As dicas de Orlando Brito: o ‘fotógrafo do poder’

Oct 12, 2020 em Jornalismo multimídia
Brito em frente ao Palácio do Planalto

A primeira lição de um dos maiores repórteres fotográficos do Brasil é fácil identificar. “Eu tenho o maior prazer em fotografar”, diz Orlando Brito.

Gostar do que faz parece óbvio, mas ele alerta: “É uma profissão que você tem que encarar com isenção, com o olhar mais rigoroso possível. Eu não fotografo para mim. Estou substituindo pessoas que não puderam estar aqui. O leitor delega ao fotógrafo aquilo que não pode ver.”

O fotógrafo veterano começou aos 15 anos no jornal "Última Hora”; depois trabalhou no “O Globo”, “Jornal do Brasil” e nas revistas “Veja” e “Caras”. É vencedor de 11 prêmios Abril de fotografia e um World Press Photo Prize, entre outros reconhecimentos.

Brito está prestes a lançar o sétimo livro: “Do Marechal ao Capitão - O Brasil de Castello a Bolsonaro”, os 14 presidentes desde 1976. “Eu digo que se alguém quiser fazer um livro sobre os últimos 50 anos do poder no Brasil, vai fazer, claro. Mas com uma diferença: não será um olho só”, diz Brito. “Nesse livro eu desenvolvi uma narrativa de descrição do que este olho esquerdo viu, entrando na alma de todos os presidentes.”

O histórico lhe rendeu fama de “fotógrafo do poder”, um ambiente que conheceu criança. Em 1956, aos 7 anos, ele e o pai deixaram Janaúba, em Minas Gerais, rumo ao Planalto Central. “Meu pai tinha uma empresa de material de construção para a nova capital brasileira. Essas duas mãozinhas aqui cansaram de colocar tijolos nos palácios, no Congresso.”

Aqui, ele compartilha seu aprendizado ao longo da carreira como fotojornalista em Brasília. 

1- Fique de olho nos detalhes

“É tão grande o domínio do fotógrafo, que cobre o poder, sobre estes personagens, que você advinha até a gravata que ele vai usar. Você sabe o dia que trocaram de perfume, tal proximidade você tem com esses caras”, diz Brito. Assim, avisa ser importante seriedade e responsabilidade do fotógrafo ao interpretar o que está vendo.  

“Imagine o fotógrafo que cobre o Barcelona, o Messi. Ele sabe tudo sobre o Messi. Se engordou, como está sua audição, se apareceu uma mancha a mais na cara. Imagine o fotógrafo que cobre o papa? Ele sabe tudo sobre a Santidade”, explica Brito. “É assim que procedo. Não passa nada por mim que escape: eu sei quantas piscadas, quantas pintas ele tem no rosto, se a máscara que ele está usando é nova, velha, se está do avesso.” 

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2- Aprimore sua técnica com os craques da fotografia

“Pra ficar nesta profissão é preciso estudar a técnica”, diz quem conviveu com os maiores fotógrafos brasileiros e viajou o mundo atrás do trabalho de ícones internacionais. “Hoje você não precisa ir ao México para conhecer o trabalho do Bravo, nem a Paris para ver Bresson. Nem esperar pelo livro do James Nachtwey. Com dois cliques, eles estão na internet”, exemplifica ele. “Não que você vá copiar o trabalho, você vai ver o que já foi feito na fotografia.”

Brito reclama dos que não procuram conhecimento: “Tem quem não sabe hoje quem foi Nick Ut. Ele fez a foto da menininha correndo, pegando fogo, no Vietnã. Uma foto que acabou uma guerra!”. Na lista dele, Evandro Teixeira, Walter Firmo e José Medeiros, estão entre os fotógrafos brasileiros que merecem busca na internet.

3- Escolha a melhor câmera fotográfica para você

“A questão é a seguinte: você é velejadora, mas você não vai a Europa no seu barquinho. Você vai só até ali. É a mesma coisa”, explica Brito. “Eu tenho um celular para eu fazer ‘anotações visuais’. Quando quero fazer um close, captar um movimento, fazer um plano assim ou assado, eu necessito de uma câmara sofisticada.”

Mas qual escolher? “Hoje em dia não existem câmeras profissionais ruins”,  diz Brito, que particularmente prefere as alemãs Leica. “As minhas câmeras têm nome. Uma se chama Cristina, outra Carol… É preciso dedicação ao equipamento.” 

Perfil do deputado Ulysses Guimarães.
Perfil do deputado Ulysses Guimarães feito seis dias antes de seu desaparecimento no mar de Angra dos Reis em 12 de outubro de 1992

4- Cuidado com a pressa

“A velocidade venceu a notícia”, critica o fotógrafo. “Eu estava outro dia no Palácio, numa cerimônia. Éramos uns 12 fotógrafos. O presidente chegou. No primeiro passo dele, um fotógrafo fez a foto e correu para transmitir. Eu falei, cara, não faça isso, ele acabou de chegar, isso aqui é um ato importantíssimo. Imagina o que essa cerimônia vai gerar de imagem”.  

Mas Brito diz que foi ignorado: “Ele bateu no meu ombro e disse: você ficou velho… eu tenho que colocar agora na agência. Ele foi e eu fiquei com a minha velhice esperando a foto importante chegar. Eu acho que essa tecnologia toda não resolve o problema de conteúdo. Ainda é preciso atenção à notícia.” 

Brito também considera que nada substitui a presença do profissional: “Hoje os colegas jornalistas estão cobrindo as ‘lives' de quem está numa manifestação. Ninguém procura mais o entrevistado, espera o que ele diz nas redes sociais.”

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5- Crie proximidade visual com as fontes

“Tenho amigos e tem quem eu trate com indiferença. Isso depende muito de cada personagem”, considera Brito, “Mas por maior que seja a indiferença, isso não quer dizer que eu não tenha proximidade visual. Não tenho ligação com o presidente Bolsonaro, por exemplo, mas sei tudo dele. Já o Sarney, eu fiquei amigo pessoal. Toda semana vou vê-lo. Está velhinho, é um poço de sabedoria.”

Ele pondera que jamais expõe alguém em situação degradante, mas tem compromisso com a história. “Eu tenho respeito pela imagem por mais desagradável que seja. Você é fotógrafo de futebol, faz o Ronaldo quebrando a perna, não publica porque é amigo dele? Não faz sentido.”

6- Sempre busque novidades

Brito tem sua empresa própria, Obrito News, que produz o tempo todo. “São livros, exposições e muita gente compra meu material como colecionador. O mercado se expandiu, por mais que haja crise, ainda tem gente consumindo imagem”, ele conta.

Além da sua agência, ele está no site Os divergentes. Em andamento: uma coleção sobre meio ambiente, uma vasta obra sobre índios brasileiros, uma série chamada “O Brasil às seis da tarde”, com cenas do cotidiano das cidades. 

“O que eu mais faço é olhar o país, o mundo. Eu acompanho os presidentes por aí, mas nos horários livres vou fotografar o povo”, diz Brito. 

Com 56 anos de profissão, ele fala de cada projeto como se fosse o primeiro. E assim deixa mais uma lição: a ânsia de explorar. “Você não faz ideia do volume de informações que passa pela minha tele diariamente.”


Crédito da capa: Gabriela Biló