Da checagem de informação à conversão de bases de dados em matérias, IA está mudando redações na Nigéria

Dec 25, 2024 em Inovação da mídia
The painting shows a person standing on a staircase made of green and pink cubes, symbolising a Penrose staircase, in a cosmic environment. The person is reaching towards a glowing cross-shaped structure emitting binary code, representing AI's reach into the future. Surrounding the figure are outlined boxes showing various  elements, such as glasses, medical tools, a self-driving car, and financial symbols, interconnected by white lines. The background is dark with star-like dots and features colour-coded b

Com a IA revolucionando práticas do jornalismo no mundo todo, redações na Nigéria estão cada vez mais integrando novas ferramentas relacionadas à tecnologia para aprimorar matérias e verificação de fatos.

Embora não sejam capazes de substituir o trabalho humano, essas ferramentas de IA podem realizar uma variedade de tarefas. Do resumo e análise de grandes bases de dados à verificação de informações, a nova tecnologia está de fato moldando e mudando a forma como as redações da Nigéria funcionam.

Saiba como:

Desmonte de informações falsas

A internet possibilitou que as pessoas acessassem e compartilhassem informações rapidamente. Essas informações são na maioria das vezes disseminadas nas redes sociais, onde notícias falsas se espalham seis vezes mais rápido que notícias factuais

Mas informações falsas não se espalham somente nas redes sociais. Elas também chegam via rádio, observa Silas Jonathan, diretor de pesquisa e investigações digitais da Dubawa, projeto de verificação de fatos do Oeste da África criado pelo Centre for Journalism Innovation and Development. Reconhecendo isso, em maio de 2024 a Dubawa passou a usar um chatbot alimentado por IA e uma plataforma em áudio para desmentir informações falsas.

"Quando falamos sobre verificação de fatos e desinformação, consideramos apenas as redes sociais. Mas nós percebemos que as pessoas mentem muito no rádio e falam coisas enganosas, mas ninguém faz o acompanhamento para verificar", explica Jonathan. "Nós decidimos criar a Dubawa Audio Platform para ajudar jornalistas a monitorar e identificar alegações falsas no rádio e desmenti-las." 

Após o cadastro, os usuários podem utilizar a Dubawa Audio Platform para monitorar programas de rádio ao vivo, transcrever gravações em áudio e verificar afirmações.

Diferentemente da maior parte das ferramentas de IA atuais, que são criadas com orientação ocidental, a ferramenta permite que jornalistas transcrevam gravações locais de áudio em ganês, dialetos do inglês nigeriano e inglês pidgin. A organização também planeja expandir a plataforma para idiomas locais de Gana e da Nigéria, bem como em árabe e francês, afirma Jonathan. 

Já o Dubawa Chatbot funciona no WhatsApp, gerando respostas para consultas e conteúdos enviados pelos usuários. Jonathan explica que o chatbot também gera links que os usuários podem visitar para obter mais informações.

As respostas são baseadas em verificações realizadas pela Dubawa e a International Fact-checking Network. "Quando você faz uma consulta, ele não te dá respostas aleatórias de fontes desconhecidas. Ele te dá um retorno e referências de informações já verificadas que seguiram um processo editorial", diz Jonathan.

Um desafio destacado por ele é o atraso na obtenção de informações verificadas que não estão disponíveis na base de dados do chatbot. "Quando você faz uma consulta sobre algo que ainda não foi verificado, você não obtém nenhuma resposta viável. A resposta precisa ter sido verificada ou produzida por um veículo de credibilidade escolhido por nós para integrar nossa base de dados", explica. 

No geral, o número de usuários que usam as ferramentas está aumentando. De acordo com Jonathan, no último mês, o chatbot teve um recorde de 9.000 usuários e o Dubawa Audio chegou a 4.000 pessoas em Gana e na Nigéria.

Transformando dados em matérias

Em 2022, a Dataphyte, organização de mídia, pesquisa e análise de dados nigeriana, lançou uma ferramenta de IA de fonte aberta chamada Nubia, que ajuda os usuários a analisarem grandes bases de dados e transformá-los em matérias.

Essas matérias são um "primeiro rascunho" que editores humanos precisam aprimorar, explica Ibilolia Akahome, diretora de programas e desenvolvimento de negócios da Dataphyte. "Essa ferramenta foi criada como uma sinergia entre a inteligência artificial e a inteligência humana", diz. "O primeiro rascunho precisa ser melhorado por jornalistas."

Bernardo Motta, professor de jornalismo da Universidade Roger Williams, reforça a importância da supervisão humana no uso da ferramenta. "O que torna as matérias boas e atrativas para as pessoas é aquela conexão humana. Quando estamos falando de jornalismo, em que você trata de pessoas reais, a IA não tem essa informação, ou quando tem, distorce", diz Motta. "É um problema quando a IA chega a uma conclusão."

A ferramenta Nubia ajudou Oluwasegun Abidoye, analista de dados e jornalista investigativo da Dataphyte, a produzir uma variedade de matérias no último ano. Em julho, por exemplo, ele usou a ferramenta para uma matéria que analisou se os consumidores estavam de fato tendo um serviço compatível com valor pago a empresas de distribuição de energia na Nigéria.

"Eu subi o banco de dados para a ferramenta e ela me retornou uma matéria real. Foi bem útil e fácil de usar, e me poupou tempo", diz Abidoye. "Com a Nubia, conseguimos saber se as empresas estavam ou não fornecendo energia suficiente, e até mesmo a receita total." 

Porém, um grande desafio que Abidoye encontrou foi não conseguir enviar várias bases de dados de uma só vez para fazer uma comparação entre eles. "Nós queríamos comparar as descobertas com outro país, mas a base de dados inicial não conseguiu fazer isso. Tivemos que gerar outras bases de dados", diz.

Entendendo como ferramentas de IA funcionam

Para estimular o uso das ferramentas, tanto a Dubawa quanto a Dataphyte estão investindo em capacitação. Somente neste ano, a Dataphyte realizou mais de 20 sessões de capacitação para profissionais de mídia, professores e estudantes universitários, de acordo com Akahome, enquanto a Dubawa capacitou mais de 4.000 jornalistas para o uso de IA na África, em países como Gâmbia, Quênia, Libéria, Nigéria e África do Sul.

Tendo em vista as preocupações éticas surgindo a partir do uso de ferramentas de IA nas redações, Motta argumenta que a ética do jornalismo deve fazer parte dos programas de capacitação. 

"Nós nunca podemos supor que as pessoas que estão fazendo jornalismo foram capacitadas em ética jornalística, por isso o tema deve fazer parte da capacitação. Jornalistas precisam entender como ferramentas de IA são criadas e como funcionam. Se você for ensinado somente a usar uma ferramenta, você é substituível", diz. 

Jornalistas também precisam estar cientes dos dados que ferramentas de IA podem estar coletando sobre si próprios. "Se você está usando uma ferramenta sem saber o que ela está fazendo, posso te garantir que ela está coletando suas informações, e esse é outro problema para a ética jornalística, porque isso pode revelar informações sobre fontes", acrescenta Motta.


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