Criando proteção jurídica para jornalistas investigativos

por Alyssa Mesich
Oct 30, 2018 em Jornalismo investigativo

Jornalistas investigativos estão constantemente sob ameaça de processo. Seu trabalho expõe as injustiças sociais e violações dos direitos humanos, às vezes levando a processos por parte de governos ou grandes corporações.

A Rede Africana de Centros de Reportagem Investigativa (ANCIR, em inglês), liderada pela pesquisadora Khadija Sharife, foi pioneira em um método de blindar o trabalho do grupo contra litígios e ameaças legais. Para produzir reportagens investigativas, a ANCIR baseia-se em uma impressionante rede de apoio, incluindo jornalistas no campo, analistas de dados, acadêmicos e juristas.

O Investigative Lab (iLab) da ANCIR é a casa de especialistas internos que têm extensa experiência de campo de investigação em segurança digital, metadados de mineração e litígio e processo penal. A equipe do iLab expõe complexas redes de esquemas de Ponzi, esquemas de preços dúbios e ativos escondidos.

A metodologia exclusiva da equipe de jornalismo garante que os dados sustentam a matéria e seu trabalho é examinado por um editor litigador. Seu foco em convergência de jornalismo, dados e lei estabeleceu a ANCIR como um novo e importante centro de jornalismo investigativo.

A ANCIR publicou ou colaborou em uma série de grandes investigações que expuseram delito corporativo com sucesso.

  • Em maio, Sharife publicou Rough and Polished: South Africa Shortchanged on Diamond Trade na 100Reporters, expondo como a mineradora mundial de diamantes De Beers parece ter se esquivado de impostos de até US$2,8 bilhões, notificando valor de menos dos diamantes exportados da África do Sul. Como parte de sua investigação, Sharife recorreu ao Centro Leverhulme para o Estudo do Valor da Universidade de Manchester para eles completarem a pesquisa acadêmica revisada por pares, o que verificou (e substanciou) os fatos da reportagem de Sharife. Este foi posteriormente apresentado ao parlamento da África do Sul, onde está sendo usado como base para reformas legais. Por seu trabalho, Sharife foi recentemente nomeada jornalista financeira online do ano na África do Sul pela Sanlam, um proeminente grupo de serviços financeiros do sul-africano.
  • Mais recentemente, a ANCIR se juntou ao Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ) para publicar  “Fatal Extraction", expondo o custo humano do império de mineração da Austrália em toda a África. A matéria utilizou a equipe do iLab de ANCIR para verificar fatos e analisar milhares de documentos para extrair evidências sobre mortes e injustiças relacionadas a minas de propriedade australiana na África.
  • “Catch and Release", um ensaio de investigação publicado no World Policy Journal, fez uma exposé difícil com um magro orçamento de US$500 usando uma ampla gama de ferramentas. "Isso foi feito em resposta a algumas redações nos dizendo que uma concessão de US$500 não poderia ser útil", disse Sharife, acrescentando que a subvenção, financiada pela Open Society Initiative West Africa (OSIWA), foi aplicada aos custos de pesquisa e não salários. A investigação multi-país revelou os fluxos financeiros escondidos que sifavam fundos de investidores, incluindo as pensões de países como o Reino Unido, através de paraísos fiscais como o Chipre, pela comercialização de investimentos exóticos em Serra Leoa e outros países africanos.

Perguntamos a Sharife mais detalhes sobre a metodologia da ANCIR. Aqui estão suas respostas.

Como o iLab funciona?

Nosso objetivo não é produzir conteúdo in-house de investigação por si só. Nós somos mais como uma garagem que tem o objetivo servir -- através da formação, colaboração e ferramentas -- o veículo que vem a nós. Temos orçamento e pessoal muito limitado. Infelizmente, isso significa que temos que ser seletivos. O propósito por trás de nossas investigações in-house é fornecer amostras do que pode ser feito e como. Nós também somos novos, por isso vai levar tempo para ficarmos experientes. Queremos ser provados e comprovados, para aprender, e quando nós falharmos, queremos falhar de forma rápida mais barata; queremos assumir nossas falhas para que possamos mudar o projeto. Nós falhamos e é provável que falharemos muitas vezes mais.

Pode explicar o que quer dizer com "editor litigador"?

Heinrich Böhmke, um advogado sul-africano, pegou a estrutura jurisdicional, adaptou-a para o mundo do jornalismo investigativo e desenvolveu maneiras engenhosas, relevantes e práticas. Ele examina o trabalho de nossos parceiros, membros e outros onde para ter certeza de que os artigos estão sem o tipo de vulnerabilidade ou lacunas que poderiam derrubar ou enfraquecer matérias que de outra maneira seriam boas. Os jornalistas nem sempre seguem seu conselho. Pode ser difícil de engolir. Esta é realmente a melhor parte do iLab e o serviço mais em demanda.

Quais os recursos que você recomendaria a um jornalista investigativo interessado no modelo da ANCIR?

Eu recomendaria o iLab. É um centro de investigação virtual que transcende silos; é original e eficaz. Eu sei pouco e gasto uma grande quantidade de tempo fazendo perguntas. O iLab é um lugar seguro e confidencial para fazermos as perguntas que importam. Temos a sorte de ter algumas das melhores mentes de plantão e estamos sempre à procura de outras. Ferramentas como sourceAfrica, que usamos em "Catch and Release" para nosso arquivo parcial de evidência, são extremamente úteis-- mesmo para mim, o tipo que gosta de papel e caneta.

Os melhores recursos, porém, seriam sua mente, sua integridade, sua humildade... Estes são inatos e mais difícil de manter -- com nós mesmos e nossas histórias. Sem eles, as outras coisas são apenas a fachada.

A IJNet também recomenda Verification Handbook for Investigative Reporting, editado por Craig Silverman e produzido pelo Centro de Jornalismo Europeu. O capítulo 4, “Corporate Veils, Unveiled: Using databases, domain records and other publically available material to investigative companies", foi escrito por Sharife. 

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