A luta contra a desinformação nas eleições argentinas

Nov 17, 2023 em Combate à desinformação
asaf

No dia 19 de novembro, a Argentina vai definir quem será o presidente pelos próximos quatro anos. Para chegar a essa etapa, o país, que completa 40 anos do retorno da democracia, passou por um processo de eleições primárias no mês de agosto, seguido por eleições gerais em outubro, e agora vai para o segundo turno entre os candidatos mais votados nessa última etapa: Sergio Massa, do Unión por la Patria, e Javier Milei, do La Libertad Avanza.

A desinformação sobre os resultados eleitorais e microfraudes tem sido uma constante neste processo. "Desde as eleições gerais em outubro, temos visto ainda mais desinformação", afirma Ana Prieto, editora do AFP Factual, serviço de verificação digital em espanhol da Agência France-Presse.

No último mês de outubro, instalou-se no debate público um alerta não só para os meios de comunicação como também para o sistema jurídico e as organizações da sociedade civil. Imediatamente após a votação, a contagem provisória de votos foi divulgada e circulou informação sobre telegramas com certas inconsistências e transcrições equivocadas, um tipo de erro que pode acontecer em uma primeira contagem de votos, mas que não implica fraude. "A contagem provisória não diz respeito à totalidade das seções eleitorais e o impacto sobre o resultado final neste caso foi irrelevante", conta Hernán Gonçalves Figueiredo, secretário de Procedimentos Jurídicos.

Neste contexto, a AFP Factual e o Chequeado, através do El Explicador de Reverso, trabalharam com as denúncias de fraude e informaram de forma estruturada que tais inconsistências haviam afetado as três principais forças políticas. "Esses dados provisórios estão online, disponíveis para os cidadãos, o que evidencia que é um processo transparente", reafirma Prieto. Mesmo assim, usuários muito ativos nas redes divulgaram mensagens virais argumentando que o candidato do La Libertad Avanza, Javier Milei, havia sido particularmente prejudicado.

Estratégias virais que estabelecem a ideia de fraude colocam em risco o sistema democrático. E isso se observa em eleições recentes na América do Sul. Pessoas públicas, como Fernando Cerimedo, especialista em marketing digital e consultor político vinculado ao ex-presidente brasileiro Jair Bolsonaro e agora a Javier Milei, se encarregaram de divulgar informações de suposta fraude nas eleições presidenciais de 2022 no Brasil que elegeram de maneira legítima Luiz Inácio Lula da Silva. Nessa ocasião, Cerimedo expôs falácias de uma suposta fraude em um vídeo gravado.

Em um momento de tensão social e polarização política, a Argentina está exposta a um processo similar que a deixa vulnerável à desinformação. A Câmara Nacional Eleitoral trabalha há semanas em uma estratégia de imprensa com veículos locais, explicando o processo eleitoral geral e em que consiste a contagem provisória e a definitiva, sendo esta última efetuada com um documento de validade legal. Ao mesmo tempo, a Câmara convocou diferentes figuras, candidatos e plataformas digitais a cumprirem um compromisso ético digital. "Recorremos aos executivos dos veículos tradicionais para que expressassem que o que está erodindo é a confiança pública no processo eleitoral", explica Gonçalves Figueiredo.

Somam-se à estratégia de verificação de informação produzida pelo Chequeado e pela AFP Factual outros estudos produzidos pela sociedade civil organizada. O CIDAC (Centro de Investigação para a Qualidade Democrática) explicou em um documento online o trajeto de cada voto desde que é emitido pelos cidadãos até o processo de contagem. Em um quadro, é exibida a coleta de dados com base nos telegramas informados durante a contagem provisória, com a advertência de que as falhas de contagem inicial não impactam a contagem definitiva realizada com outra metodologia e documentos como as chamadas Atas.

"Algo que notei com as denúncias de microfraude é que, se tivéssemos uma educação cívica melhor que explicasse de maneira sólida o trabalho de um fiscal e como funcionam os processos de contagem, esta desinformação não teria tanta penetração", opina Prieto, que além de editora na AFP Factual é consultora da IJNet. Esta reflexão se estende a outros âmbitos, como o meio ambiente e a saúde. "Com uma melhor formação científica, sanitária e cívica, a desinformação não se espalharia tão facilmente", conclui.

A desinformação eleitoral coloca jornalistas e a Justiça Eleitoral em alerta. Ações de verificação em redes sociais, como o TikTok, requerem atenção especial. A AFP verifica informação na rede em questão por meio de "vigias" na equipe de trabalho a partir do fim de semana anterior à eleição. A rede social tem a particularidade de se reproduzir com velocidade no X (antigo Twitter), o que cria um solo fértil para notícias falsas. Já o WhatsApp, rede fechada e privada também propensa à circulação de desinformação, é outro motivo de preocupação. Como não é possível ter um impacto sobre ela, a Agência France-Presse conta com um número de WhatsApp para o qual usuários podem mandar informação que considerem duvidosa para ser verificada.

O jornalismo é um serviço público e de responsabilidade cívica. Outras iniciativas da sociedade civil, como o projeto Poder Ciudadano, que defende os direitos cívicos, também fazem sua intervenção nesta luta contra a desinformação. O diretor da iniciativa, Pablo Secchi, teve visibilidade notória nas redes sociais ao desconstruir uma suposta fraude eleitoral. "Devemos parar de repercutir uma fraude tão facilmente, sermos mais responsáveis por parte do jornalismo e dos partidos políticos. E, principalmente, estudar. Somos mais de 30 milhões de eleitores e mais de 100 mil sessões. Os erros costumam ser frequentes. Isso não significa de forma alguma que seja fraude", publicou no X.

A última etapa eleitoral na Argentina será, sem dúvida, a mais agitada e polêmica, e a luta contra a desinformação deve se manter firme e apoiar o processo democrático argentino.


Imagem por Ana Benet via Pexels.