Jornalistas do Quênia pressionam redação para investir em jornalismo de dados

por Auguste Yung
Oct 30, 2018 em Jornalismo de dados

O jornalismo de dados pode ser um campo complexo de navegar. Em comparação com a reportagem tradicional, as matérias baseadas em dados exigem mais tempo para pesquisar dados, sem mencionar as habilidades tecnológicas para visualizar esses dados em um gráfico que será significativo para os leitores. Enquanto o campo está crescendo, organizações de notícias em algumas partes do mundo estão lutando para aproveitar o potencial do jornalismo de dados para melhorar a reportagem e contar histórias.

A jornalista e editora queniana Catherine Gicheru, bolsista Knight do ICFJ, está tentando fazer com o jornalismo de dados se torne um elemento básico nas redações quenianas, mas frequentemente percebe resistência a seus esforços. Apesar dos desafios, Gicheru e outros jornalistas acreditam que seu trabalho está lentamente ajudando jornalistas e gerentes de notícias a entender o potencial do jornalismo de dados para melhorar a indústria de notícias do seu país.

Gicheru aborda a divisão geracional entre o jornalismo tradicional e a mídia digital. Embora treinada como jornalista de imprensa convencional, Gicheru agora promove os benefícios de usar dados e interativos para melhorar as matérias. Ela trabalha frequentemente com tecnólogos para complementar a escrita dos repórteres com gráficos interativos, que destilam grandes conjuntos de dados em visuais mais facilmente compreensíveis. Ao longo de seu tempo promovendo jornalismo de dados, Gicheru enfrentou uma batalha difícil para convencer os gerentes de notícias no Quênia que vale a pena o investimento extra em recursos.

"Até [os gerentes de notícias] verem o benefício do [jornalismo de dados], eles não vão deixar os repórteres abrirem suas asas e correrem o risco que muitos deles consideram associados ao jornalismo de dados", disse ela.

Ela reconhece que a coleta de dados pode ser um desafio, observando que os dados necessários para uma matéria estão muitas vezes espalhados entre várias fontes, e rastreá-los pode ser demorado. Na esperança de ajudar as redações a adotar o jornalismo de dados, Gicheru ensina colegas jornalistas como e onde podem encontrar os dados que precisam para escrever matérias amplas contadas através de números.

"Eu tento lidar com eles em um nível individual ao invés de um nível institucional, porque as instituições tendem a ser muito lentas", disse ela. "É como mover uma montanha. Mas indivíduos, você pode mudá-los. E mudar um indivíduo, mudar dois indivíduos dentro de uma instituição, pode realmente mudar a instituição."

Verah Okeyo, jornalista do jornal queniano The Daily Nation, tem prosperado na produção de jornalismo de dados voltado para a saúde com a ajuda de Gicheru, citando a orientação dela como uma influência importante em seu trabalho.

Além de orientá-la para fontes de dados brutos e conectá-la com tecnólogos, Okeyo disse que Gicheru a ajudou a escrever sobre tópicos familiares com novas perspectivas. Ela citou relatórios estatísticos sobre gastos do governo como um exemplo de dados que podem parecer banais, mas podem revelar histórias importantes.

"A maior coisa [que Gicheru faz] é fazer com que você veja que há uma história", disse ela. "Você está tão acostumado a esses relatórios que são dados pelo governo e por agências todos os dias, então às vezes completamente ignora-os... Eu acho que para mim, isso foi a maior coisa: uma história cotidiana totalmente normal e tentar olhá-la de um ângulo diferente usando números."

Okeyo observou que o jornalismo baseado em dados sobre os gastos do governo também levou a mais discussões públicas do que as reportagens convencionais.

"Com dados, as pessoas começaram a questionar os gastos governamentais e dizer: 'Por que você não gastou esse dinheiro nessa coisa importante ao invés de usá-lo em alguma coisa sem sentido, como entretenimento e chá?", ela disse.

Gicheru disse acreditar que uma grande parte dessa resposta tem a ver com a capacidade de infográficos para simplificar estatísticas complicadas.

Outros no país também estão começando a reconhecer o potencial de matérias baseadas em dados para melhorar o jornalismo. Em novembro, Okeyo recebeu um prêmio do recém-lançado Open Data Awards realizado pela Kenya Open Data Initiative em reconhecimento à sua matéria sobre infecção pelo HIV, taxas de aborto no oeste do Quênia e se a educação sexual deveria ou não estar disponível para adolescentes.

Infelizmente, devido ao acesso limitado aos tecnólogos, jornalistas no Quênia têm sido impedidos de imitar os sucessos de Gicheru e Okeyo.

"Os jornalistas com quem trabalhei estão realmente interessados ​​em continuar e realmente querem fazer isso, mas acho que um dos obstáculos que eles têm é que não têm pessoas com tecnologia dedicadas para trabalhar", disse Gicheru. Ela se compara a uma casamenteira nesse sentido, conectando jornalistas com tecnólogos para criar gráficos para suas matérias.

Okeyo tem três conselhos para quem quer se envolver no jornalismo de dados, sendo o primeiro uma mudança de atitude em relação ao uso de dados. Ela acredita que, embora os números possam parecer frios e chatos, são a base para matérias importantes -- algo que ela espera que mais jornalistas no Quênia reconheçam. Ela também recomenda ler outras organizações de mídia que criam matérias com dados. Ela reconhece que pega muitas ideias de outros sites, destacando o jornalismo do Guardian em particular. Por último, ela recomenda participar de reuniões e fóruns para se conectar com tecnólogos que podem criar gráficos para matérias. Ela disse que esses tipos de fóruns são comuns, mas que é preciso ter iniciativa para buscá-los.

Apesar dos obstáculos à frente, os sinais atuais para o crescimento do jornalismo de dados no Quênia são promissores. Tanto Okeyo como Gicheru acreditam que uma mudança radical nas atitudes em relação ao jornalismo de dados e um maior acesso aos tecnólogos não estão longe. No entanto, Okeyo ressalta que os jornalistas não podem esquecer os fundamentos de seu ofício e devem usar infografia para complementar sua reportagem, e não eclipsá-la.

"No final do dia, jornalista tem que ser jornalista", disse ela.

Imagem sob licença CC no Flickr via Sebastian Sikora