Incidentes antissemitas tiveram um crescimento agudo nos Estados Unidos. A Anti-Defamation League, um grupo de direitos civis de judeus com sede em Nova York que monitora casos desde 1979, identificou 2.717 incidentes em 2021. Isso representa um aumento de 34% em relação a 2020. Na Europa, a Comissão Europeia detectou um aumento de sete vezes em postagens antissemitas em contas em francês, e 13 vezes mais comentários antissemitas em canais em alemão durante a pandemia.
Em conjunto com outros acadêmicos que estudam o antissemitismo, começamos a observar como a tecnologia e o modelo de negócios das redes sociais estavam impulsionando o antissemitismo. Um livro de 2022 coeditado por nós, "Antisemitism on Social Media" (Antissemitismo nas Redes Sociais), oferece perspectivas dos Estados Unidos, Alemanha, Dinamarca, Israel, Índia, Reino Unido e Suécia sobre como os algoritmos do Facebook, Twitter, TikTok e YouTube contribuem para disseminar o antissemitismo.
Como é o antissemitismo nas redes sociais?
O ódio contra judeus nas redes sociais frequentemente é expresso por meio de representações estereotipadas de judeus com origem na propaganda nazista ou que negam o Holocausto.
Postagens antissemitas nas redes sociais também expressam ódio contra judeus baseado na noção de que todos os judeus são sionistas – ou seja, de que eles são parte de um movimento nacional que defende Israel enquanto um estado judeu – e o sionismo é colocado como inerentemente mau.
No entanto, o antissemitismo atual não é direcionado apenas a israelenses e nem sempre assume a forma de slogans tradicionais ou discurso de ódio. O antissemitismo contemporâneo se manifesta em formas variadas, tais como GIFs, memes, vlogs, comentários e reações como curtidas e descurtidas nas plataformas.
A acadêmica Sophie Schmalenberger descobriu que o antissemitismo é expresso não só em linguagem e imagens diretas e ofensivas nas redes sociais, mas também em formas codificadas que podem facilmente não serem detectadas. Por exemplo, no Facebook, o partido radical alemão de direita Alternative für Deutschland, ou AfD, omite a menção ao Holocausto em postagens sobre a Segunda Guerra Mundial. Ele também usa linguagem antissemita e retórica que apresentam o antissemitismo como aceitável.
O antissemitismo pode assumir formas sutis como emojis. A combinação de emojis da estrela de Davi, um símbolo judeu, com um rato se assemelha à propaganda nazista que comparava judeus a pestes. Na Alemanha Nazista, a repetição constante e normalização de representações desse tipo levaram à desumanização de judeus e, por fim, à aceitação do genocídio.
Outras formas de antissemitismo nas redes sociais são ataques antissemitas de trolls: os usuários se organizam para tumultuar eventos online inundando-os com mensagens que negam o holocausto ou espalham mitos conspiratórios, como faz o QAnon.
As acadêmicas Gabi Weimann e Natalie Masri estudaram o TikTok. Elas descobriram que crianças e adultos jovens estão especialmente sob o risco de serem expostos, frequentemente sem intenção, ao antissemitismo na plataforma que é superpopular e cresce rapidamente, com mais de 1 bilhão de usuários no mundo todo. Alguns dos conteúdos postados combinam trechos de filmagens da Alemanha Nazista com novos textos depreciando ou fazendo graça das vítimas do Holocausto.
Pesquisadores dizem que a exposição contínua a conteúdo antissemita na juventude pode levar à normalização do conteúdo e à radicalização do usuário do TikTok.
Antissemitismo algorítmico
O antissemitismo é alimentado pelos algoritmos, que são programados para registrar engajamento. Isso assegura que, quanto mais engajamento uma postagem recebe, mais usuários irão vê-la. O engajamento inclui todas as reações como curtidas e descurtidas, compartilhamentos e comentários, incluindo réplicas a comentários. O problema é que reações a postagens também desencadeiam doses recompensadoras de dopamina nos usuários. Como conteúdos chocantes geram mais engajamento, os usuários se sentem mais estimulados a postarem conteúdo de ódio.
Porém, mesmo usuários que postam comentários críticos em conteúdos de ódio não percebem que, devido à forma como os algoritmos funcionam, eles acabam contribuindo para que esses conteúdos se espalhem.
Pesquisa sobre vídeos recomendados no YouTube também mostra como os algoritmos gradualmente levam os usuários a conteúdo mais radical. O antissemitismo algorítmico é, portanto, uma forma do que o criminologista Matthew Williams chama de "ódio algorítmico" em seu livro "The Science of Hate" (A Ciência do Ódio).
O que pode ser feito a respeito?
Para combater o antissemitismo nas redes sociais, as estratégias precisam ser baseadas em evidências. Mas nem as empresas de mídias sociais nem os pesquisadoras dedicaram tempo e recursos suficientes a essa questão até o momento.
O estudo do antissemitismo nas redes sociais impõe desafios únicos aos pesquisadores: eles precisam de acesso a dados e financiamento para conseguirem desenvolver estratégias efetivas. Por enquanto, os pesquisadores dependem da cooperação das empresas de tecnologia para acessar os dados, que em sua maioria carecem de regulação.
As empresas de mídias sociais implementaram diretrizes para denunciar o antissemitismo nas redes sociais, e organizações da sociedade civil têm exigido ações contra o antissemitismo algorítmico. No entanto, as medidas tomadas até agora são lamentavelmente inadequadas, para não dizer perigosas. Por exemplo, a contra-argumentação, que frequentemente é promovida como uma estratégia possível, tende a amplificar o discurso de ódio.
Para lidar com o discurso de ódio antissemita de forma significativa, as empresas de mídias sociais teriam que mudar os algoritmos que coletam e fazem a curadoria de dados de usuários para os anunciantes, o que corresponde a grande parte de suas receitas.
Há uma disseminação global e sem fronteiras do antissemitismo em postagens nas redes sociais acontecendo em uma escala sem precedentes. Acreditamos que isso vai exigir esforços coletivos das empresas de tecnologia, pesquisadoras e sociedade civil para combater o problema.
Foto por Jeremy Bezanger no Unsplash.
Sabine von Mering é diretora do Centro de Estudos Alemães e Europeus da Universidade Brandeis University e Monika Hübscher é pesquisadora associada e PhD na Universidade de Duisburg-Essen.
Este artigo foi republicado do The Conversation sob uma licença Creative Commons. Leia o artigo original.