No panorama geral dos meios portugueses em relação às suas estratégias digitais existe alguma timidez em usar as redes sociais como um termômetro do que acontece e uma forma de perceber o que os internautas desejam. Aliado a isso, algum déficit tecnológico faz com que qualquer estratégia digital fique, inúmeras vezes, aquém do potencial de cada meio e que essa relação direta com a audiência se perca ou seja feita esporadicamente. Leia a seguir sobre o caminho tecnológico de dois veículos portugueses.
Sobre o Expresso
O jornal Expresso é o semanário de maior prestígio de Portugal, fundado em 1973. Sua edição sai todos os sábados - com a exceção de alguns meses durante a Pandemia onde saiu à sexta-feira, pelas restrições de circulação. Além da periodicidade, a reputação e confiança da audiência também são uma parte fundamental da marca Expresso, tendo 87 mil exemplares distribuídos por semana para uma audiência de, em média, 585 mil leitores.
O veículo não possuía uma estratégia consolidada para redes sociais e estas eram compreendidas apenas como pontes para direcionar o usuário para o website. Reuniões entre a equipe editorial e a equipe responsável pelas redes sociais não eram frequentes, assim como não era uma prática do jornal consolidar dados sobre suas audiências antes da tomada de decisões. Nem mesmo tinha-se a prática da segmentação de conteúdos em diferentes plataformas e de acordo com a audiência de cada uma delas.
Ataque cibernético
Em 2 de janeiro de 2022, na iminência da disputa eleitoral para a Assembleia da República de Portugal, o website e as redes sociais do Expresso foram alvo de um ataque cibernético. Por algumas semanas o veículo precisou direcionar a divulgação das notícias inteiramente para as redes sociais, com foco no Facebook e Instagram.
O problema, felizmente, coincidiu com a participação do Expresso no programa de aceleração promovido pelo ICFJ em parceria com o Meta Journalism Project. Ao longo dos meses de fevereiro a junho de 2022, o jornal recebeu mentoria de Nuno Vargas, um expert em jornalismo e produto digital, para aumentar a audiência a partir de uma nova estratégia digital. O Expresso conseguiu diversificar e segmentar o material postado nas redes, criar categorias de conteúdo e desenvolver novos produtos focados unicamente no digital - algo até então difícil de imaginar dentro do veículo.
“As pessoas aqui não estavam tão cientes da importância das redes sociais antes do ataque hacker. Quando ele aconteceu, nosso site ficou offline e as redes sociais eram tudo o que tínhamos para nos comunicar com nosso público. Tivemos que usá-las de uma forma completamente diferente e pessoas de diferentes áreas dentro da empresa começaram a entender a importância do digital.” - Pedro Miguel Coelho, social media no Expresso
A grande demanda por notícias sobre as eleições também impulsionou o Expresso a desenvolver uma estratégia forte de interação com leitores: a redação publicou, por exemplo, conteúdos em respostas às perguntas dos cidadãos e avaliações dos leitores sobre os debates eleitorais, além de guias úteis com explicações passo-a-passo sobre o cronograma do governo pós-eleições, orçamento e outros temas relacionados.
"Primeiro, começamos a adaptar o conteúdo para diferentes plataformas, o que não fazíamos antes. O título da notícia não pode ser o mesmo para Instagram, Twitter e Linkedin, por exemplo. No Facebook temos nossos pais e no Twitter temos nossas irmãs e irmãos mais novos. Então, se os leitores não são os mesmos, o formato e o conteúdo não podem ser os mesmos, como fazíamos antes das mudanças." - Pedro Miguel Coelho, social media no Expresso
Resultados nas redes sociais do Expresso
O Expresso teve um resultado impressionante nas redes sociais para os padrões de Portugal: a conta do semanário no Instagram teve um crescimento de 89,3 mil seguidores em apenas 4 meses de desenvolvimento do projeto e acompanhamento da mentoria. O perfil no Twitter ganhou 42,5 mil seguidores e o Linkedin, 37,7 mil. O perfil no Facebook foi o que teve o crescimento mais modesto e, ainda assim, de 16,2 mil novos seguidores na página.
Diversos veículos - não apenas em Portugal - ainda encontram dificuldades para integrar os processos editoriais e o pensamento estratégico de redes. Muitas vezes, percebe-se que existe um entendimento equivocado de que priorizar a visibilidade de determinadas reportagens com base em pesquisa de interesses da audiência seria "vender" a prática jornalística. Mas ao contrário disso, compreender que as audiências estão nas redes e demandam formatos e conteúdos variados, vai justamente de encontro ao nosso maior objetivo enquanto jornalistas e organizações de mídia: ampliar o alcance das boas investigações e narrativas.
Sobre o SAPO24
Como braço jornalístico da empresa SAPO (o maior agregador de informações de Portugal), a SAPO24 já nasceu digital e tendo no nome um serviço de internet conhecido por praticamente toda a população do país. No entanto, não basta ser digital para tirar todo o proveito do que o digital tem a oferecer.
"Para veículos de mídia como o SAPO24, mesmo sendo nativos digitais, temos um problema que é entender como o ecossistema funciona para que possamos ser relevantes e até mesmo mais atraentes. Porque a sensação que tenho é de que para estar nessas grandes redes sociais e grandes plataformas, temos que entender as regras, para que não estejamos tentando servir carne em um restaurante vegetariano. Você tem que aparecer no cardápio, e quando isso acontece, o que você está servindo? Você está servindo da maneira mais eficiente?" - Inês Alves, Editora Executiva da MadreMedia, organização responsável por gerir o veículo Sapo24.
Resultados e novos desafios
Durante o projeto de aceleração digital, a SAPO24 teve dois objetivos: aumentar as métricas de audiência no site e definir uma estratégia de lançamento de novos produtos (um novo site e uma newsletter). Eles tiveram um aumento de 200 mil usuários e 284 novos assinantes da newsletter. Esta experiência fez a SAPO24 rever todos novos projetos, como eles são construídos e a estratégia de marketing para o lançamento de cada um deles. "Às vezes estamos tão ocupados trabalhando e produzindo que não paramos tempo suficiente para pensar na estratégia", diz Alves.
Alguns desafios fizeram parte da trajetória da SAPO24: a) estabelecer prioridades (o que, quase sempre, significa fazer menos e melhor), b) definir metas e um cronograma realista e c) perguntar-se constantemente 'por que você está fazendo isso?', 'o que você quer alcançar?', 'isso vai te levar até lá?'. Para cada etapa foi essencial ter toda a equipe a bordo – diretores, jornalistas, produtores de conteúdo, gerentes de mídia social e departamento comercial.
Foto: montagem a partir da marca das empresas