Gestão de pessoas: uma habilidade necessária no jornalismo

Jun 17, 2024 em Reportagem de meio ambiente
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Aprender a liderar equipes não é uma habilidade, em geral, ensinada na faculdade de jornalismo. As dificuldades iniciais são vencidas no dia a dia, sem muito preparo, por colegas que assumem o desafio. Para aprofundar o assunto, o Fórum para cobertura de crises Pamela Howard conversou com Zé Gonzalez, jornalista há 26 anos, dos quais 17 foram na Rede Globo, onde foi gestor de equipes e de conteúdo esportivo.

“Eu caí de paraquedas na função. Recebi uma proposta em 2007 para ser líder do globoesporte.com. No primeiro momento, foi um susto", conta Gonzalez. "Fui para ser chefe de 06 pessoas e saí como chefe de redação integrada com uma equipe de 100. Fui aprendendo na prática, com os treinamentos da empresa e corri atrás de formação e MBA”. 

Demissão e entrevista de emprego

Quantos profissionais já foram demitidos de uma redação com uma conversa sem o menor tato? O jornalista conta que uma das dificuldades da carreira foi ter que demitir alguém pela primeira vez. “É sofrido. Na noite anterior, você pensa na pessoa e na sua família. E pode ser um corte financeiro ou porque a empresa está passando por uma reestruturação e não porque o funcionário fez algo grave”. Ele recebeu treinamentos para contornar da melhor maneira possível a situação. “Nessa hora, você não faz a pergunta de praxe se está tudo bem com o funcionário, porque se ele te contar uma história triste, você fica sem condições de fazer o desligamento. Esse momento não é o do feedback”.

Outra questão é a condução de uma entrevista de emprego. “Ao fazer uma entrevista, olhe no olho da pessoa e faça a conversa em um ambiente onde não exista distração para não passar a impressão de que não está prestando atenção no entrevistado”. Detalhes da gestão de pessoas foram aprendidos na prática, como fazer elogios em público e chamar a atenção no privado. “Nunca ache que está preparado. Tente sempre fazer melhor. Se você é uma pessoa justa e empática, naturalmente, vai se preocupar em ser um bom chefe”, afirma.

Chefe organizado com equipe entrosada

Saber desapegar de uma antiga função e delegar atividades faz parte também de um aprendizado. “Não ache que a pessoa vai fazer como você, as pessoas são diferentes. Se ela entregou 70% do que você faria, já está ótimo. O importante é dar feedback e treinamento”.

Ser um chefe organizado e manter uma equipe alinhada que cumpra os prazos é crucial. “Jornalista tem aversão a números. Aprenda a fazer planilhas, a mexer no Excel, isso irá ajudar no controle dos prazos e na execução das atividades. Eu diria que 08 de cada 10 colegas ignoram essa ferramenta. Aprenda a usar o Trello”.

Ter uma equipe entrosada e diversa que seja estimulada a aprender com a habilidade dos outros enriquece a experiência. “É importante contar com perfis diferentes e se cercar de pessoas melhores que você e que tenham conhecimentos em áreas que você desconhece”. Gonzalez destaca a necessidade de manter uma rede de contatos ampliada. “O gestor é um descascador de pepinos. Às vezes eu não sabia resolver um problema, mas sabia indicar quem saberia”.

Liderando egos

O gestor de pessoas precisa liderar líderes e, muitas vezes, egos.  “O repórter de vídeo, em muitos casos, ganha mais que você. Em algumas TVs são chamados de ‘talentos’. Eu discordo da nomenclatura, todos temos talentos”. Ele diz ser necessário administrar e filtrar a pressão recebida. “Quanto mais alto se sobe, mais rarefeito fica o ar. Eu atuo como um para-raio. Nem toda a cobrança dos meus superiores é transmitida para a equipe. Algumas são filtradas para serem trabalhadas com outras demandas”.

Sobre a solidão do cargo

Inevitavelmente, a chefia exige uma posição mais solitária. “Da noite para o dia, você passa a ser chefe de quem era seu par, de pessoas que encontrávamos no boteco e a ficar fora das rodinhas. A liderança é solitária e faz parte do processo”. Ao mesmo tempo, após assumir o cargo de gestor, Gonzalez afirma que passou a evitar chamar colegas para a sua casa, com medo de parecer que estava privilegiando um grupo.

Ele pondera que o distanciamento pode ser menos doloroso dependendo do seu objetivo. “Nunca fui contratado para fazer amizades. Como esse não era o meu foco, doeu menos ficar fora das panelas. O importante é ser um chefe justo e ajudar as pessoas a se desenvolverem. Você pode ter relações de amizades no seu trabalho. Mas não é o essencial”.

Saúde mental em jogo

A saúde mental vem ganhando cada vez mais abertura nas redações e um gestor precisa ter sensibilidade para lidar com esse assunto. “Há 15 anos, um chefe desconsiderava um Burnout. Essa questão está em evidência e sabemos da sua importância”.

O modelo de liderança mudou e não existe mais espaço para aquele chefe que dá bronca aos gritos. “Atualmente, as equipes e as empresas são mais preparadas para rechaçar comportamentos como assédio moral e atitudes racistas ou misóginas. O ambiente tem que ser desfavorável para essas pessoas se sentirem deslocadas”.

Pequenos gestos contribuem para aumentar o bem-estar da equipe, como saber o aniversário das pessoas e ter uma escuta ativa, demonstrando interesse pelos problemas pessoais. “Seu funcionário vai saber que você se preocupa com ele e terá confiança de pedir uma pausa para resolver um problema familiar ou uma questão de saúde mental”.


Foto: Canva