Quais são os compromissos éticos do jornalista? Qual o limite entre o interesse público e a vida privada de uma fonte? Essas são perguntas que estão na rotina de muitos trabalhadores da imprensa e que frequentemente voltam à discussão quando um caso como o da atriz Klara Castanho vem à tona. Na ocasião, dados sigilosos da artista foram vazados para um jornalista que acabou publicando as informações. E situações como essas, infelizmente, não são raras na história da imprensa.
O professor da UFSC e coordenador do Observatório da Ética Jornalística (Objethos) Rogério Christofoletti diz que é importante que as comissões de ética funcionem, e elas ainda são bastante invisíveis. “Mas é preciso, acima de tudo, disseminar uma cultura de discussão ética entre os jornalistas. Quanto mais se discutem erros, mais é possível encontrar soluções e evitar que eles se repitam”, diz. Diferente de outras profissões como Direito e Medicina, não é possível cassar o registro profissional de jornalistas antiéticos. Isso porque quem concede esse documento é o Estado.
Pensar coletivamente
A jornalista Gabriela Mayer, da BandNews FM e uma das fundadoras da Rádio Guarda Chuva, diz que uma estratégia que usa é a conversa entre os colegas. “Acho que pensar coletivamente sobre a ética e sobre os limites do interesse público é uma maneira positiva e relevante de construir as respostas de que a gente precisa para conseguir trabalhar com responsabilidade”, afirma.
Mayer diz que se sentiu impactada pelo caso envolvendo a atriz Klara Castanho, em que ela foi exposta ao entregar para doação um filho fruto de um estupro que sofreu. “Eu tenho dúvidas se a gente precisa noticiar os casos que nascem em uma coluna de fofocas e que ganham as redes sociais. A gente discutiu muito se deveria dar a informação e se não estaríamos submetendo a atriz a novas violências”, conta. No fim, quando a própria atriz decidiu se manifestar, resolveram também noticiar. “Para nós, a notícia era a sequência de violências a que essa mulher foi submetida. Então às vezes é preciso ajustar o ângulo”, conclui.
Debate permanente sobre limites
O debate sobre o interesse público parece estar interligado à postura do jornalista. Christofoletti diz que é quase uma expressão mágica entre jornalistas: serve para guiar e serve para justificar eventuais abusos. “É necessário manter um debate permanente sobre os nossos limites como jornalistas, para que não haja confusão entre ‘interesse público’ e o mero ‘interesse do público’, algo que está muito mais próximo da satisfação de uma curiosidade passageira e superficial”, aponta.
O jornalista Marcelo Soares, da Lagom Data, e que trabalhou por muitos anos na grande imprensa, conta um caso que lhe marcou. “Tinha planejado uma série de reportagens sobre os bastidores da criação e da operação de uma política pública extremamente importante. Publiquei a primeira, foi um sucesso de leitura, gerou debate. Mas percebi que ela foi elogiada e criticada pelos motivos errados, e com isso o material não estava atingindo o objetivo de qualificar o debate público a respeito”, explica. Com isso, ele optou por não continuar a série. “O pagamento daqueles frilas fez falta, passei meses me acusando de autocensura na frente do espelho. Mas se não for pra ajudar a qualificar o debate público, prefiro nem fazer”, reflete.
Fausto Salvadori, co-fundador da Ponte Jornalismo, que trabalha com direitos humanos e segurança pública, diz que a melhor referência de interesse público é o bem estar das pessoas envolvidas. “Principalmente aquelas que estão em posições de vulnerabilidade. Nos casos mais delicados, fazemos uma avaliação conjunta, com as pessoas envolvidas e às vezes com movimentos sociais, do quanto dar aquela notícia pode ajudar a reparar uma injustiça (uma prisão injusta, uma violência policial, por exemplo) e do quanto pode colocar em risco a vida das vítimas, e só então decidimos pela publicação ou não”, comenta.
Influenciadores e big techs
Cada vez mais importante na disseminação das informações, as grandes plataformas digitais também têm responsabilidades pelo conteúdo publicado, assim como os chamados influenciadores digitais. Para Christofoletti é um debate paralelo ao da responsabilidade jornalística, mas urgente. “Deve-se considerar limites legais - não podem caluniar, difamar, injuriar, disseminar discursos de ódio e discriminação, etc… - e limites éticos”, acredita.
Já Soares observa que a natureza das redes sociais acaba incentivando o processo. “Quanto mais um conteúdo engaja o debate, mais as pessoas se mantêm na plataforma e são impactadas", diz ele. "Temas como esse da jovem atriz valem ouro para as plataformas porque mobilizam uma legião de fofoqueiros que passam o dia inteiro falando da vida alheia, outra de pessoas bem intencionadas que passam o dia inteiro lembrando do absurdo que isso é e outra de pessoas deploráveis que passam o dia inteiro sendo desagradáveis”, complementa.
Como boa parte do debate público se tornou mediado por essas plataformas, para Salvadori, a gestão das big techs tornou- se algo decisivo para a sobrevivência das democracias. “As empresas não podem gerenciá-las como se administrasse uma fábrica de refrigerante. As regras têm que ser claras e transparentes, assim como os algoritmos”, pontua.
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