Defesa jurídica para quem tem liberdade de expressão ameaçada

May 30, 2022 em Liberdade de imprensa
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Após publicar uma reportagem pelo jornal Folha de São Paulo, na qual mencionava bens de propriedade da Igreja Universal, a jornalista Elvira Lobato deparou-se com centenas de processos judiciais movidos por fiéis que a convocaram para diversas partes do país, tornando sua vida uma corrida infinita para se defender nos tribunais.

O emblemático caso ocorreu há mais de 10 anos, mas no Brasil de 2022, publicar reportagens ou simplesmente divulgar informações em redes sociais pode gerar transtornos inimagináveis para um cidadão comum. Foi o que aconteceu no início deste ano com um professor de história do interior de São Paulo (que não autorizou ter sua identidade revelada): após discutir pelo Twitter com um médico que defendia o tratamento precoce para pacientes de Covid-19, ele descobriu que estava sendo processado.

Para lidar com a situação, o professor recorreu ao Tornavoz, associação que busca garantir defesa jurídica especializada àqueles que sofrem ameaças ou processos em razão do exercício da manifestação do pensamento e da expressão. “O Tornavoz tem como objetivo custear a defesa daqueles que tenham sua liberdade de expressão ameaçada ou constrangida de algum modo. Não é só uma sensação, pesquisas mostram que aumentou muito o número de ataques nesse sentido”, afirma uma das fundadoras do projeto, a advogada Taís Gasparian.

Brasil na zona vermelha

Segundo um relatório elaborado pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), em 2021, foram registrados 453 ataques contra comunicadores e meios de comunicação. De acordo com os dados analisados: em 69% dos casos, a agressão foi provocada por um agente estatal. O presidente Jair Bolsonaro (PL), sozinho, atacou a imprensa 89 vezes no último ano, o que representa 19,6% dos ataques.

Em outro documento, produzido pela Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e TV (ABERT) em 2021, foram relatados 145 casos de violência não letal contra profissionais e veículos de comunicação e 29 decisões judiciais que envolviam a imprensa.

O aumento nos casos de ataques à imprensa fez com que o Brasil alcançasse a chamada "zona vermelha" no Ranking Mundial de Liberdade de Imprensa da organização internacional Repórteres Sem Fronteiras (RSF), saindo da 107ª posição para a 111ª. Desde 2002, quando a RSF começou a publicar a pesquisa sobre as condições para o exercício de jornalismo em 180 países, essa é a pior colocação do Brasil, que figura ao lado de países como Bolívia, Nicarágua, Rússia, Filipinas, Índia e Turquia.

Financiamento para as defesas

O Tornavoz surge após Tais Gasparian constatar que muitos dos veículos e cidadãos acabam cedendo a ordens judiciais, intimidados pela pressão dos processos, por não terem conhecimento sobre prazos e ações jurídicas.“Quando a gente vê a forma como os jornalistas e os veículos acabam sendo condenados, a gente vê a fragilidade desses profissionais que não possuem sequer condições de terem uma boa defesa judicial", diz Gasparian. "Muitas vezes, eles não são processados por alguém que esteja realmente interessado em ter os seus danos reparados, mas sim por uma vontade quase explícita de constrangimento, de botar medo”.

Para arcar com custos da defesa judicial, o Tornavoz tem diferentes formas de financiamento. Atualmente, a associação conta com um projeto para defesa de mulheres jornalistas financiado pela Unesco e com financiamento do Google Grants (braço social da Google), além de doações de pessoas físicas. “Talvez a gente não consiga atender todos os casos, mas entendemos que a organização já é uma forma de mostrar a resistência da sociedade civil", diz a advogada e diretora executiva do Tornavoz, Charlene Miwa Nagae. "Se um político quiser processar um jornalista, ele vai saber que existe uma organização que vai fazer frente a isso”.

Atuar no financiamento das defesas judiciais é também uma escolha estratégica: a associação espera, dessa maneira, incentivar a formação de profissionais especializados na defesa da liberdade de expressão no Brasil. “Não é uma área muito lucrativa e poucos se interessam por esse assunto. Nossa intenção é contribuir com o pagamento desses advogados justamente para que mais profissionais busquem essa área”, afirma Gasparian.

A escolha do advogado é feita pelo cliente e o Tornavoz acompanha todo o processo. A associação também pode atuar como ‘Amicus Curiae', ou amigo da corte, que é quando uma instituição fornece argumentos técnicos aos tribunais, contribuindo para a preservação dos direitos do cliente e para o conhecimento de todos que estão envolvidos no processo.

O Tornavoz pretende ainda promover cursos para advogados que queiram se especializar na área e para jornalistas. “O uso de certas palavras ou ironias pode atrapalhar as matérias e fazer com que esses profissionais caiam em armadilhas”, exemplifica Gasparian.

Como conseguir apoio da associação

Como os recursos são finitos, o Tornavoz atua prioritariamente em defesa de veículos de mídia locais e/ou que pertençam a grupos que são historicamente marginalizados, em especial a população LGBTQIA+, pessoas negras e mulheres. “Nossa prioridade é atuar com pessoas ou pequenos veículos de mídia digital que atuam em regiões afastadas dos grandes centros e que são essenciais para o exercício da democracia", explica Gasparian. "Justamente por serem essenciais, por fazerem pressão nas pequenas cidades, eles podem ser constrangidos e levados a fazer acordos para retirada de seus conteúdos”.

Em ano de eleição brasileira, onde a sociedade apresenta-se ainda mais polarizada, o Tornavoz assume um papel importante na defesa dos direitos dos cidadãos. “O que a gente tenta fazer é olhar para as decisões sobre a liberdade de expressão de uma maneira técnica e pensar na preservação do direito em si e não em resolver o problema da polarização que existe no país hoje", afirma Nagae. "Se a gente for guiado só pela polarização, a qualidade das decisões judiciais também vai sair prejudicada”.

Quem estiver precisando de ajuda, basta acessar o site, no botão "peça sua defesa" e preencher um formulário. 


Foto: Logomarca do projeto extraída do website