Congresso da Abraji aponta desafios jornalísticos em novos cenários político, econômico e social

por Kalinka Iaquinto
Jul 3, 2019 em Jornalismo investigativo
Congresso da Abraji

Militares de volta ao poder. Notícias falsas endossadas pelo presidente do país. Imprensa atacada e perseguida por governantes e seus seguidores. Polarização política intensificada. Fechamentos recorrentes de veículos de mídia e demissões em massa. No 14º Congresso Internacional de Jornalismo Investigativo, realizado pela Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo) entre 27 e 30 de junho em São Paulo, esses e outros temas foram debatidos por estudantes e profissionais da imprensa.

“O mundo está inflamado e quando a gente joga mais inflamação em cima, só piora”, destaca Cris Bartis, cofundadora do podcast Mamilos, durante o debate Cobrindo política sem fomentar a polarização. A saída, na avaliação dela, é centrar a conversa nas pessoas. “Temos de construir pontes (entre os que pensam diferente), ao invés de provar pontos.”

A questão é como fazer isso na prática. No caso do Mamilos, a solução tem sido colocar frente a frente pessoas que pensam de forma diferente para discutir os mais variados assuntos. Segundo Bartis, ao final de cada programa o que se percebe é que há mais semelhanças que diferenças entre elas, o que permite melhores reflexões.

Contudo, essa não é a única saída possível. Um olhar para o passado mostra que a forma do público reagir à imprensa mudou. Se antes as interações se resumiam a críticas, processos e reclamações, hoje a realidade é outra. Com o uso das redes sociais, a velocidade de disseminação de uma notícia –seja ela verdadeira ou não– é praticamente instantânea. Fora que o acesso às tecnologias possibilitou a todos comunicarem o que pensam, mesmo que não haja ponderação ou responsabilidade ao fazer isso.

No Brasil têm sido frequentes os casos em que após a publicação de uma matéria os jornalistas são atacados e têm suas vidas –e de pessoas próximas– expostas nas redes sociais. No ano passado, após publicar a matéria “Empresários bancam campanha contra o PT pelo WhatsApp”, a jornalista Patrícia Campos Mello, da Folha de S. Paulo, teve seu celular raqueado; “enviou” a partir de seu celular mensagens de apoio ao então candidato à presidência, Jair Bolsonaro; e teve a sua vida e a da filha ameaçadas. Acostumada a cobrir conflitos armados, Campos Mello se viu, de repente, sendo acompanhada por um motorista que faria sua segurança em plena São Paulo. O relato foi dado pela repórter durante o painel “Jornalismo sob ataque”. No mesmo painel, Constança Rezende falou pela primeira vez sobre a polêmica que envolveu seu nome e o da família Bolsonaro. No caso, o próprio presidente brasileiro, o qual tem forte presença nas redes, compartilhou uma notícia envolvendo a jornalista.

Para Pierpaolo Bottini, coordenador do observatório de liberdade de imprensa da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a legislação penal brasileira é a solução para separar críticas ácidas dirigidas a jornalistas do que é crime de fato. O advogado defende que “a reação a essas atitudes deve ser imediata” e orienta os atacados a fazer um print screen das ofensas/ameaças, uma ata notarial em cartório e registros em delegacias e Ministérios Públicos para instaurar inquéritos.

A imprensa em descrédito

Os ataques de Bolsonaro à imprensa e a jornalistas são frequentes. É cada vez mais disseminada entre seus seguidores a ideia de que a “imprensa mente”.

“Não concordo com isso. Ao generalizar você acaba criando tumulto”. A declaração é do general da reserva e ex-ministro-chefe da Secretaria de Governo da Presidência, Carlos Alberto Santos Cruz, em entrevista aberta aos jornalistas Julia Dualibi e Daniel Bramatti, no primeiro dia do Congresso. Para ele, o uso sem responsabilidade da internet “cria tumulto e dificulta a governabilidade”. Ainda assim, o militar foi reservado em suas críticas ao governo Bolsonaro.

Durante o painel “Imprensa e bolsonarismo: o desafio de cobrir um governo que estigmatiza o jornalismo”, Thaís Oyama, ex-Veja, lembrou que o atual governo elege a imprensa que confia e a que não merece a atenção do Planalto. Ao mesmo tempo, lembra Nelson Sá, da Folha de S. Paulo, o presidente participa regularmente de cafés da manhã –que não podem ser gravados ou fotografados– com profissionais que cobrem o Palácio do Planalto. “Bolsonaro tem ficado mais esperto, mais malandro. Não perde a oportunidade para execrar, caluniar e destratar. Sabe o impacto que sua popularidade tem”, destaca Oyama.

Fernando Barros e Silva, diretor de redação da revista Piauí e apresentador do podcast Foro de Teresina, acredita que a atual administração federal se caracteriza pelo ressentimento. E faz um alerta: “Não podemos cair na armadilha de tratar o governo da forma que ele quer ser tratado. O remédio é o jornalismo sério”. Barros e Silva cita ainda os recentes escândalos da Vaza Jato, publicadas pelo The Intercept Brasil. “Quem não sabia que era assim? Quem duvidava?”, pergunta.

O editor-executivo do The Intercept Brasil, Leandro Demori, concorda com Barros e Silva. O sucesso da operação policial se deve, em parte, à atuação dos profissionais de mídia, afirma Demori. “Sem a cobertura da imprensa, a Lava Jato não teria acontecido”, ressalta ao dizer que a Vaza Jato deveria ser uma oportunidade para que os profissionais de imprensa avaliassem a forma como vem atuando nos últimos anos.

“Fizemos muito pouca apuração própria na Lava Jato. São raríssimos os casos em que se pega o que está acontecendo na zona processual e se tocam linhas paralelas de apuração”, Demori diz, advertindo que os responsáveis pelas investigações e envolvidos na Operação Lava Jato vem tentando guiar a narrativa contra as denúncias que estão sendo publicadas. “(Dizem) somos anticorrupção e vocês querem acabar com a Lava Jato, que é o que vai acabar com a corrupção no Brasil. Isso é uma narrativa falsa.”

O 14º Congresso Internacional de Jornalismo Investigativo tratou ainda de temas regionais como jornalismo na Amazônia e em zonas de conflito, o jornalismo colaborativo, novos formatos, dados, fake news e checagem, uso de ferramentas para facilitar o trabalho dos profissionais, além de palestras de apoiadores e repórteres investigativos nos estandes, durante os intervalos.


Imagem do prédio da Universidade Anhembi Morumbi, em São Paulo, onde foi realizado o Congresso da Abraji, cortesia de Kalinka Iaquinto