Imunologista explica eficácia da vacina russa, que pode acelerar imunização brasileira contra COVID-19

por Marina Monzillo
Feb 5, 2021 em Reportagem sobre COVID-19
O governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha, visitou fábricas da União Química S/A instaladas no Distrito Federal. Em uma das unidades, a empresa produz a vacina Sputnik V contra o coronavírus (COVID19).

Recentemente, foram divulgados os resultados parciais da terceira fase de testes da Sputnik V, a vacina russa. Como o imunizante está na mira de importação pelo Brasil, o Fórum de Reportagem sobre a Crise Global de Saúde convidou o imunologista Rafael Polidoro para comentar a eficácia de 91,6% apresentada, entre outras informações sobre esta opção de combate à COVID-19. Research Fellow na Escola de Medicina da Universidade de Indiana, o especialista brasileiro participou do nosso webinar “Sputnik V: Comentários sobre os dados da vacina russa”, realizado em 4 de fevereiro. 

 

 

Veja a seguir os principais pontos da conversa. 

Explicando a eficácia

  • Outras vacinas, como a da Johnson & Johnson e da Astrazeneca (Oxford), usam a mesma tecnologia da Sputnik, o adenovírus. A diferença principal entre elas é o placebo. “Quando se utiliza uma base que a gente chama de tampão salino, que é o caso da Sputnik, da Pfizer e da Moderna, os números são usados a seu favor”, comentou Polidoro. Ele explicou que existe um efeito secundário das vacinas que é a inflamação generalizada, o corpo ‘acorda’ para uma infecção viral e isso pode proteger contra os sintomas da COVID-19. Existe um período, em que suas células estão sabendo que tem um vírus rodando e estão ‘espertas’, chamado de imunidade treinada. Não é específico para o vírus, é só um jeito de evitar uma infecção que está acontecendo naquele momento. “Esse efeito tem na Astrazeneca, usam uma outra vacina no placebo. Por isso, essa é a vacina mais difícil de ser completamente eficaz, porque ela só vai olhar o efeito específico, elimina o efeito da imunidade antiviral treinada. Mas se tivesse sido comparada com um placebo de água e sal, talvez também fosse 90%”, completou. 

  • Segundo ele, no mundo real, a efetividade da Sputnik não será de 91,6%. Pode ser maior ou menor, mas as chances é que seja um pouco menor, e todas devem ficar parecidas, perto de 60% ou 70%. 

  • A Sputnik pode ser melhor porque usa um adenovírus diferente em cada dose, para evitar a imunidade que já temos contra o adenovírus HAdV-C5, usado na segunda parte da vacinação. “Em praticamente todos os continentes, tem muita gente que já foi infectada com esse vírus, que causa conjuntivite, principalmente em crianças. Então, quando você se vacina, tem anticorpos contra a própria vacina, ela é menos eficaz.” A Sputnik usa na primeira dose o HAdV-D26, que não tem prevalência em Moscou. “Minha crítica é que neste estudo não se olham outros grupos étnicos, somente brancos, somente em Moscou”, disse o imunologista. “Isso pode interferir na eficácia da vacina, porque se você tem anticorpos, seu organismo pode destruir a vacina e torná-la completamente ineficaz”. Ele conta que nos estudos da Sputnik, seis pacientes de 342 testados produziram zero anticorpos. “Essas pessoas podem ter se infectado recentemente com o adenovírus e anulado completamente o efeito da vacina. Esse número pode ser maior na África, onde a prevalência desse adenovírus é alta.” No Brasil, não há dados disponíveis.

  • “Portanto, quando a Anvisa veio com a história de fazer um teste clínico específico no Brasil, não fui contra. Algum tipo de teste precisa ter. Em vez de um teste químico, que será caro e demorado, talvez um teste de soroprevalência, para dar uma olhada no sangue da população. As universidades federais têm capacidade de executar isso em uma semana.” Assim, se descobriria o quanto há de imunidade contra HAdV-D26 por aqui.  

[Leia mais: ‘Quando se olha o país como um todo, os resultados da pandemia são ruins’, diz pesquisador da Fiocruz]

Risco x benefício

  • A Sputnik começou a ser dada aos militares russos e também foram enviadas um milhão de doses para a Hungria antes dos testes clínicos da fase 3. A Belarus também já iniciou sua aplicação na população, antes de sair os resultados. “O pessoal arriscou, mas acredito que fizeram isso porque o adenovírus foi aprovado recentemente para outras doenças, como ebola. Como outros testes têm funcionado, quiseram antecipar para ser ‘o primeiro satélite a ir pro espaço’”, opinou. 

  • De nenhuma das vacinas até agora testadas, a gente sabe a duração da resposta vacinal, mas nas de adenovírus, que têm essa imunidade prévia, um problema conhecido é não ter uma resposta duradoura. “Mesmo com a segunda dose pode acontecer isso, justamente porque usa-se o adenovírus HAdV-C5”, disse. Mesmo sem essa garantia, a vacina vale a pena, ajuda no controle da pandemia, porque a primeira dose é suficiente para começar a proteção e foram 2% das pessoas que não produziram anticorpos. “No nosso caso, que não temos vacinas sendo aplicadas rapidamente, produzir nós mesmos a Sputnik, através de transferência de tecnologia, como está sendo negociada com a União Química, é sonho de consumo. Até outubro, vacinamos metade da população.” 

  • Polidoro acredita que espaçar doses, como alguns estão fazendo, pode ser vantajoso. “O espaço de 21 dias, no caso da Sputnik, existe para evitar que a pessoa não volte para a segunda dose, não lembre. Três meses é melhor para a resposta imune”, analisa. Entretanto, mais de seis meses já viraria um problema, pois a resposta começaria a cair e seria como tomar duas primeiras doses. 

  • Polidoro também pensa que os benefícios superam os riscos na retirada da Anvisa da obrigação de realização de testes da fase 3 no Brasil desde que o imunizante tenha sido testado em outros países. Por fim, ele opinou sobre a vacina que considera a melhor. “Será a da Astrazeneca, se mantiver os resultados prévios de que barram a infecção em 90%; Você fica estéril, não transmite. Porque as vacinas até agora testavam sintomas leves, com o objetivo de reduzir dor de cabeça, fadiga e febre. Quando se vacina, por exemplo, a população jovem, o pensamento não está em casos severos e sim em reduzir a pandemia. Em alguns meses, saberemos com certeza quais vacinas barram a transmissão, que é o que queremos.”


Marina Monzillo é jornalista freelancer com 20 anos de experiência em diversas áreas, como cultura, turismo, saúde, educação e negócios.

Imagem: Visita do governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha, a uma fábrica da União Química S/A, que produz a vacina Sputnik V. Foto sob licença CC no Flickr por Renato Alves/Agência Brasília