As emissoras públicas e o desafio da credibilidade

por Clothilde Goujard
Oct 30, 2018 em Diversos

Na semana passada, Craig Hammer abriu a conferência global Public Media Alliance (PMA) em Montreal com um discurso sobre a importância dos meios de comunicação públicos em nosso mundo.

O líder do programa de desenvolvimento global de mídia do Instituto do Banco Mundial argumentou que estamos indo em direção a estados de fragilidade nos níveis nacional, subnacional e local. O hemisfério norte enfrenta um aumento preocupante do nacionalismo, uma crise fundamental de confiança e a cumplicidade entre os proprietários da mídia privada e regimes.

A preocupação dos participantes da conferência sobre a confiança nos meios de comunicação são bem fundamentadas. Poucos dias depois, o Gallup divulgou sua mais recente pesquisa, mostrando que a confiança americana na mídia caiu para a mais baixa de todos os tempos. Menos de um terço dos americanos relatam sentir uma grande ou razoável confiança na mídia. Este valor caiu de mais de metade da população que confiava na mídia em 1997.

Um painel sobre verdade e confiança destacou a importância do jornalismo de investigação, bem como a necessidade dos meios de estabelecer e financiar equipes de investigação adequadas.

Mark Bassant, jornalista investigativo sênior da Caribbean Communications Network (CCN), em Trinidad e Tobago, disse que o advento do jornalismo investigativo no Caribe foi muito necessário, especialmente com a "tendência emergente de corrupção".

A colaboração entre jornalistas de diferentes meios de comunicação para revelar histórias de corrupção internacional -- como o "Panama Papers" - - também tem se mostrado eficaz, disse Will Fitzgibbon, repórter do Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ, em inglês). Ainda assim, ele advertiu jornalistas contra confiar em vazamentos e dados muito facilmente. Ao investigar o "Panama Papers", ele e sua equipe tiveram de ser céticos sobre a proveniência e a confiabilidade dos dados.

"Na era digital, há questões importantes para os jornalistas e o público a pensar sobre de onde os dados são, como estão sendo avaliados e quem financia os jornalistas", disse Fitzgibbon.

O jornalismo investigativo também não é feito sem custos.

Ahmer Shaheen, chefe da unidade de investigação especial na emissora paquistanesa GEO, contou sobre sua luta para convencer seus superiores da necessidade de uma estrutura de investigação organizada na redação. Não fazia sentido financeiro para a emissora investir em histórias que exigiam mais tempo para reportar, mas só seriam veiculadas por alguns minutos, de acordo com Shaheen -- sem mencionar os custos legais.

No entanto, o custo mais preocupante é o "invisível", explicou Shaheen. Investigar a corrupção nas forças policiais ou eleições do Paquistão, por exemplo, pode ser complicado e perigoso. Embora Shaheen ter dito que se sente bem com o seu trabalho arriscado, ele afirmou que às vezes se perguntou se valia a vida das pessoas.

Apesar das dificuldades financeiras e pessoais do jornalismo investigativo, o ICIJ conseguiu descobrir uma história global de evasão fiscal, com a ajuda de 400 jornalistas de todo o mundo. Foi quando Fitzgibbon percebeu como a confiança entre denunciantes e jornalistas, bem como entre os próprios jornalistas, foi a chave para a produção de um grande trabalho como o "Panama Papers".

"O sucesso do 'Panama Papers' e jornalismo colaborativo é que há uma sensação crescente de que a confiança entre os jornalistas pode melhorar a confiança [nos jornalistas]", disse ele.

Conseguir que o público confie na mídia pública pode ser uma luta quando há um sentimento de que os governos estão influenciando o conteúdo que é feito. Waithaka Waihenya, diretor geral da Kenya Broadcasting Corporation (KBC), disse que a emissora lutou para recuperar a confiança de seu público depois de anos usada como uma ferramenta de propaganda, especialmente na década de noventa.

As tensões entre os governos e os meios de comunicação públicos continuam a ser um problema preocupante em muitos países. Fran Unsworth, diretor do Serviço Mundial da BBC, lembrou que muitos jornalistas continuam a ser reprimidos por governos e punidos quando reportam sobre questões controversas.

"Os governos estão tentando controlar a linha oficial ou estão restringindo o fluxo de informações", disse ela. "Temos a responsabilidade de tratar este negócio de democracia com seriedade. Os jornalistas têm de exercer a sua responsabilidade. Se seguirem o caminho de não exercer isso, vão deixar o caminho para os governos nos controlarem."

No Brasil, por exemplo, o presidente Michel Temer demitiu o presidente da Empresa Brasil de Comunicação (EBC) em maio e nomeou ele mesmo o novo presidente da empresa. Alegações de censura do governo começaram logo depois.

"A EBC era um serviço de mídia pública há duas semanas e [tornou-se] uma empresa do governo. Esta é a situação", disse Rita Freire, presidente do Conselho de Curadores da EBC.

Ao encerrar a conferência, Sally-Ann Wilson, CEO da PMA, divulgou os resultados de um projeto de pesquisa chamada “Public media: The cornerstone of democracy" ("Mídia pública: A pedra angular da democracia", em tradução livre). Apesar de "orçamentos de chorar no Ocidente", as emissoras públicas no mundo parecem ligadas à sua missão de servir as suas audiências nacionais que aplicam os princípios de imparcialidade e de confiança, disse ela.

Imagem sob licença CC no Flickr via TEDxRSM. Imagem secondária cortesia de Kristian Porter e Public Media Alliance.