Lições da Rússia: Como notícias falsas e desinformação distraem jornalistas

por John Kluver
Oct 30, 2018 em Combate à desinformação
TV

Seja qual for o país, os jornalistas independentes enfrentam constantemente o desafio de lidar com oficiais escorregadios que encobrem políticas e "manipulam" ações polêmicas do governo.

Em meus 25 anos trabalhando como jornalista em países como a Rússia e o Cazaquistão, um dos desafios que observei é que em muitos casos, o problema não é que os oficiais do governo estão dispostos a falar falsidades flagrantes -- eles não precisam -- porque alguns meios de comunicação já as fazem por eles.

Como vi na Rússia e anteriormente na URSS, há uma prática bem conhecida das elites de "enviar um alerta" aos jornalistas sobre como devem reportar uma notícia. Nunca é uma ordem explícita, mas a mídia estatal segue a linha obedientemente.

Alguns dos relatos mais falsos sobre a crise da Criméia de 2014, por exemplo, não vieram de funcionários do governo, mas de estações de TV estatais russas, NTV e Life News. Como foi amplamente documentada, a crise de 2014 na Ucrânia viu os meios de comunicação social apoiados pelo Kremlin produzir uma onda de desinformação e histórias falsas. Esta era uma política de distração, uma tentativa de confundir as pessoas sobre o que realmente estava acontecendo.

Lidando com essa barragem de notícias falsas, jornalistas independentes enfrentam a tarefa assustadora e demorada de constantemente desmascarar e verificar relatos falsos. A verificação de fatos é certamente de interesse público, mas quando uma organização de mídia independente tem que dedicar a maioria de seus recursos a explicar por que certos relatos ou declarações não são verdadeiros, isso desvia tempo e energia que poderiam ser usados para reportagens originais.

Eis um exemplo: uma correspondente da BBC gravou repórteres de uma emissora de TV russa, admitindo que foram forçados a divulgar falsamente que uma menina de 10 anos morreu em um bombardeio.

Que grande história! Que matéria incrível! Lembro-me de ver esta reportagem pela primeira vez e quase chorando, fiquei tão chocado. Mas esta repórter e sua equipe tiveram que usar seu tempo e recursos para corrigir o registro de algo que nunca deveria ter sido uma notícia em primeiro lugar. A repórter teve que arriscar sua vida, e a vida de sua equipe, para expor notícias falsas.

Aqui está outro caso: Pervyi Kanal, uma das emissoras de notícias mais importantes e assistidas na Rússia, transmitiu uma matéria sobre uma criança sendo crucificada por um soldado ucraniano. Quando o jornal independente Novaya Gazeta despachou um repórter para verificar a história, o repórter não encontrou nenhuma evidência para apoiá-la.

Mais uma vez, o repórter da Novaya Gazeta teve que gastar tempo e recursos, e arriscar sua vida em uma zona de guerra muito perigosa, para refutar uma notícia falsa. A Novaya Gazeta é um jornal de pequena circulação com um pequeno orçamento em comparação com as bem financiadas emissoras de TV estatais. Apesar desta notícia da crucificação ter sido finalmente exposta, esta história ridícula ainda dominou o ciclo de notícias durante dias e foi uma enorme distração das questões e fatos reais.

Você pode dizer que o verdadeiro desafio é tentar refutar abertamente notícias e afirmações falsas o mais rápido possível, para impedi-las de dominar a mídia. Mas o problema é que quando a mídia independente tem que se esforçar para verificar rapidamente fatos todos os dias, isso novamente drena seu tempo e energia.

Quando eu trabalhava na redação da CNN em Moscou, vi como a rede monitorava a TV estatal. Eles contratam um produtor cujo principal trabalho é gravar noticiários de TV estatais. Relatos suspeitos são detectados imediatamente, mas refutar uma mentira -- especialmente se envolve o envio de um repórter para investigar -- é oneroso e impossível de se fazer em uma base regular.

Infelizmente, ao longo do tempo esta neblina de desinformação é desmoralizante. Produz cinismo e até mesmo desesperança. Os meios de comunicação independentes podem se encontrar em situações onde as mentiras são tão numerosas que é impossível corrigir tudo. E enquanto isso, os verificadores de fatos que expõem mentiras nunca são transmitidos nas emissoras de TV mais problemáticas.

Mas qual é a alternativa? Ignorar mentiras e notícias falsas é se render. O desafio para as organizações de notícias independentes é encontrar esse equilíbrio entre sistematicamente fazer verificação de fatos, mas também ir atrás de histórias importantes sobre corrupção, segurança nacional e outros tópicos de interesse público. Se uma organização de notícias tem a opção de expandir sua equipe e orçamento para que possam lidar com esses desafios, devem fazê-lo.

Em geral, se a verificação de fato começa a desviar recursos significativos de reportagens originais, isso é um problema. Para manter o foco, as organizações de mídia precisam se comprometer a priorizar certos tipos de cobertura sobre outros e permanecer cautelosos para não se envolverem no ciclo de "notícias falsas".

Imagem principal sob licença CC no Flickr via Santi Villamarín. Segunda imagem sob licença CC no Flickr via Slava Vygolov.