"Temos que deixar de falar da pobreza somente através dos números", sugere Micaela Urdínez, editora e diretora do projeto Hambre de Futuro (Fome de Futuro), do jornal argentino La Nación, que informa em profundidade sobre a dramática situação vivida no país, muito além da capital.
Urdínez participou do último webinar do Fórum Pamela Howard de Cobertura de Crises da IJNet. Ela conversou por cerca de uma hora com Diana Manzo, diretora da Istmo Press, e Colette Lespinasse, jornalista e diretora executiva da ONG haitiana Grupo de Apoio a Repatriados e Refugiados.
"A pobreza na Argentina aumentou 11% desde a chegada do presidente Javier Milei. É claro que os números dão a dimensão do problema, mas eles anestesiam a audiência e as pessoas não se escandalizam. Eles não refletem a profundidade. Os números não contam histórias, não refletem o dia a dia dessas famílias, como é viver esse estresse diário. Devemos dar um rosto e humanizar essas histórias", explicou Urdínez, que enfatizou a necessidade de visitar as comunidades afetadas pela pobreza e dar visibilidade a essas pessoas.
Já Manzo afirmou que a cobertura da pobreza no México costuma ficar em segundo plano em relação a outros problemas que, paradoxalmente, são resultado da pobreza em questão.
"A violência está silenciando muitas comunidades. Há pessoas se deslocando por causa da violência e por desastres climáticos. No estado de Chiapas há uma alta incidência de roubo de carros. Temos violência dentro das famílias e falta de acesso à saúde digna", comentou a jornalista, cujo foco é a cobertura de Oaxaca, um dos estados mais atingidos pelo tráfico de drogas no México.
Para Lespinasse, há um posicionamento do Haiti como um país pobre, em que não se explica a história de exploração e saqueamento que a nação viveu desde a colonização. "Não se dedica tempo para falar da história do Haiti, sobre como o país se levantou diante da escravidão. É preciso explicar as consequências de políticas nacionais impostas por atores internacionais", disse.
Cobertura da resistência
As especialistas concordam que uma das respostas para cobrir a pobreza está no jornalismo de soluções. O que as pessoas fazem para enfrentar a pobreza, a violência dos grupos armados e para resistir aos fenômenos climáticos?
No caso do projeto Hambre de Futuro, foi feita uma cobertura em âmbito federal, com os jornalistas viajando por todas as províncias do país para abordar a pobreza infantil. Inclusive, o site do projeto tem uma seção chamada "Soluções em andamento", com histórias de resiliência e medidas tomadas por atores civis e organizações sem fins lucrativos em parceria com as comunidades para melhorar a qualidade de vida das pessoas.
"O sucesso do projeto tem a ver com a humanização e com o rosto que foi dado às estatísticas, e com a fato de que as pessoas puderam se sensibilizar, entender e se aproximar do fenômeno da pobreza. Em termos jornalísticos, é difícil para as pessoas suportarem a aproximação com a marginalidade. Quando se conta uma história de vida, a pessoa pode ter empatia e fazer-se perguntas sobre a sua própria realidade", disse a diretora.
Na mesma linha, Lespinasse garante que é importante mudar a narrativa e dar visibilidade ao modo como as comunidades resistem em um país onde os grupos armados controlam a nação, roubam a colheita e animais de agricultores, e onde a responsabilidade de muitas famílias recai sobre as mulheres (cerca de 40% dos lares do Haiti são monoparentais).
"O povo também está resistindo. Está buscando soluções de como fazer a comida chegar até eles. As pessoas passam por caminhos perigosos, pagam a grupos armados para conseguir comida. Os agricultores que passam por essa situação também acolhem famílias desabrigadas que se refugiam no campo para fugir da violência da capital. Não se deve cobrir somente as organizações internacionais que fazem estudos sobre a fome, mas também como as famílias que vivem essas situações no país estão resistindo", disse a jornalista e assistente social.
Você pode ver o webinar completo abaixo:
Imagem de Riya Kumari via Pexels.