A possibilidade de uma cobertura jornalística para além da questão do desmatamento na região amazônica foi debatida em um webinar do Fórum Pamela Howard para a Cobertura de Crises Globais, do ICFJ. Sabe-se que o tema da conservação ambiental é de extrema relevância, mas também é necessário abordar, a partir da perspectiva local, diversos outros assuntos que podem ajudar a compreender melhor toda a rica complexidade do território. O vídeo do webinar você vê aqui e na sequência os principais pontos abordados pelos participantes.
Participaram da conversa Ayla Tapajós, jornalista, mestranda em Direitos Humanos pela Universidade de Brasília e diretora de comunicação da Associação de Mulheres Indígenas Suraras do Tapajós; Caroline Rocha, gerente de Clima da ong WRI Brasil e co-fundadora da Rede Amazônicas pelo Clima (RAC); e Daniel Nardin, jornalista, mestre em comunicação e coordenador geral do Amazônia Vox, banco de fontes e rede de freelancers da Amazônia.
Tapajós dividiu sua experiência como jornalista oriunda do povo indígena tapajós e o desafio de ocupar espaços. “Sempre precisamos fazer mais para conseguir estar em lugares como grandes jornais ou veículos nacionais. Especialmente quando você é jornalista e indígena", diz ela. "O meu corpo-território carrega essa identidade, pelo meu sotaque, meu modo de vestir, as comidas que eu gosto, tudo isso está ligado ao meu fazer comunicacional, e com as minhas potencialidades, como me leem, é um processo que segue”.
Jornalistas amazônidas
Uma importante questão levantada foi sobre as muitas coberturas da região amazônica feitas por jornalistas de fora do território. Para Daniel Nardin, é importante também dar espaço para o profissional amazônida. “Tem uma questão que talvez afaste as pessoas do jornalismo tradicional, que é não focar na história por trás da notícia", alerta Nardin. "E é aí que o jornalista que conhece a região pode entrar, ouvir a história dos povos tradicionais e das pessoas daqui. Isso acaba por quebrar o estereótipo que se tem da Amazônia quando se pega uma única visão normalmente feita por pessoas de fora".
Nardin é um dos criadores do Amazônia Vox, um banco de fontes para jornalistas, veículos de imprensa e assessorias de instituições. E também um hub de freelancers na região. “Ao invés de gerar um custo maior de deslocamento, a empresa também estará gerando renda para o território. É importante contratar alguém daqui. Ele vai dar muita qualidade e oportunidades de pautas que quem não é daqui não percebe”, aponta.
Tapajós diz que ainda há um problema de ‘epistemologia colonial’ que nunca foi superado. “Há essa ideia de que somos essas pessoas que não merecemos ocupar o lugar de destaque, temos que permanecer em nosso território para ser um objeto de estudo apenas", diz ela. "Para que a gente saia da narrativa negativa sobre a Amazônia deve-se retornar a esse lugar, trabalhar com pessoas de diferentes locais da região, porque a Amazônia é diversa também”.
Estudo e fontes locais
A Nova Economia da Amazônia é uma pesquisa desenvolvida pelo WRI Brasil em parceria com 76 especialistas de instituições científicas de diversas regiões do país. Caroline Rocha diz que o estudo mostra a possibilidade de uma nova visão para desenvolver a região, que por muito tempo foi calcada em uma economia de desmatamento. “Isso não deu certo. Hoje nós só temos a floresta pela resiliência dos povos que a habitam, ela foi sustentada pelo modo de vida dos povos originários e das comunidades tradicionais", explica Rocha. "E o que o estudo diz é que se deve priorizar a economia da sociobiodiversidade, que valoriza o modo em que as coisas são produzidas e não o produto em si".
Rocha diz que foi uma preocupação do estudo trazer também pesquisadores indígenas. “É preciso trazer indígenas e amazônidas para os desenhos das pesquisas e das políticas públicas, para a mesa de tomada de decisões. Já vivemos no passado processos de desenvolvimentos que foram importados e não funcionaram, porque não ouviram o conhecimento local”, diz.
Universidades do Norte
Ayla diz que um dos pontos que a inquieta é a questão de fontes e a possibilidade de criação de narrativas. “Muitas vezes são ouvidos apenas pesquisadores e fontes de universidades reconhecidas fora da região amazônica, e esquecem os espaços de conhecimento das universidades do Norte como se não fossem suficientemente boas. Ou como se não tivessem pessoas qualificadas”.
Rocha lembra que há uma pluralidade gigante na Amazônia. “Outras pessoas que não são da Amazônia tem um papel muito importante em sua preservação, mas a gente precisa deixar muito claro que existe um local de fala dentro das áreas de conhecimento que precisa ser dos amazônidas. Precisamos estar nas discussões do clima, na ONU, etc", considera Rocha. "Não é só falar sobre as questões da Amazônia, mas também falar sobre as questões do mundo, porque temos muito a contribuir. E sermos colocados em uma caixinha de falar só sobre a Amazônia é limitante para todos nós”, conclui.
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