A histórica eleição presidencial nos EUA neste mês foi apenas uma das mais de 70 eleições em vários países pelo mundo neste ano, em meio a um ambiente de notícias cada vez mais caótico.
"Estamos agora em um estágio no qual qualquer pessoa nesse auditório pode ter sua própria realidade personalizada" criada pelas redes sociais, disse a jornalista e laureada com o Prêmio Nobel Maria Ressa. A informação que você recebe por meio de um algoritmo de rede social é "baseada no que você sente, nos seus vieses cognitivos, em uma posição particular para a qual você foi empurrado".
Ressa se juntou aos correspondentes da Casa Branca Peter Baker e Eugene Daniels para refletir sobre o ambiente desafiador para os jornalistas que cobriram a eleição de 2024 e seus desdobramentos. O painel, liderado por Kristen Welker, moderadora do Meet the Press, programa da NBC News, fez parte do Tributo aos Jornalistas, realizado em Washington DC em 14 de novembro, na celebração dos 40 anos do ICFJ.
Nos EUA, "nós precisamos voltar para a época da Guerra Civil para encontrar um cenário de mídia tão dividido", disse Welker, citando uma entrevista que fez neste ano com a historiadora presidencial Doris Kearns Goodwin.
Baker, correspondente-chefe da Casa Branca para o The New York Times, disse que, nos EUA, houve uma época em que as pessoas concordavam em relação a um conjunto de fatos. "Hoje nós não vivemos nesse mesmo universo", afirmou, apontando para as diferenças gritantes entre o que ele ouviu nos comícios de Trump e Harris. "É difícil voltar a unir essas realidades novamente para que tenhamos um discurso e um debate em comum."
Daniels disse que ele conversa "com jovens jornalistas que, agora que estamos para entrar no que sabemos que serão quatro anos difíceis, estão preocupados com o fato de que essa divisão não vai importar". Mas ele disse que o jornalismo é mais importante agora do que nunca. "Independentemente de nós conseguirmos ou não unir novamente essa realidade, nós todos temos que pelo menos tentar", disse.
Ressa, diretora do conselho do ICFJ, acionou pela primeira vez em 2016 o alarme sobre o efeito polarizador das redes sociais na tomada de decisões eleitorais, após a eleição de Rodrigo Duterte como presidente das Filipinas.
"O quanto do nosso livre arbítrio nós perdemos para um ecossistema de informação envenenado? E quanto aos jornalistas, o quanto do que nós fazemos chega ao lado da 'reflexão lenta' das pessoas que servimos?", questionou Ressa.
"Quando você conta uma mentira milhões de vezes, ela se torna um fato no nosso ecossistema de mídia informativa. É por essa razão que temos tantas realidades diferentes", disse. "A pergunta é: 'nós temos livre arbítrio quando estamos sendo bombardeados com mentiras?'"
A expectativa é que jornalistas enfrentem novos e grandes desafios durante o segundo mandato de Trump. O primeiro mandato foi notavelmente hostil ao jornalismo, e ele fez ameaças piores para o seu retorno ao cargo. Em discursos de campanha, Trump frequentemente menosprezou jornalistas e veículos, prometendo prender repórteres e cancelar concessões de rádio e TV.
"Nosso trabalho como repórteres não é ser a oposição, que, honestamente, é o que Trump quer de nós, porque vai ser mais fácil para ele se ele puder nos pintar como oposição", disse Baker. "Mas eu acho que é nosso trabalho sair em defesa da verdade e dos fatos em vez de fingir que algo anormal que nunca foi visto antes é simplesmente mais da política de sempre."
Preparando-se para cobrir o novo governo, Daniels, correspondente da Casa Branca para o POLITICO e coautor do Playbook, observa que líderes de outros países podem seguir a cartilha de Trump. "Com todo mundo olhando para nós, se as coisas começarem a sucumbir aqui, isso dá permissão em outras partes do mundo para se fazer coisas piores"
"Estamos todos de olho prendendo a respiração", disse Ressa. "Eu diria para os veículos dos EUA que vocês precisam estar preparados... Vocês agora estão na linha de frente para todos nós."
Este texto foi originalmente publicado pelo ICFJ, organização da qual a IJNet faz parte.
Imagem cedida pelo ICFJ.