Mensagem de Lisboa: um fenômeno de audiência do jornalismo local

por Thayane Guimarães
Oct 26, 2022 em Jornalismo digital
Logo da marca e cidade de Lisboa ao fundo

"Mensagem é sobre Lisboa, de Lisboa e para Lisboa", assim começa a apresentação do veículo no seu website. Com o viés de jornalismo comunitário, ele surgiu para contar histórias, conectar pessoas, suprir vazios de informação sobre determinados temas e pessoas e, sobretudo, para tornar Lisboa uma cidade melhor. 

Embora tenha pouco tempo de vida (desde 2020, no meio da pandemia), o veículo já está consolidado e com clareza da própria missão: contar histórias locais de uma forma mais atraente e próxima da audiência, diferente do formato breaking news da imprensa tradicional. Com o tempo, o desafio é garantir a sustentabilidade e o constante crescimento da audiência sem precisar, para isso, deixar de lado sua missão. 

"Somos um projeto de nicho e é muito difícil manter a qualidade do jornalismo que queremos, não fazer o breaking news, investir em matérias mais longas e profundas no jornalismo de soluções e, ao mesmo tempo, buscar soluções para aumentar nossa audiência. Esse era nosso desafio durante a aceleradora". - Nuno Gomes, jornalista e social media do Mensagem de Lisboa. 

O Mensagem participou do programa Portugal Audience Retention Accelerator 2021, parceria do ICFJ com o Meta Journalism Project. O foco foi desenvolver um projeto voltado às redes sociais. Com a mentoria de Guilherme Ravache, o jornal digital mudou a sua forma de lidar com a internet e a própria compreensão da equipe de quais eram os tópicos e histórias que mereciam a atenção da redação.  

"Nós não fazemos breaking news, mas começamos a prestar mais atenção ao que estava acontecendo diariamente na cidade para cobrir esses episódios de uma forma diferente do que geralmente é feito por outros jornais", diz Gomes."Tivemos que nos tornar mais rápidos para servir melhor a nossa audiência e também começamos a produzir muitos vídeos, que são uma ótima forma para engajar e aumentar nossa audiência nas redes sociais."

Reportagens consistentes

Uma das novas estratégias da Mensagem de Lisboa para se adaptar ao tempo mais rápido das redes sociais e para participar da conversa com as audiências foi começar a desenvolver reportagens aprofundadas sobre temas que estavam sendo discutidos naquele momento pela população de Lisboa. Como a questão do transporte sustentável, urbanismo e moradia. Essas histórias não iam ao ar 5 minutos depois e de forma rasa, mas algumas horas após o fato, com entrevistas atraentes e conteúdos audiovisuais diversos.

Uma segunda virada de chave para o Mensagem foi passar a utilizar as redes sociais não apenas como um canal para o leitor chegar ao website da organização, mas como a ferramenta por meio da qual o leitor poderia ter acesso a toda a história narrada. 

"Eu entendia as redes sociais como a maioria das pessoas entendem: marketing. O que modificou é que passamos a entender as nossas redes como ferramentas narrativas. Isso mudou absolutamente tudo, diz Catarina Carvalho, uma das fundadoras. 

O fato do veículo não depender da receita de anúncios no website, como grandes empresas de comunicação ainda o fazem, faz com que o Mensagem de Lisboa seja mais livre para estar onde a sua audiência esteja. Toda a equipe e colaboradores passaram a compreender melhor as redes sociais do veículo. Agora, a equipe utiliza o espaço das redes sociais para distribuir as reportagens de forma completa e em diferentes formatos. Isso porque entendem que a audiência, muitas vezes, quer consumir todo o conteúdo pelas redes, sem precisar migrar para o site principal do veículo.

Crescimento no Instagram 

"Começamos a postar no Instagram todas as histórias e narrativas que filmamos, fotografamos e escrevemos e deixamos as pessoas terem contato com essas histórias pela própria rede social, sem precisarem migrar para o site", enfatiza Carvalho. "Nós só precisamos que a audiência esteja conosco, independente de onde isso seja."

O resultado foi imediato. Em apenas 3 meses de mentoria e experimentação dessas novas estratégias e formatos para distribuição dos conteúdos, a equipe do Mensagem aumentou em 215% o número de seguidores da página no Instagram e duplicou o número de visualizações e engajamento com as postagens. 

 

Parceria com jornal brasileiro 

A equipe também realiza constantes encontros online e offline com seus leitores. Mas os editores afirmam que embora eles mantenham a relação com sua audiência em encontros periódicos em um café na cidade, o primeiro contato dos leitores com a iniciativa é sempre por intermédio do digital.

A expansão de fronteiras possibilitada pelo digital não pára por aí. Em 2021, o Mensagem iniciou uma parceria com o jornal Folha de São Paulo, que republica as reportagens em uma página dedicada aos países onde se fala português. O primeiro artigo do Mensagem foi o mais lido de toda Folha na manhã de estreia. "São Paulo é uma cidade completamente diferente mas se chegarmos a uma solução para as pessoas em situação de rua em Lisboa, talvez essa mesma solução possa ser aplicada em outras cidades e países", explica Carvalho. "Esse tipo de troca de experiências é o que busca o jornalismo de soluções que praticamos, o jornalismo construtivo." 

Ela avalia que mesmo veículos locais podem ter uma audiência global e crescente: "Podemos ser locais, mas ainda assim universais. Porque os temas e as questões que estamos trazendo são completamente transversais ao mundo. A parceria que temos com a Folha de São Paulo, por exemplo, mostra isso".

Estratégias 

Para jornalistas que, assim como a equipe do Mensagem, estão se aventurando em projetos de jornalismo comunitário, Gomes dá a dica de que o primeiro passo é descobrir um vazio de narrativas sobre algum tema específico, uma parte da cidade ou uma parcela da população. A partir daí, experimentar novas formas de produzir essas histórias que sejam diferentes daquelas que já estamos acostumados a ver na imprensa tradicional.

O jornalismo local permite uma aproximação do leitor com as histórias e os jornalistas, por meio de uma narrativa mais informal e próxima de suas realidades. "Tudo começa a partir da comunidade, com a comunidade e para a comunidade. Quando você começa a falar sobre necessidades que às vezes as pessoas nem sabiam que existam, cria-se uma demanda local por esse tipo de informação", complementa Carvalho. 


Imagem: reprodução Mensagem de Lisboa no Facebook