What do they Know" como modelo.
E começamos a incorporar o desenvolvimento da tecnologia como uma ferramenta para a ação. Essa foi a nossa mais-valia em relação a outras organizações da sociedade civil que trabalhavam com transparência.
O nosso primeiro site foi lançado em 2009, com a eleição presidencial do Chile em mente. ... Desde então, desenvolvemos 14 plataformas da Web. Há plataformas que são direcionadas diretamente para notificação de casos potenciais de corrupção. ... [Outras] especializam-se em solicitar o acesso à informação pública. Há também plataformas de dados.
Nós também encorajamos o desenvolvimento de uma comunidade através da criação de Desarrollando América Latina.... e Desarrollando El Caribe. Nós construímos comunidades em ambas as regiões agora. ...São basicamente hackatonas, mas não terminam com o hacking. Nós trabalhamos com a comunidade muito antes, com os dados e os governos, tentando identificar os problemas que queremos resolver...
A ideia também é expandir essa comunidade não só para hackers, mas também jornalistas, o governo, as pessoas que podem estar ligadas a dados abertas sem necessariamente ser hackers.
IJNet: Em sua palestra, você falou sobre o "efeito Disney" no movimento de dados abertos. Pode explicar isso?
FH: A ideia principal é discutir e planejar a implementação de uma política de dados abertos, tendo uma abordagem crítica. Eu acho que a abordagem crítica requer uma perspectiva política... compreender que, assim como existem incentivos políticos em jogo para mais transparência e responsabilidade, há também outros incentivos que podem operar no sentido oposto, promovendo a opacidade em vez de transparência.
A mensagem ainda é positiva. Mas o que queremos dizer é: vamos seguir em frente, mas não no mundo ideal onde todos dão as mãos e cantam as músicas de dados abertos. Devemos fazê-lo adotando uma abordagem crítica, sabendo o que há desafios pela frente e quais são incentivos em jogo.
IJNet: Você mencionou em sua apresentação que a divulgação de informações é impulsionada pela vontade política e acrescentou que mais conjuntos de dados são liberados em certas áreas do que outras. Pode falar sobre isso?
FH: Analisei a quantidade de dados liberados em todo o mundo... o que se vê é que, além de dados de transporte, há muito pouco conjuntos de dados. ...Parece que é mais fácil produzir e divulgar dados de transporte do que dados ambientais, de segurança, de educação ou de saúde.
Então, se tudo está tão ótimo, por que lutamos para fornecer informações úteis? Se perguntarmos por que, começamos a identificar os incentivos, tanto para publicar como para restringir informações. Essa é a abordagem que precisamos adotar.
Maite Fernández é editora-chefe da IJNet. Ela é bilíngue em inglês e espanhol e mestre em jornalismo multimídia pela Universidade de Maryland.
Imagem do vídeo institucional do Ciudadano Inteligente