Quando era adolescente em Salvador, Paulo Rogério Nunes nunca imaginou que ia cursar faculdade para estudar jornalismo e comunicação. Ele não conhecia ninguém que ia para faculdade e seu bairro não tinha sequer uma banca de jornal.
Mas hoje o afro-brasileiro e ex-bolsista do programa Fulbright é cofundador e diretor de uma das mais influentes organizações de mídia afro-brasileira, o Instituto Mídia Étnica (Instituto de Mídia Étnica). Embora mais da metade das 200 milhões de pessoas no Brasil se identifiquem como afro-brasileiras, essa representação não se reflete em sua mídia.
Paulo Rogério, 34, e sua equipe de nove integrantes construíram uma organização que produz conteúdo afro-brasileiro e jornalismo em seu site Correio Nagô, treina jornalistas cidadãos e ensina empreendedorismo. Por volta do 127º aniversário da abolição da escravatura no Brasil no dia 13 de maio, Nunes explica por que ele começou o Instituto Mídia Étnica há 10 anos, como evoluiu e o que ele espera para o futuro.
IJNet: Como é o movimento negro no Brasil? Como inspirou você a começar o Instituto Mídia Étnica?
Nunes: Em 1974 tivemos o primeiro grande movimento negro no Brasil. O que é chamado de Movimento dos Direitos Civis nos EUA é chamado de Movimento Negro aqui. Inclui ativistas negros, profissionais e mídia. A primeira vez que descobri [o movimento] foi no Instituto Steve Biko, que ajuda pessoas negras a entrar na faculdade. Eles tinham uma aula sobre a liderança negra em universidades e faculdades e treinavam pessoas em habilidades para serem líderes no futuro. Quando eu fui para a faculdade, fiquei chocado porque não havia discussão sobre o Movimento Negro. Não havia professores negros na universidade. Por isso, decidimos criar uma organização para começar uma discussão maior sobre inclusão étnica nas comunicações.
Qual foi a sua visão quando você criou o Instituto Mídia Étnica?
Começamos a fazer um protesto e ir para alguns meios de comunicação para mostrar que não estávamos satisfeitos com a falta de diversidade. Então decidimos mudar a estratégia, porque não estava realmente mudando nada. Nós decidimos conversar com nossos alunos negros de jornalismo, publicidade e cinema sobre como podemos melhorar e escrever mais sobre nossas histórias. Começamos o nosso website em 2008 – Correio Nagô. Nós somos um dos poucos sites no Brasil a cobrir questões negras, porque não há uma mídia negra aqui no Brasil. A partir daí, fomos a primeira organização negra no Brasil a usar Twitter, Facebook, Orkut e Youtube.
O que significa Correio Nagô? Por que dar esse nome a um site de notícias?
Correio Nagô é um termo comum na Bahia e significa "boca a boca". Nagô é uma palavra ioruba e durante a escravidão o boca a boca foi a maneira de se comunicar. Decidimos dar esse nome ao site porque queríamos mostrar ao nosso público que queremos representar a sua voz.
Se um repórter quer ficar por dentro das maiores novidades na comunidade negra no Brasil, que sites ele ou ela deve ler?
Eles devem ler o nosso site, Correio Nagô, mas também Black Women of Brazil (em inglês), a revista Raça, Geledés Instituto da Mulher Negra, Blogueiras Negras, Afro Press, Áfricas e Mulher Negra e Cia.
Que projetos o Instituto Mídia Étnica está realizando?
Para conteúdo, temos sempre o site correionago.com.br. Também treinamos pessoas para serem jornalistas cidadãos e empreendedores. Estamos começando um grupo de afro-hacking para envolver os jovens na construção de dispositivos e plataformas tecnológicas. No futuro esperamos ter um espaço de trabalho conjunto para jornalistas e equipe criativa. Nosso projeto mais recente é o Vojo Brasil, que permite que as pessoas que vivem em áreas rurais ou pobres mas não têm um computador, tablet ou smartphone criem conteúdo sem a internet. As pessoas podem enviar mensagens para a internet por meio de um telefone fixo ou público.
Qual é o modelo de negócios do Instituto Mídia Étnica? Como pagam por tudo?
Nós somos uma organização não governamental (ONG), portanto, dependemos de doações. Todo o apoio que temos é principalmente estrangeiro, ONGs e fundações nos EUA. O primeiro dinheiro a entrar em nossa conta foi há quatro anos, seis anos depois que começamos. É difícil para as organizações negras serem sustentáveis no Brasil porque é muito grande a burocracia para conseguir dinheiro do governo. As empresas não se preocupam com a comunidade negra e as organizações internacionais às vezes não acham que há pessoas negras no Brasil. Para o Correio Nagô, tentamos obter publicidade e tivemos eventos com empresas de propaganda. Alugamos um lugar agradável e convidamos-os para um café da manhã e mostramos os números sobre o mercado afro-brasileira. E disseram: "Ah sim, vamos tentar", mas nada aconteceu depois.
Por que não mudar o Instituto Mídia Étnica para o Rio ou São Paulo onde há maior acesso ao dinheiro?
Eu entendo que o trabalho que fazemos seria muito maior se estivéssemos em São Paulo ou no Rio de Janeiro. Mas é importante ficar aqui porque a origem da cultura negra está aqui (em Salvador). E até agora não temos apoio para nos estabelecermos em São Paulo ou no Rio de Janeiro.
Quais são os resultados desses programas no Instituto Mídia Étnica?
Nós treinamos mais de 1.000 pessoas. Já produzimos centenas de vídeos. Já produzimos documentários. A comunicação é algo difícil de medir. Mas acreditamos que estamos gerando uma mudança de mentalidade nas pessoas no Brasil. Queremos representar pessoas negras e ser a sua voz.
Qual é a sua visão ideal para a organização?
A minha visão para a organização é ter vários centros de mídia na Bahia ou no Brasil, permitindo que as pessoas venham para obter habilidades em mídia. Hoje em dia você não precisa ser um jornalista para entrevistar alguém. Não precisa ser um jornalista para fazer um pequeno documentário. Eu quero ter um monte de centros de mídia, onde você pode ter espaços de trabalho conjunto e onde as pessoas podem desenvolver aplicativos e startups. Queremos produzir conteúdo de qualidade que pode alcançar o potencial dos 100 milhões de pessoas que se identificam como afro-brasileiros. Cobrimos a comunidade negra há 10 anos. Sabemos que há uma falta de cobertura das histórias. Entendemos que agora é o momento de fazer isso acontecer.
Imagem principal: A equipe do Instituto Mídia Étnica entrevista o músico Gilberto Gil. Imagem secundária: Paulo Rogério Nunes. As imagens são cortesia do Instituto Mídia Étnica.