Jornalistas latino-americanos precisam aprender a programar

por Katherine Pennacchio
Sep 19, 2022 em Jornalismo de dados
Glasses showing codes on a computer screen.

Assim como na vida, a única constante no jornalismo tem sido a mudança. Avanços tecnológicos ao longo dos anos mudaram o perfil do jornalista. A imagem do profissional como um lobo solitário com uma máquina de escrever e um bloco de anotações nas mãos ficou para trás. Ela deu lugar a um perfil multifacetado que é capaz de escrever, tirar fotos, editar vídeos, gravar áudio e até programar.

Aprender a programar parece ser uma habilidade crucial para jornalistas em redações cada vez mais digitalizadas e integradas. O conhecimento de linguagens como Java, Python, HTML ou R permite que jornalistas desenvolvam sites ou aplicativos, analisem bases de dados e criem visualizações interativas.

Inúmeras plataformas educativas oferecem cursos de programação para jornalistas. O último curso do Knight Center focado na linguagem de programação estatística R teve mais de 3.300 alunos de 131 países matriculados. Devido à alta demanda, foi criado um curso mais avançado, que terá início neste mês de setembro.

Levando em consideração o que foi tratado acima, a LatAm Journalism Review (LJR) decidiu entrevistar jornalistas e outros profissionais de mídia latino-americanos para responder à pergunta: é essencial que um jornalista aprenda a programar?

Pensar em código 

Em 2015, a jornalista espanhola Lydia Aguirre respondeu essa pergunta em seu blog. De acordo com Aguirre, o jornalista não precisa necessariamente aprender a programar, mas ele ou ela deve saber como pensar em código. "Pensar em código nada mais é do que entender como funcionam as plataformas que se usa todos os dias para publicar e distribuir o conteúdo que você cria, assim você pode tirar o melhor proveito delas. É saber alguns princípios básicos para que você dialogue de forma mais efetiva com a equipe técnica (desenvolvedores, designers, especialistas em SEO, analistas de audiência...). Pensar como as máquinas, conhecendo as estruturas, formatos e processos do sistema de gerenciamento de conteúdo usado pelo veículo onde você trabalha, vai permitir que você economize um tempo precioso seu e dos seus colegas da equipe de tecnologia", escreveu Aguirre. 

Muitos dos jornalistas e profissionais de comunicação entrevistados pela LJR concordam com essa premissa. Flavio Vargas, jornalista colombiano e especialista em comunicação digital, diz que não é sobre tornar o aprendizado obrigatório, mas sim construir uma comunicação entre o trabalho do desenvolvedor e do jornalista. "Seria bom ter algum nível de conhecimento, incluindo o básico sobre o que um desenvolvedor faz em relação ao trabalho jornalístico", disse Vargas à LJR.

De sua parte, o designer gráfico Andrés Snitcofsky, especialista em visualização de dados e em diferentes ramos da comunicação visual, diz que nós não podemos entrar na onda de que todo jornalista precisa necessariamente aprender a programar. "Em vez disso, jornalistas devem entender de programação, como ela funciona, como conversar com programadores e como alimentar com dados o que eles fazem. Se todos nós aprendermos tudo, então ninguém sabe nada. É como um arquiteto, que não precisa saber literalmente como construir uma casa, mas sim conhecer e entender os processos", disse Snitcofsky à LJR. 

"Eu acho que a gente deveria refletir melhor. Deveriam criar cursos sobre entender programação e não necessariamente para aprender a programar. Não faz sentido que todos nós façamos todas as tarefas que deveriam ser de outras pessoas", disse Snitcofsky.

Snitcofsky trabalhou em projetos de visualização jornalística como Cargografías e Economía Feminista. Nesses projetos, foi essencial que as diferentes áreas da equipe (design, programação, jornalismo) entendessem umas às outras e se comunicassem de forma assertiva.

 

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A jornalista porto-riquenha Laura Moscoso,
diretora de treinamento da Investigative Reporters and Editors, considera que jornalistas devem estar abertos e disponíveis para seguir aprendendo habilidades que os permitam produzir um jornalismo melhor (Crédito: Divulgação)

 

Os entrevistados para esta matéria concordam que mais que aprender uma certa linguagem de programação, é preciso estar aberto e disponível para seguir aprendendo habilidades que permita fazer um jornalismo melhor. "Nossa profissão nos força a estar sempre em alerta com eventos políticos e culturais, e isso inclui tecnologias que podemos incorporar aos poucos. Além disso, vivemos em um mundo no qual a forma agora também é conteúdo. Por isso, não podemos ignorar nada que nos permite informar melhor ou analisar com mais precisão. Tudo isso, claro, sem se esquecer do cerne do jornalismo: ética, empatia e responsabilidade social no trato e distribuição da informação", disse à LJR Laura Moscoso, jornalista porto-riquenha e diretora de treinamento do Investigative Reporters and Editors. 

Depende da abordagem jornalística 

O jornalista Paul Steiger falou, em uma entrevista, sobre o modelo adotado pela agência de notícias independente dos Estados Unidos ProPublica: jornalistas que sabem programar e fazer reportagens. Para Steiger, as ferramentas digitais e de dados que temos hoje são tão fundamentais para a prática do jornalismo como o telégrafo, a fotografia ou o rádio foram em seu tempo. 

Steiger diz que até as operações com dados mais complicadas feitas na ProPublica são realizadas com especialistas que têm uma mentalidade jornalística. Portanto, jornalismo e programação complementam um ao outro na redação da agência.

 

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Jornalismo e programação complementam um ao outro na ProPublica (Crédito: Demetrius Freeman)

 

É importante ressaltar que a ProPublica é um exemplo de sucesso de jornalismo investigativo, no qual é fundamental trabalhar com grandes volumes de dados e visualizar resultados. Algumas das pessoas ouvidas para esta matéria explicam que decidir entre aprender ou não a programar vai depender bastante do caminho que você quer seguir no jornalismo.

"Eu não acho necessário saber programar. Talvez possa te ajudar com um frila, mas programação é uma carreira muito exigente. Eu trabalho com marketing digital e tenho uma equipe parceira à qual delego essa necessidade dos meus clientes", disse à LJR o jornalista e fotógrafo venezuelano Ángel Rivero.  

Por isso, se talvez o foco do jornalista for se tornar um fotojornalista, um âncora de TV ou gerente de redes sociais, programar não parece ser tão necessário.

O jornalista freelancer Daniel Cappa, que mora em Londres, concorda. Ele diz que programação é útil, mas não vital no jornalismo. "Programar pode ir desde raspagem de dados (uma técnica para extrair informação de sites) a desenvolvimento web, análise estatística, visualização de dados e desenvolvimento front-end. Saber programar pode te dar novas oportunidades de trabalho como um analista de dados ou desenvolvedor, mas esses cargos não são necessariamente jornalismo. Jornalismo ainda tem a ver com reportagem, checar as fontes, contexto, etc."

Cappa se especializou em jornalismo de dados e está aprendendo as linguagens de programação R e Python. Porém, ele não ousa dizer que sabe programar porque considera este um trabalho complexo e difícil no qual ainda precisa melhorar.

E o que desenvolvedores pensam sobre mais e mais jornalistas aprendendo a programar? Também tentamos responder essa questão. Neste caso, eles dizem que aprender a programar não é tarefa fácil. Requer tempo e dedicação.

"Saber programar pode trazer novas oportunidades de trabalho para jornalistas, mas também vai depender de como eles querem conduzir suas carreiras. Grandes empresas de mídia nos Estados Unidos e fora dele estão cada vez mais focando suas reportagens em visualizações e análise de dados, o que requer algum grau de conhecimento em programação", disse à LJR Raúl Echezuria, analista de dados e desenvolvedor visual venezuelano. "Mas tenha em mente, pois precisamos ser francos, e isso não é para assustar ninguém, que programar não é fácil. Você precisa ser resiliente às frustrações, porque a curva de aprendizado é íngreme. 


Este texto foi publicado originalmente pela LatAm Journalism Review e reproduzido aqui com permissão.

Foto por Kevin Ku via Unsplash.