3 jornalistas contam o que fizeram após deixar a redação

Sep 7, 2020 em Sustentabilidade da mídia
Paulo José Cunha, Cristina Serra e Conceição Freitas

Quem conhece redação, seja de jornal, TV ou rádio, sabe que o trabalho é viciante e apaixonante, enquanto as oportunidades são reduzidas. 

De acordo com o Volt Data Lab, entre 2012 e 2018, 2.327 jornalistas foram demitidos de redações e houve um total de 7.817 demissões totais em empresas de mídia, no Brasil. Além disso, chega uma hora que essa história cansa: plantões e deadlines se tornam exaustivos.

Muitos jornalistas vivem essas situações na faixa dos 50 anos. “É muito puxado ir para rua todos os dias em busca de notícia”, diz o jornalista, escritor e professor, Paulo José Cunha

Planejamento financeiro

Cunha trabalhou no Jornal do Brasil e na TV Globo Brasília, entre 1976 e 1996. Fez parte do time que inaugurou o telejornal “Bom Dia Brasil”. Aos 45 anos, virou seu próprio patrão montando uma produtora de vídeos.

“Quando deixei a Globo, a primeira preocupação foi financeira. Sempre tive o dinheiro garantido no fim do mês. É um susto não ter mais isso”, conta Cunha. E então ele foi atrás de estabilidade: se tornou professor de telejornalismo pela Universidade de Brasília, em 1997, e entrevistador concursado na TV Câmara, em Brasília, em 2004.

A mesma preocupação financeira teve a jornalista Cristina Serra. Em 2018, aos 55 anos, ela decidiu não renovar contrato com a TV Globo, onde trabalhou como repórter por 26 anos.

“Eu sai de um salário que dava e sobrava. Tive que fazer um planejamento financeiro. Cortei o que podia cortar”, diz ela. Em termos práticos, Serra foi morar num apartamento menor, abdicou de roupas caras, parou de frequentar salões de beleza e pode contar com o aluguel de um apartamento próprio. “O que tive que perder em termos materiais foi muito pouco em comparação à minha liberdade profissional”, ela conta. 

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A cronista e repórter Conceição Freitas passou por um processo parecido no sentido de cortar gastos. Foram 40 anos em diversas redações e 11 prêmios jornalísticos, incluindo um Esso Nacional. Em 2015, aos 58 anos, ela se viu sem emprego depois de 20 anos no jornal Correio Braziliense, quando começaram a cortar profissionais.

“O meu salário era muito bom. Não me preocupava com dinheiro”, explica Freitas. “Hoje eu tenho o básico. Eu não saio, por exemplo, para almoçar fora, mas não sinto falta.”

A importância dos contatos e carteira de trabalho

Cunha diz que muitos trabalhos que a sua produtora de vídeo conseguiu foram graças aos seus contatos ao longa da carreira. “Não podemos sair do radar”, orienta ele. O mesmo diz Serra: “Eu já fazia um trabalho de media training e portanto tinha um network. Isso paga as minhas contas”. Cunha concorda que uma carreira já consolidada ajuda numa carreira solo: “Se você tem o nome feito, fica mais fácil fazer freelas.”

Serra foi montando o que ela chama de uma “carteira de trabalho”. Além de media training, faz participações em canais de notícia do YouTube, dá palestras sobre seus livros (“Tragédia em Mariana” e “Uma história de conservação: a Mata Atlântica e o Mico Leão Dourado”) e montou um website próprio. “Minha dica é olhar para todas os lados, ver todas as oportunidades”, diz Serra. “Apostar ficha num lugar só pode ser complicado, o melhor é espalhar fichas.”

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“Ninguém sobrevive sem uma rede de contatos para ser lembrado”, concorda Freitas, que trabalhou recentemente num freela de um ano e meio para o portal Metrópoles. Ela faz também edição e revisão de publicações.

Há cinco anos, Freitas comprou do Governo do Distrito Federal a concessão para usar a banca de jornal da 308 sul, a superquadra modelo no Plano Piloto de Brasília. De jornalista, ela virou “jornaleira”. Não vende jornais, mas “notícias” de Brasília na forma de peças de design, livros, jóias sobre a história, a arquitetura e o cerrado brasiliense. “É como se eu tivesse criado a minha própria redação, já que me tiraram dela”, diz ela.

Qualidade de vida e autonomia

Serra conta que foi graças à independência profissional que pode conviver mais com o pai no último ano de vida dele, em 2019. Sua família mora em Belém, ela no Rio de Janeiro. “Duas coisas que eu ganhei: dispor do meu tempo como eu quero e fazer um trabalho autoral”, pontua ela, que acabou de concluir o terceiro livro (título ainda não definido). A obra é uma compilação de entrevistas que ela fez na década de 80, com 12 escritores consagrados.    

Cunha também é um defensor do trabalho autônomo: “Eu não acredito mais no emprego formal de jornalistas. Hoje você só depende de si mesmo para escrever, é dono da sua publicação”, diz ele. “Você tem que se antecipar ao emprego, sabendo se vender, continuar pedalando com os recursos que a internet oferece”.

Ele considera ainda que uma saída interessante para jornalistas é montar cooperativas. “O site Congresso em Foco, por exemplo, onde sou colaborador, começou assim e hoje é um veículo de expressão”, diz Cunha. Ele se aposentou da TV Câmara este ano, mas continua professor na Faculdade de Comunicação da UnB, escreve letras de música, livros de poesia e é co-autor do “1001 Dicas de Português”. Agora começou a escrever um manual para profissionais de TV.

“Acho bom não ter chefe, nem horário”, destaca Freitas. Serra faz uma ressalva sobre o jornalista aceitar trabalho gratuito. “Claro que ninguém vai cobrar por uma participação numa live”, diz ela, “mas um texto, um artigo, uma palestra levam tempo de apuração e produção. O trabalho tem que ser valorizado, nem que seja com um valor simbólico”.

Freitas é otimista para quem quer novos rumos. “Cada caminho é singular e o seu pode ser um caminho que nunca ninguém fez”, diz ela, animada com a reabertura gradativa de sua banca neste momento de pandemia.

“A nossa área está cada vez mais em evolução. A palavra de ordem para os profissionais de comunicação é versatilidade”, afirma Serra, que valoriza o amadurecimento profissional: “Depois dos 50, eu pensei: eu não tenho mais todo o tempo do mundo para fazer o que eu quero, então vou aproveitá-lo da melhor maneira.”


Fabiana Santos é brasileira e mora em Washington. Ela é jornalista freelance, produtora e editora de vídeos, e responsável pelo site Tudo sobre minha mãe.

Imagem principal: colagem de fotos de Paulo José Cunha, Cristina Serra e Conceição Freitas. Cortesia dos jornalistas.