10 livros de jornalistas para brindar o fim de um ano tenso

Dec 11, 2022 em Diversos
Livros

Foram meses de leitura em que livros assinados por jornalistas investigativos abriram a caixa-preta sobre o sujeito ainda ocupante da cadeira de presidente da República e no qual jornalistas escritores continuaram a examinar, em modo estético, a realidade brasileira por meio do perfil, da crônica e do romance.

O que pensar sobre o Brasil hoje e qual a melhor forma de expressar angústias à direita e também à esquerda, com suas demandas de neutralidade na língua, por exemplo? O que diriam o romântico José de Alencar e o realista Machado de Assis se desembarcassem no Rio de Janeiro em plena parada de empedernidos defensores da ditadura militar?

Nem a imaginação elegante de Sérgio Rodrigues, ao colocar os dois grandes escritores no presente, poderia prever as bizarrices do período que se encerra, no qual o jornalismo e a literatura entrevistaram a nação em busca de sentidos: o que está no passado e precisa ser mantido, o que explica os tempos atuais e suas contradições e o que poderá vir caso a gente brasileira não desperte urgentemente para os monstros antidemocráticos à espreita.  

 

1) Sem máscara: o governo Bolsonaro e a aposta pelo caos

Guilherme Amado apostou na organização narrativa do caos entendido como modus operandi do governo Bolsonaro. Inspirado pelo clássico Notícias do Planalto, de Mário Sérgio Conti, o jornalista carioca abre bastidores para construir uma história do presente tensa e urgente. Com suas fantasias verde-amarelas, os patriotas da frente do quartel não vão curtir, podem ter certeza. Até porque o que se lê é o processo proposital de manutenção do poder nas mãos de poucos, tão poucos que podem ser enumerados. [Companhia das Letras, 446 páginas]

 

2) O ovo da serpente: nova direita e bolsonarismo: seus bastidores, personagens e a chegada ao poder

E são esses e os outros nacionalistas que Consuelo Dieguez busca compreender no livro cujo subtítulo é praticamente uma sinopse. Assim como na obra de Amado, o surpreendente e assustador aqui é o tamanho do fenômeno espalhado pelo Brasil que pouquíssimos foram capazes de enxergar, um pensamento de direita que beira o fascismo, pede a volta da ditadura e atinge de ruralistas a donas de casa, alguns dispostos a tomar chuva e sol diante de quartéis. Os intelectuais de esquerda fazem pouca ideia do que se enraizou onde seu discurso não alcança qualquer repercussão (entre evangélicos, para ficar no exemplo mais gritante). A serpente não está mais mascarada e falta-nos um antiofídico. [Companhia das Letras, 328 páginas]

3) O negócio do Jair: a história proibida do clã Bolsonaro

Juliana dal Piva descobre a trajetória de enriquecimento de cobras criadas em manipulação de fantasmas, coleta de verbas de gabinete e outros favores nada republicanos. Mesmo sem conseguir ouvir os protagonistas familiares envolvidos, a repórter monta quadro de dar nó na cabeça de quem não acredita na informação checada e oferecida pelo jornalismo profissional. A verdade que liberta é a mesma que apedreja, para pegar carona metafórica em um hipotético e infernal Augusto dos Anjos. [Zahar, 328 páginas]

 

4) Ao Brasil, com amor

Se Bolsonaro e bolsonarismo estão nos subtítulos das grandes reportagens publicadas em livro, algo parece não combinar com o que se esperava do Brasil. Situados na Europa, Jamil Chade (na Suíça) e Juliana Monteiro (na Itália) trocaram correspondência durante a pandemia à procura de razões e emoções sobre essa estranheza, essa sensação de que a casca está sempre por rachar rajadas de ódio. Nesse olhar quase estrangeiro, as cartas migram com muita intensidade da tela para o papel, do efêmero para uma possível e poética permanência. [Autêntica, 136 páginas]

 

5) Inventário das sombras

E é isso, existência larga no tempo, que a literatura deseja. Para captar como são elaboradas essas respostas com a linguagem, José Castello encontrou um modo generoso de adentrar a alma de escritores brasileiros e estrangeiros. Aos 15 perfis da primeira edição, juntam-se agora neste volume atualizado dois novos retratos (Raimundo Carrero e João Gilberto Noll) e uma selfie, para usar expressão na onda digital. Jornalista cultural dos mais experientes e também autor de ficção, Castello sabe ouvir as angústias pessoais em meio à paixão dedicada à palavra. [Record, 322 páginas]

 

6) A vida até parece uma festa: a história completa dos Titãs

Originalmente de 2002, este relançamento incorpora os últimos 20 anos à biografia da "maior" banda do Brasil, que anunciou reencontro da formação original nos palcos em 2023. Especialista em anos 80, André Alzer se junta a Hérica Marmo para montar este panorama tão divertido quanto cáustico, inclusive com a presença dos bichos escrotos que saíram e ainda saem dos esgotos. [Globo Livros, 574 páginas]

7) Paulo Leminski: o bandido que sabia latim

E se o momento é de retomar parte de um Brasil que foi abandonado nos últimos anos, nada melhor do que a poesia ampla e irrestrita do iconoclasta Leminski, alinhavada pela pena correta de Toninho Vaz. Fora de catálogo havia nove anos, a biografia vem com brindes fotográficos e continua a desgostar a família, obrigada a engolir a publicação, que revela, em capítulo inédito, a existência de um filho do artista. [Tordesilhas, 392 páginas]

 

8) Por quem as panelas batem: crônicas políticas (2013-2021)

Antonio Prata não é exatamente jornalista, mas escreve em jornal mais e melhor do que muitos de nós. Como excelente leitor do cotidiano, seus textos estão entre não ficção (fato) e ficção (faro), encaixando notícia real no que a linguagem pode oferecer de melhor: a leveza de outro ponto de vista. Previu que o governo Bolsonaro não poderia mesmo "dar certo" e nos divertiu com papo similar a uma pipa que voa mesmo sem rabiola que lhe dê lá muita coerência. Deliciosamente imperdível. [Companhia das Letras, 320 páginas]

 

9) Solitária

O romance de Eliana Alves Cruz recebeu ótimas avaliações em publicações respeitadas, destacando-se no panorama dos lançamentos do mercado editorial em 2022. Bem escrito e fluente, convida leitores e leitoras, em cada curto capítulo de suas três partes, a um exame sobre as relações humanas estabelecidas a partir dos quartos da empregada e do porteiro, lugares onde se despeja parte importante da consciência na sociedade urbana brasileira. [Companhia das Letras, 166 páginas]

 

10) A vida futura

Em breve aparição na abertura deste texto, o romance de Sérgio Rodrigues retorna aqui para um desfecho que coloca em cena o possível encontro entre séculos e mundos. A geografia do passeio de Machado e Alencar pelo Rio de Janeiro do século 21 respira contradições e, por isso, inspira cuidados. Dos livros de ficção de autores jornalistas, é disparado o melhor da safra, porque nele se sente que a política literária em moda não deveria jamais escapar à inquietação estética, entre o culto e o popular. [Companhia das Letras, 163 páginas]


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