Medidas de segurança para entrevistas com fontes potencialmente perigosas

Jun 19, 2025 em Segurança Digital e Física
A potential criminal

Um jornalista é morto a cada quatro dias por causa de seu trabalho, e 85% dessas mortes ficam impunes, de acordo com a UNESCO. Dos jornalistas mortos desde 1992, 35% cobriam crime e corrupção, o que destaca a necessidade urgente de mais orientações sobre como cobrir esses assuntos com segurança.

Para ajudar jornalistas a se protegerem, eu conversei com Frank Smyth, fundador e CEO da Global Journalist Security, e Beauregard Tromp, repórter investigativo e organizador da African Investigative Journalism Conference, que deram conselhos sobre como entrevistar com segurança fontes potencialmente perigosas.

Confira o que eles disseram: 

(1) Faça uma avaliação de riscos

Realizar uma avaliação de riscos antes de uma entrevista e analisá-la regularmente durante o processo de reportagem te permite identificar ameaças e implementar estratégias efetivas de mitigação.

O risco da cobertura sobre crime organizado e corrupção varia conforme a região. "No Leste Europeu, você pode se aproximar de criminosos, mas deve evitar insultá-los ou escrever sobre a família deles. Na América Latina, cobrir crimes pode gerar danos graves ou morte, mesmo se você for respeitoso", diz Smyth. Como parte da análise de risco, ele recomenda identificar e ranquear fontes em potencial com base no nível de risco trazido por elas. "Comece entrevistando aquelas em quem você mais confia, como ativistas de direitos humanos, e finalize com aquelas em quem você menos confia, como políticos corruptos."

Comitê de Proteção aos Jornalistas tem um modelo gratuito para avaliações de risco.

(2) Aborde a fonte somente se for seguro

Algumas pessoas podem ser muito perigosas para fazer uma aproximação, diz Smyth. "Em alguns casos, é recomendável entrar em contato com o advogado delas ou um representante que tenha autoridade sobre elas. O representante deve entender que a pauta já está planejada e que se a fonte optar por não dar entrevista, isso será mencionado."

Se você determinar que é seguro entrar em contato com a fonte, faça-o com a ajuda de um colega experiente e evite usar email, número de telefone ou conta de rede social pessoais, aconselha Tromp. "Em vez disso, use canais de comunicação fornecidos pelo seu empregador e limite a visibilidade das suas postagens nas redes sociais a contatos próximos."

Leia sobre o histórico criminal do seu entrevistado, afiliações, padrões comportamentais e interações anteriores com profissionais de imprensa para ter uma ideia de como fazer uma abordagem segura. 

Jornalistas também devem se familiarizar com as normas culturais da fonte. "Por exemplo, roupas justas podem ser consideradas inapropriadas em culturas em que mulheres usam hijabs", diz Smyth.

(3) Escolha um local seguro e neutro para a entrevista

Em 23 de janeiro de 2002, o repórter do Wall Street Journal Daniel Pearl foi sequestrado e morto no Paquistão depois de ser atraído para um carro que ele pensou que o levaria para uma entrevista com um líder islâmico recluso. A tragédia é um lembrete de como é fundamental adotar precauções para garantir sua segurança na hora de se encontrar com fontes.

"Ao entrevistar fontes hostis, leve pelo menos duas pessoas junto: um jornalista e um motorista. Você pode apresentar um colega, como um cinegrafista, para o entrevistado, mas evite mencionar quem estiver viajando você", diz Smyth. "Se encontrar pessoalmente for muito arriscado, considere fazer a entrevista por telefone, chamada de vídeo, email ou correspondência escrita."

Jornalistas devem se encontrar com fontes em locais públicos, como cafeterias, parques ou clubes, e identificar três rotas de saída. Tenha uma visão clara da entrada e evite ter pessoas sentadas atrás de você, aconselha Tromp. 

Ele também encoraja os repórteres a usarem transporte público no deslocamento para entrevistas e evitarem ir direto para casa depois. "Em vez disso, passe um tempo em lugares seguros, como um shopping. Usar escadas em vez de elevadores pode te ajudar a avaliar melhor se você está sendo seguido. Se suspeitar que está sendo vigiado, saia rapidamente pela escada."

(4) Tome medidas de segurança

Embora haja a tentação de assumir riscos por um grande furo, sempre priorize a segurança.

"Você pode arrumar um rastreador e escondê-lo em um local difícil de encontrar, como dentro do botão de metal da sua calça jeans. Você também pode colocá-lo no seu carro; no entanto, se for raptado, o rastreador vai ficar para trás", diz Smyth. "Outra opção é ter um colega ou um segurança te monitorando, mas os sequestradores podem frustrar os esforços deles de te seguir."

Em vez de ir a uma delegacia de polícia potencialmente corrupta para pedir proteção, jornalistas devem falar com um policial em quem eles já confiam. Ligações telefônicas regulares para um contato confiável podem aumentar a segurança; se um repórter deixar de fazer uma dessas ligações, pode-se iniciar uma busca. Treinamento em ambientes hostis e primeiros-socorros pode ajudar jornalistas a se protegerem de ameaças em potencial, como raptos ou ataques armados.

Para assegurar que suas conversas são protegidas e não podem ser acessadas por terceiros, Smyth recomenda usar aplicativos criptografados. "O Signal e o WhatsApp oferecem criptografia de ponta a ponta, mas se o seu celular já tiver sido afetado por um software espião, como o Pegasus, terceiros vão poder acessar suas conversas. Para proteger conversas por email, ambas as partes podem usar o Proton Mail, que permite aos usuários se registrarem sem informar endereço de email, número de telefone ou nome real. Para maior privacidade, use uma VPN de confiança."

(5) Elabore as perguntas cuidadosamente e pratique como irá fazê-las

Em muitas jurisdições, qualquer pessoa acusada de um crime é considerada inocente até que se prove o contrário. Isso deve orientar a abordagem da sua entrevista.

"Evite um tom de confronto", aconselha Tromp. "Em vez de perguntar 'você matou essas pessoas?', você pode dizer 'há alegações do seu envolvimento nos assassinatos; o que você tem a dizer sobre isso?'. Não mergulhe direto nas perguntas sobre o crime. Comece com questões mais leves e fáceis e, então, gradualmente, vá em direção às questões centrais."

Se estiver entrevistando um líder rebelde, uma pergunta mais leve para começar a entrevista poderia ser "pode me falar sobre sua experiência e o que te motivou a se unir ao movimento?".

Se as suas perguntas contrariarem a fonte e ela começar a fazer com que você se sinta ameaçado, desculpe-se, encerre a entrevista e dê a ela um senso de controle permitindo-a fazer comentários finais, diz Smyth.

(6) Seja profissional e transparente

Pode ser difícil para um entrevistado confiar em você se você for anônimo ou mentir.

"Dê seu nome real, o local para onde você trabalha e uma ideia geral sobre do que se trata a matéria", diz Tromp. "Se, antes da entrevista, a fonte pedir as perguntas, evite enviar exatamente as questões. No lugar disso, compartilhe uma visão geral dos temas que você pretende explorar."

Em alguns casos, pode ser necessário recorrer a um disfarce se esta for a única forma de conseguir a matéria e se for algo de interesse público, explica Smyth. "A reportagem à paisana pode ser perigosa e não deve ocorrer de forma irrefletida. Em junho de 2002, o jornalista investigativo Tim Lopes foi brutalmente assassinado por traficantes depois de descobrirem que ele usava uma câmara escondida." 

Além disso, lembre que pseudônimos não garantem anonimato, alerta Smyth. "Em 24 de setembro de 2011, o corpo da jornalista Maria Elizabeth Macías, que escrevia sob o pseudônimo La Niña de Nuevo Laredofoi encontrado decapitado com um bilhete que mencionava o site para o qual ela escrevia e seu pseudônimo. Não se sabe como os assassinos descobriram a identidade dela."

(7) Seja ético

Ao longo da entrevista, a fonte pode falar bem de si mesma, e talvez você tenha vieses favoráveis ou contrários a ela que podem influenciar a forma como você faz a matéria.

Jornalistas devem apresentar os fatos sem preconceitos, aconselha Tromp. "Divulgue as declarações do entrevistado juntamente com informações de fontes confiáveis, como autoridades policiais."


Foto por Donald Tong via Pexels.