A equipe do site paraguaio El Surtidor diz ter a particularidade de ter nascido ao mesmo tempo em que a desinformação começou a viralizar. Prestes a completar sete anos, o site de jornalismo visual é o único veículo no Paraguai que realiza verificação de fatos de forma constante.
Depois das eleições internas partidárias de dezembro de 2022, o El Surtidor tem o desafio de fazer verificação de fatos em meio a uma campanha eleitoral repleta de desinformação. As próximas eleições gerais serão em 30 de abril e têm como candidatos favoritos Santiago Peña, do Partido Colorado — partido que ocupa o poder atualmente — e, em segundo lugar, Pedro Efraín Alegre, da Conciliação Nacional, aliança da oposição.
Diretora editorial e cofundadora do El Surtidor, Jazmín Acuña garante que neste contexto a circulação de informação falsa tem fins eleitorais. Ela dá como exemplo uma análise que o site publicou recentemente sobre "as narrativas que intoxicaram o debate em torno do projeto de reforma educacional" (conhecido como Plano Nacional de Transformação Educacional) que o atual governo tenta implementar. Grupos autodenominados pró-vida e ligados a um dos partidos que disputa o poder nas próximas eleições gerais "divulgam muita desinformação de gênero sobre esse plano", acrescenta.
Para contrapor essa desinformação, o El Surtidor analisou os discursos gerados sobre o plano para identificar quais são os mecanismos discursivos usados. De acordo com Acuña, "eles apelam muito para o patriotismo, equiparam a identidade nacional ao conservadorismo e usam a velha estratégia da construção do outro como o inimigo interno que responde a interesses estrangeiros". O que o El Surtidor tenta fazer é "oferecer à audiência mais elementos de como esse discurso é construído".
Para a diretora do site, a desinformação em torno do Plano Nacional de Transformação Educacional no Paraguai é uma "estratégia eleitoral" que está sendo aperfeiçoada desde o ano passado com as eleições internas partidárias. Acuña afirma que "a desinformação de gênero é um elemento-chave neste período eleitoral", sendo "a primeira vez no país que ela é usada e instrumentalizada com finalidade eleitoral".
O El Surtidor detectou que campanhas de desinformação como esta desviam a atenção de acusações graves que ocorrem no país. Em janeiro, os Estados Unidos condenaram o atual vice-presidente paraguaio Hugo Velásquez e o ex-presidente (2013-2018) Horacio Cartes por "corrupção" e "vínculos com organizações terroristas" como o Hezbollah. Ambos são do Partido Colorado, sendo Cartes o atual presidente da sigla política.
Segundo Acuña, "fala-se de gênero para não falarem sobre isso. Eles conseguem saturar as redes com os assuntos que desinformam. Um ponto particular dessas eleições que vai seguir crescendo até abril". Além disso, ela afirma que "neste momento todos os porta-vozes do presidente [Cartes] do Partido Colorado estão dizendo que não existem provas das acusações dos Estados Unidos, quando na verdade elas existem". Uma investigação do El Surtidor traz evidências que fortalecem as acusações contra Cartes.
"Nas próximas semanas, vamos fazer uma cobertura mais extensa sobre a desinformação no período eleitoral", adianta Acuña, pois o El Surtidor entende que a informação de qualidade e precisa é um elemento fundamental para a democracia. "Quando não podemos confiar na informação, quando os debates estão saturados, quando ambas as coisas são afetadas, a qualidade da informação é baixa", diz a diretora.
A editoria La Precisa e o podcast semanal
Desde o início, o El Surtidor identificou que a desinformação "se tornou algo cotidiano, assim como a crise climática ou a desigualdade de gênero", explica Acuña.
Rapidamente o site criou uma seção dedicada exclusivamente a monitorar a desinformação. Na editoria La Precisa, a equipe verifica as informações de políticos, economistas, empresários, jornalistas, figuras públicas, meios de comunicação e outras instituições formadoras de opinião pública. Desde 2020 o site também verifica informação científica e de pesquisas relacionadas à pandemia do coronavírus. Neste artigo, a repórter Juliana Quintana conta o passo a passo de como foi a checagem de desinformação na pandemia.
Acuña diz que durante este período a equipe recebia de sua audiência muitos áudios de aplicativos de mensagens com informação falsa relacionada à COVID-19. Para analisar essas informações, o veículo criou um podcast semanal, um "formato amigável com as redes sociais e com os aplicativos de mensagens" de onde se originava a desinformação. "Respondemos com áudio. Vamos inovando, vendo o que funciona conforme o contexto."
Imagem principal cedida pelo El Surtidor.