Minimanual para melhorar a cobertura de temas indígenas

Oct 9, 2023 em Diversidade e Inclusão
Manifestação indígena

A cobertura de temas indígenas precisa propagar um entendimento sem estereótipos dos povos originários e que respeite a diversidade de nações, culturas e conhecimentos. A partir das recomendações dos profissionais de comunicação indígenas Ingrid Sateré- Mawé, Raquel Kariri, Tarisson Nawa e Yago Kaingang, no curso gratuito "Jornalismo indígena para jornalistas não indígenas" é que foi desenvolvido o minimanual  “Como cobrir temas indígenas ”, dirigido a profissionais da imprensa.

O curso e o minimanual foram organizados e produzidos por Eliege Fante e Débora Gallas -jornalistas e pesquisadoras do Grupo de Pesquisa em Jornalismo Ambiental da UFRGS - e realizados pelo Núcleo de Ecojornalistas do RS com o apoio da Fundação Luterana de Diaconia.

Letramento racial

Para Avelin Kambiwá , da etnia Kambiwá, do Território Baixa Alexandra (Pernambuco), especialista em Gestão de Políticas Públicas em Gênero e Raça, a abordagem do jornalismo em relação as questões indígenas é limitada e oriunda de um baixo letramento racial da sociedade, preso a estereótipos e tokens. “Quando está preso a estereótipos são aqueles do indígena incapaz, selvagem e preguiçoso. Quando está preso a token se fecha em símbolos do movimento indígena hegemônico e esquece que nem todas as mulheres e homens indígenas são como aqueles que estão em evidência e que nem todas as crianças indígenas têm o mesmo fenótipo, aparência ou costumes”. Ela acrescenta: “Para sair desse lugar é necessário passar por um letramento racial. Ouvir a diversidade de povos. Não existe, infelizmente no Brasil, dentro da própria formação do jornalismo, uma matéria que fale das temáticas dos povos indígenas. Eu acredito que deva começar a partir da universidade as mudanças.”

O manual adverte sobre a importância de jornalistas começarem a apuração pelas lideranças indígenas, respeitando a autonomia e conhecimento dos povos. Órgãos administrativos, como a FUNAI, não devem excluir o diálogo com os indígenas pertencentes a nação em pauta. Ao chamar um especialista para a matéria, como antropólogos e ambientalistas, que se priorize os que são do povo entrevistado.

Eliminação de termos pejorativos

Perguntas genéricas do tipo “qual a visão dos indígenas sobre determinado assunto”, devem ser evitadas. Cada povo fala a partir da sua vivência. Outro aspecto é a eliminação de termos pejorativos, como “índio” - utilizado quando os portugueses pensaram ter chegado à Índia- “tribo” ou “reserva”, que remetem a ideia colonizadora de que indígenas são primitivos. Deve-se usar: “indígena”, que significa “originário da terra”; “aldeia”, “povo”, “comunidade” e “território”, segundo a preferência local.

“Que a gente refloreste mentes e entenda quem são os povos indígenas e faça essa descolonização. Nós entendemos que o processo de colonização foi muito forte, mas a todo momento estamos falando como queremos ser chamados. Que toda a sociedade possa nos escutar, não só com os ouvidos, mas com o coração”, afirma Ingrid Sateré-Mawé, do Povo Sateré-Mawé (Amazonas), professora e integrante da ANMIGA (Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade).

“Quando o jornalismo não respeita a autonomia dos povos indígenas e sequer pergunta como gostariam de ser mencionados, contribui ainda mais para sua invisibilidade e para o estigma em relação a essas pessoas, que são frequentemente vistas de forma violenta como ‘cidadãos de segunda classe’ ou ‘selvagens que devem se integrar à sociedade”, diz Débora Gallas.

As pautas que merecem destaque

“A gente sempre vê nós, povos indígenas, representados na mídia noticiosa a partir de um viés negativo: a violência, o garimpo, o desmatamento, a crise Yanomami, os assassinatos, mas vê muito pouco dos grandes conglomerados de comunicação em lidar com os povos indígenas do ponto de vista positivo”, diz o jornalista e Doutorando em Antropologia Social Tarisson Nawa, indígena Nawa da Aldeia Novo Recreio (Acre). Ele diz que tudo é uma questão do enquadramento da notícia e dá o exemplo da Rede de Jovens Comunicadores da COIAB - Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira. “Pessoas que fazem a diferença sendo indígenas e que trazem o seu ponto de vista”. 

As retomadas e a demarcação dos territórios indígenas são alguns dos assuntos tratados no manual que precisam de maior cobertura. “Nós precisamos de urgente proteção e demarcação de territórios e maior infraestrutura de saúde e educação para que a migração, que faz com que as pessoas indígenas cheguem até a cidade sem nenhuma proteção e direito, seja contida. E geração de emprego e renda dentro dos territórios demarcados,” explica Avelin Kambiwá.

Para Eliege Fante é preciso muita atenção na abordagem. “Estamos buscando esclarecer a toda a sociedade sobre os malefícios da falaciosa tese do marco temporal, já que os seus direitos são originários, o que faz dessa falsa tese aprovada pelo Congresso Nacional uma afronta à Constituição Federal de 1988". Ela também exemplifica a distorção que ocorre quando os saberes tradicionais e originários são apresentados como mágicos ou fantasiosos. "Sem o merecido respeito diante de uma cosmovisão distinta da não indígena. Suas receitas, por exemplo, as que derivam de seus saberes sobre os usos das plantas merecem a nossa atenção e, o mais importante, nossa compreensão sobre os reais efeitos e finalidades das práticas.”

Recomendações úteis

Para jornalistas:

•Estudar as especificidades dos povos antes de ir a campo.

•Dialogar diretamente com as lideranças e organizações.

•Pedir permissão antes de realizar qualquer registro, pois há rituais que não podem ser gravados ou transmitidos.

•Garantir a tradução correta das falas para o português.

Para veículos:

•Abrir espaço para temas e perspectivas indígenas.

•Incentivar a formação da equipe para garantir procedimentos respeitosos e precisos em pautas sobre temas indígenas.

•Investir na contratação de profissionais indígenas.


Foto: Isaka Huni Kuī, Jovem Comunicador Indígena da COIAB.