Imagine o quão revolucionário foi para o jornalismo a revolução tecnológica do século XIX marcada sobretudo pelo advento dos barcos a vapor, pelo desenvolvimento das ferrovias e pela construção das primeiras linhas telegráficas. Viajar, explorar o mundo e trazer conhecimento e notícias das regiões mais longínquas do globo passava a ser uma realidade para um público cada vez mais diversificado e amplo graças à diminuição do analfabetismo.
Foi neste cenário de florescimento tecnológico que, em 1860, foi lançada uma das mais importantes revistas de viagens daquele século, o Le Tour du Monde. Nouveau jornal des voyages. Em português, “A volta ao mundo, novo jornal de viagens”. Editado pela Hachette, o o periódico semanal francês levava ao público conhecimentos geográficos e culturais adquiridos, verificados e vivenciados por meio de viagens e exploração. Mais que relatos, os textos destes correspondentes eram ilustrados por meio de desenhos e de gravuras, as quais serviam como prova de autenticidade da viagem e também como forma de transmissão de conhecimento.
Páginas ilustradas
O Le Tour du Monde foi criado pelo francês Édouard Charton, jornalista e diretor de publicações conhecido por ter sempre evidenciado a importância das imagens em seus projetos editoriais. “As coisas que nos chegam pelos ouvidos são menos fáceis de lembrar que aquelas que nos chegam pelos olhos”, dizia Charton. Assim, o seu jornal deveria combinar o relato dos correspondentes de viagem com ilustrações de tipos humanos, paisagens, cenas de gênero, plantas, animais e mapas.
Editado semanalmente, cada edição do Le Tour du Monde tinha no mínimo dezesseis páginas ilustradas com gravuras em preto e branco, de autoria de célebres artistas da época. A página de abertura de cada artigo trazia uma única gravura que ocupava mais da metade da página. Muitas das gravuras eram feitas a partir de fotografias - outra invenção tecnológica que revolucionou o momento histórico ao ser anunciada em Paris no ano 1839.
Viagens em capítulos
As páginas do Le Tour du Monde, traziam relatos inéditos das principais viagens realizadas na segunda metade do século XIX, mas também incluía alguns relatos de viagem já publicados por membros da Sociedade de Geografia de Paris (da qual Charton era membro) ou por viajantes em missão pelo governo. Havia relatos de viagem que se estendiam ao longo de dois ou mais fascículos, o que deixava o leitor ávido pela continuação da história.
Viagens ao Mar Polar, à Polinésia, à China e ao Japão, aos lagos da África Oriental, à Jerusalém, à nascente do rio Nilo ou ao Cabo da Boa Esperança foram alguns dos relatos de viagem que figuraram entre os primeiros fascículos do Le Tour du Monde. Charton, o diretor da revista, considerava como objetivo da publicação “dar a conhecer as viagens mais dignas de confiança do nosso tempo, francesas ou estrangeiras, e que oferecem mais interesse à imaginação, à curiosidade ou ao estudo”. Era preciso levar ao público leitor “o verdadeiro e vivo espetáculo da natureza e da vida humana em toda a superfície da terra”, escreveu ele no prefácio do primeiro número. Em termos editoriais, pode-se considerar o Le Tour du Monde como uma publicação ancestral de revistas como a National Geographic, fundada quase três décadas depois (1888) nos Estados Unidos.
Os fascículos semanais do Le Tour du Monde encontravam-se disponíveis para venda nas estações ferroviárias de grandes capitais europeias como Paris, Londres, Madri e São Petersburgo. E a cada seis meses, os fascículos semanais já publicados eram reunidos e publicados em volumes únicos, os quais eram comercializado em livrarias. Adquirir novas publicações era uma comoção entre os franceses.
Inspiração para Júlio Verne
As notícias de viagem e os relatos dos viajantes publicados no Le Tour du Monde foram responsáveis por alimentar vivamente a imaginação dos escritores da época. Exemplo deste entusiasmo e gosto pelo desconhecido foi o que motivou o escritor Júlio Verne a escrever seu romance mundialmente conhecido “A volta ao mundo em 80 dias” (Le tour du monde en quatre-vingts jours, em francês). Testemunho da revolução dos transportes da época, o livro lançado em 1873 conta a historia de um abastado cavalheiro inglês que, motivado por uma aposta, consegue realizar a proeza de contornar o mundo em 80 dias graças às novas maneiras de se viajar por vias marítimas e férreas.
Uma segunda série da revista Le Tour du monde foi inaugurada em 1895 com o título Le Tour du Monde. Journal des voyages et des voyageurs. Em português, “ A volta ao mundo, jornal de viagens e de viajantes”. Mais moderna, esta série reproduzia imagens fotográficas em vez de gravuras.
O lançamento da primeira edição da revista Le Tour du Monde está completando 163 anos. Durante seus 54 anos de circulação (de 1860 a 1914, início da Grande Guerra) somou mais de 900 relatos de viagem escritos por cerca de 500 autores viajantes, entre eles 30 mulheres. Atualmente, um conjunto encadernado das edições originais do Le Tour du Monde pode ser adquirido por quase 4 mil dólares no website inglês Abebooks. Já os volumes digitalizados estão disponíveis e podem ser consultados na Gallica, a biblioteca de arquivos digitais da Biblioteca Nacional da França (BnF).
Foto da capa: Edition Originale. Demais fotos: AbeBooks.