Por muitos anos, políticos, acadêmicos e jornalistas têm dito que a desinformação afeta a população latina nos Estados Unidos muito mais do que outros segmentos populacionais no país. Mas por que isso acontece?
A principal resposta é bem simples: nos Estados Unidos, a população latina normalmente não tem acesso a informações confiáveis em espanhol, o que é um recurso muito necessário para muitas pessoas.
Jornalismo de qualidade em espanhol nos Estados Unidos é uma mercadoria escassa e subfinanciada. Quem desinforma se aproveita disso e das lacunas de informação resultantes: eles espalham conteúdo falso ou enganoso que ou enfraquece instituições democráticas ou afeta negativamente a informação em assuntos como saúde, imigração, direitos eleitorais, dentre outros. Os responsáveis buscam, por meio desses esforços, enriquecer e ganhar poder.
Quando falo de jornalismo de qualidade, me refiro ao conteúdo que é bem pesquisado, aborda questões relevantes para os grupos impactados, como a população latina, e é apresentado em formatos apropriados para essa população, nos canais que ela usa.
Os latinos, o maior grupo minoritário dos Estados Unidos, são um coletivo difícil de ser definido, pois englobam um grupo de pessoas com origens diversas com laços em dúzias de países. Ao mesmo tempo, eles têm traços que contribuem para uma identidade em comum.
Depois do inglês, o espanhol é o idioma mais amplamente falado nos Estados Unidos, com mais de 41 milhões de pessoas utilizando-o regularmente em casa, de acordo com a Agência do Censo dos Estados Unidos. Isso é quase 12 vezes mais a quantidade de pessoas que falam idiomas chineses, que vêm na sequência das línguas mais faladas no país. Os Estados Unidos são o quinto maior país falante de espanhol do mundo, atrás apenas do México, Colômbia, Argentina e Espanha.
No entanto, a importância que a sociedade dos Estados Unidos deposita no espanhol não corresponde proporcionalmente ao grande número de pessoas que falam o idioma. Instituições públicas e privadas, bem como organizações de mídia, na maioria das vezes não dão aos falantes de espanhol a atenção que merecem, incluindo informação em espanhol.
Nesse cenário, quem espalha desinformação foca na população latina com narrativas de desinformação moldadas estrategicamente. Eles levam em consideração as redes sociais que os latinos usam, as formas como eles se comunicam e se conectam online entre si nos Estados Unidos e com suas famílias e amigos no exterior, as questões com as quais mais se preocupam, seus medos e sua desconfiança em certas instituições. Ao mesmo tempo, as reações para tentar conter essas narrativas são dispersas e insuficientes até o momento.
Combater informação falsa em espanhol nos Estados Unidos é uma batalha muito difícil. As formas pelas quais a desinformação se adapta para atingir a população latina nos Estados Unidos não são totalmente claras e o volume de conteúdo falso ultrapassa a produção de conteúdo confiável em espanhol onde ele é necessário. O número de veículos jornalísticos que atualmente fazem checagem de fatos em espanhol ou cobrem especificamente a população latina não atende a demanda dessas populações.
É exatamente por isso que, em abril de 2022, o Chequeado e a Maldita lançaram o Factchequeado, uma iniciativa colaborativa para unir esforços contra a desinformação em língua espanhola nos Estados Unidos. Nossa comunidade é composta por quase 50 parceiros de mídia que até o momento trabalham juntos em 19 estados e em Porto Rico.
Quais assuntos carecem de informação de qualidade e mais aparecem em narrativas de desinformação?
Para saber mais sobre as questões que mais afetam a população latina nos Estados Unidos, fizemos um estudo inicial no Factchequeado que rendeu resultados interessantes. Consultamos um grupo de jornalistas que fazem parte da comunidade de parceiros de mídia do Factchequeado e os perguntamos sobre as lacunas de informação que eles notaram em suas próprias comunidades latinas e que estavam tentando corrigir. Queríamos analisar as visões e reflexões de quem está na linha de frente da batalha contra a desinformação direcionada aos latinos nos Estados Unidos.
A conclusão? Há certas questões, como processos de imigração, que são particularmente problemáticas para a população latina de uma forma dupla: há muita desinformação ao mesmo tempo em que falta informação confiável.
A pesquisa também lançou luz sobre as dificuldades relacionadas à barreira do idioma. Muitos latinos não se sentem confortáveis em consultar informação confiável em inglês e não conseguem encontrar um equivalente em espanhol. Além disso, aplicativos de mensagens instantâneas, como o WhatsApp, são uma porta de entrada para a desinformação em espanhol chegar aos falantes de espanhol nos Estados Unidos por meio de seus países de origem.
O questionário que aplicamos aos nossos parceiros de mídia perguntava a eles sobre oito tópicos principais sobre os quais estudos anteriores haviam detectado desinformação ou lacunas de informação nas comunidades latinas: COVID-19, questões de saúde, processos e procedimentos de imigração, questões políticas, eleições, mudança climática, feminismo e políticas de gênero e direitos LGBTQ+.
Para cada um desses tópicos, nós pedimos aos participantes que avaliassem até que ponto há informação confiável disponível e quanta desinformação eles haviam detectado. Os participantes usaram uma escala de 1 a 5 para avaliar cada tópico, 1 significando que o assunto não é um problema para sua comunidade e 5 significando que é um grande problema.
Descobertas
Uma das nossas descobertas imediatas foi que todos os oito tópicos tanto carecem de informação confiável quanto têm uma quantidade considerável de desinformação circulando a seu respeito. A pontuação média dada pelos nossos respondentes aos assuntos foi 3,71/5 em termos da falta de informação rigorosa e 3,78/5 no que diz respeito à presença de informação falsa.
Uma questão, em particular, se destacou das demais: imigração. Ela teve a maior pontuação, 4/5, tanto para a falta de informação confiável quanto para a presença de informação falsa. As respostas tiveram repetidas referências a problemas criados pela escassez de informação e igualmente pelo conteúdo falso.
Os jornalistas que participaram do estudo perceberam que a falta de informação sobre a mudança climática não era tão grande como em outros assuntos, e que também há menos informação falsa a respeito. Mesmo assim, o tema teve uma pontuação de 3,43/5 para as lacunas de informação e 3,31/5 para a desinformação em torno da mudança climática. O problema de fato existe, a situação só não é tão péssima quanto a dos outros temas.
Os participantes também ranquearam a COVID-19 e a política com uma nota 4/5 em termos de informação falsa.
Quando consideramos as lacunas de informação, os resultados para os direitos LGBTQ+ e para a COVID-19 ilustram diferenças importantes. Os direitos LGBTQ+ pontuam mais alto para a falta de informação e mais baixo para a desinformação na comparação com os outros tópicos. O oposto ocorre com a COVID-19, que ranqueou mais alto em relação ao volume de informação falsa sobre o assunto e mais baixo para a falta de informação confiável.
A maioria dos participantes acredita que a desinformação em espanhol está aumentando e que a imigração é o tópico em que as informações falsas mais crescem. Antes do estudo, o tema da imigração já liderava outros rankings de pesquisas sobre as questões mais preocupantes relacionadas à desinformação.
Um respondente do nosso questionário apontou que 2024 é um ano eleitoral tanto nos Estados Unidos quanto no México. Ele previu que a desinformação vai aumentar por causa disso, especialmente em relação à imigração entre os dois países e aos direitos eleitorais de imigrantes.
Alguns jornalistas que responderam nosso questionário também perceberam que a desinformação política está em alta, enquanto a desinformação relacionada à saúde está em declínio. Um participante colocou dessa forma: "desinformação relacionada às vacinas está cada vez menos comum e desinformação relacionada à política 'antiwoke' está em alta".
Porém, outros participantes apontaram que a desinformação está crescendo em todas as áreas.
Este é apenas o primeiro estudo que realizamos no Factchequeado para entender melhor como a desinformação atinge a população latina e falante de espanhol que mora nos Estados Unidos. Há mais pesquisas por vir.
Se você é repórter, editor ou proprietário de um veículo que serve latinos nos Estados Unidos, entre em contato conosco e faça parte da nossa comunidade. Se você é acadêmico e quer fazer pesquisas com os nossos dados e conteúdo, aguardamos o seu contato também.
Imagem principal por Ashni via Unsplash.
Este artigo foi originalmente publicado pela IJNet em espanhol.