Jornalistas tornam dados de desenvolvimento da Amazônia acessíveis ao público

por Gustavo Faleiros
Oct 30, 2018 em Temas especializados

A previsão de dois ícones da área de comunicações --que os jornalistas se tornariam caubóis de dados-- está rapidamente se tornando uma realidade.

O repórter e professor Philip Meyer declarou em seu clássico livro Precision Journalism (Jornalismo de Precisão) de 1970 que "O mundo ficou tão complicado, o aumento da informação disponível tão explosivo, que o jornalista precisa ser filtro e transmissor, organizador e intérprete."

Quarenta anos depois, Tim Berners Lee, inventor da World Wide Web, previu que os jornalistas no futuro seriam "analistas de dados."

Grande parte do trabalho no jornalismo hoje envolve não só achar as notícias por atrás dos conjuntos de dados, mas também criar novos caminhos para o público interagir com os dados propriamente ditos.

Um grande exemplo dessa tendência é a plataforma Faces of the Dead do New York Times, que permite que o usuário navegue em um banco de dados de todos os soldados americanos mortos no Iraque e Afeganistão. Os armazenamentos de dados criados pelo La Nación da Argentina e pelo Los Angeles Times e o Texas Tribune nos Estados Unidos também exemplificam o papel que a mídia pode desempenhar na criação de seus próprios repositórios de dados.

Esta tendência importante está no centro da minha bolsa do Knight International Journalism Fellowship no Centro Internacional para Jornalistas (ICFJ, em inglês). No ano passado, eu trabalhei com uma equipe de desenvolvedores e jornalistas no Laboratório de Inovação em Jornalismo Ambiental ou ((o))ecoLab, para construir uma ferramenta para ajudar as pessoas a compreenderem as questões por trás de importantes conjuntos de dados ambientais.

O Lab lançou recentemente a sua primeira experiência em parceria com a agência O Eco de notícias ambientais, bem como a equipe de investigação de jornalistas da Agência Pública. Os parceiros criaram o BNDESnaAmazonia.org, um banco de dados interativo com informações sobre os empréstimos feitos para projetos na região amazônica pelo Banco Nacional de Desenvolvimento do Brasil, conhecido como BNDES.

Para construir o banco de dados, jornalistas baixaram cinco anos de registros bancários disponíveis publicamente de empréstimos a empresas de construção de estradas, barragens e portos nos oito estados do Brasil localizados na floresta amazônica. Também listaram os problemas causados ​​por cada projeto, recolhendo dados sobre todos os processos judiciais relacionados com os impactos sociais e ambientais dos investimentos.

Agindo como coletores de dados, os repórteres da Agência Pública, Bruno Fonseca e Jessica Mota, trouxeram à luz informações importantes. Eles publicaram uma série de seis matérias simultaneamente nos sites da agência O Eco e na Pública. Suas reportagens mostraram que a maioria dos empréstimos do banco de desenvolvimento foi para empresas de energia e cerca de 80 por cento dos projetos estão enfrentando desafios legais. Por exemplo, o polêmico projeto de construir a hidrelétrica de Belo Monte no rio Xingu (um dos principais afluentes do Amazonas) recebeu mais de US$10 bilhões desde 2011, e há 21 ações judiciais pendentes contra ele. Para mais detalhes, confira o banco de dados.

Os jornalistas também apresentaram um pedido de informação ao BNDES previsto na Lei de Acesso à Informação (LAI), a fim de acessar todos os contratos referentes aos projetos de infraestrutura. O banco de desenvolvimento produziu um total de 45 contratos. O Eco e a Pública tornaram cada um deles disponível para download em seus sites.

Os dados sobre os empréstimos do banco de desenvolvimento para entidades fora do Brasil ainda não estão disponíveis ao público, e o BNDES se recusou a compartilhar a informação. Mas os repórteres não desistiram. Já que os empréstimos se qualificam como ajuda externa, nossa equipe reuniu informações sobre esses dados a partir de notícias e anúncios diplomáticos do Itamaraty.

Alguns dos resultados mostraram que o Brasil fez uma parceria com a Bolívia para financiar a construção de uma estrada num território indígena protegido pelo governo federal. O projeto criou uma luta política entre os partidários do presidente da Bolívia, Evo Morales. Todos os dados foram compilados nesta reportagem, mas o pedido de dados oficiais ao BNDES sobre sua presença internacional não foi respondido e grande parte da atividade do banco no exterior continua a ser segredo.

A tecnologia que usamos

O principal desenvolvedor por trás do BNDESnaAmazonia.org é Vitor George, que se juntou à equipe do Laboratório em setembro. Ele desenvolveu um site que apresenta os dados organizados pelos repórteres, permitindo ao público navegar e baixar as informações em arquivos de planilhas com valores separados por vírgulas (CSV, em inglês).

"O site foi escrito em Node.js, uma plataforma de software cuja arquitetura permite construir aplicativos altamente escaláveis​", explica ele. Usando um banco de dados simples com o Node.js, George foi capaz de revelar uma teia de relações entre os projetos. Por exemplo, quando você verificar informações sobre um projeto específico na Amazônia, todos os valores de investimentos e empresas relacionadas são exibidos.

O desenvolvedor diz que "o Node.js tem a vantagem de usar Javascript como linguagem de script, tornando-o mais acessível para a maioria dos programadores. Também tem um ecossistema vibrante de frameworks e bibliotecas para desenvolvimento na Web, e é amplamente utilizado em grandes sistemas distribuídos, como o MapBox.

"Além do fato de que a complexidade do projeto foi relativamente baixa, o laboratório entendeu que foi um primeiro passo na construção de plataformas de jornalismo online mais complexos e ricos em recursos, e o Node.js se encaixa bem em uma caixa de ferramentas de tecnologia direcionada para esse fim.

"Estendendo o nosso conhecimento para além da plataforma de blogs WordPress (utilizada pelo InfoAmazonia.org) nos permitirá construir projetos melhores e mais refinados que vão atingir um público mais amplo."

Olhando para a frente

Nosso próximo passo é integrar esse banco de dados com os dados geográficos que hospedamos na plataforma InfoAmazonia. O que vamos tentar com esse experimento é criar um modelo de bancos de dados interativos significativo, que em nossa opinião, vai promover mais transparência na arena pública.

A visão de Meyer e Berners Lee parece mais próxima do que nunca.   Gustavo Faleiros é um jornalista ambiental e instrutor de mídia especialista em jornalismo de dados. Ele é um bolsista do ICFJ Knight International Journalism Fellowship com base no Brasil. Você pode segui-lo pelo Twitter.

O conteúdo sobre inovação de mídia global relacionado com os projetos e parceiros das Bolsas Knight na IJNet é apoiado pela John S. and James L. Knight Foundation.   Imagem do site do BNDESnaAmazonia