A violência eclodiu na eleição presidencial dos Estados Unidos em 2020 durante manifestações de centenas de apoiadores do ex-presidente Donald Trump, que tomaram as ruas para protestar contra o que chamavam, sem evidência, de fraude eleitoral.
No dia 14 de novembro de 2020, a jornalista freelance Talia Jane usava sua conta no Instagram para cobrir um confronto entre cerca de 200 manifestantes pró-Trump e 80 anti-Trump nas ruas de Washington quando uma pessoa a atingiu, causando o sangramento de sua orelha. Naquele dia, milhares de apoiadores ocuparam as ruas em várias cidades do país e jornalistas sofreram uma onda de agressão como nunca antes. Daniel Silva-Pinto, repórter do jornal O Globo, cobria uma marcha a favor de Trump quando vários manifestantes o atacaram fisicamente. Naquela mesma noite, Laura Jedeed, jornalista freelance que fazia a cobertura para a sua própria newsletter no Substack, foi atacada verbalmente e ameaçada por vários manifestantes.
Esses incidentes sinalizaram o começo de uma nova era de insegurança física para os jornalistas nos Estados Unidos, um problema que colegas em cidades pelo mundo, como Joanesburgo, Caracas e Cidade do México, já viviam.
É importante que jornalistas estejam cientes dos perigos em potencial e tomem medidas para proteger a si mesmos ao mesmo tempo em que fazem seu trabalho com precisão e responsabilidade.
Eu reuni os conselhos a seguir a partir da minha experiência com o treinamento de jornalistas na América Latina, África e Oriente Médio. Em maio de 2023, compartilhei essas recomendações com jornalistas de Zacatecas, um estado dominado pela violência no centro-norte do México. Eu nunca tinha pensado, até há pouco tempo, que essas sugestões também podem ser valiosas para jornalistas nos Estados Unidos ou em outros países:
- Crie protocolos de segurança para cada cenário possível. Repórteres devem ir para a rua com protocolos estabelecidos e acordados com seu editor. Se um repórter freelance não tem o apoio de uma redação, deve trabalhar com outros freelance ou colegas para criar um conjunto comum de procedimentos de segurança.
- Quando possível, planeje sua cobertura em detalhe e com antecedência. O ideal é que isso envolva explorar com antecedência o local da sua cobertura. Assim que chegarem no local, jornalistas devem inspecionar os arredores rapidamente e identificar rotas de escape e lugares onde possam buscar proteção caso haja violência. Essa inspeção também pode incluir a identificação de áreas elevadas onde eles possam tirar fotos ou gravar vídeos.
- Esteja ciente de quem são as pessoas violentas e suas motivações políticas, religiosas, econômicas ou culturais. Jornalistas precisam saber, com a maior quantidade possível de detalhes, quem vai reagir com mais agressividade a jornalistas e como pode vir a ser essa agressão.
- Decida quais circunstâncias exigem o uso de identificação ou vestimenta distintiva para sinalizar que você é jornalista. Normalmente, é melhor se identificar claramente como membro da mídia. Mas em alguns casos isso pode atrair mais violência. Independentemente do caso, documentos de identificação devem sempre estar à mão e disponíveis para serem usados quando necessário.
- É essencial a comunicação constante com a redação. Jornalistas na rua devem se certificar de que seus celulares estejam completamente carregados e terem seus carregadores em mãos caso precisem deles. Repórteres também podem carregar um celular pequeno adicional para ser usado exclusivamente para fazer ligações (não precisa ser um smartphone). Evite levar um laptop para uma manifestação potencialmente violenta. Faça uma cópia de segurança de informações sensíveis e delete-as do seu telefone se houver o risco de perda ou roubo durante uma manifestação violenta. É melhor se o seu aparelho for criptografado para proteger informação sensível.
- Evite contato com grupos que promovem violência ou com forças de segurança que estão prestes a impor medidas de controle de multidão. Sempre que as circunstâncias permitirem, mantenha uma distância segura de pelo menos 12 metros de quem estiver ameaçando usar violência. É crucial evitar ser pego em um confronto entre manifestantes rivais ou entre manifestantes e forças de segurança.
- Faça transmissões ao vivo com equipes de duas ou mais pessoas. Isso permite que pelo menos uma pessoa preste atenção aos acontecimentos e potenciais ameaças à segurança na área enquanto a(s) outra(s) pessoa(s) faz a transmissão. Use lentes teleobjetivas e, se houver violência, interrompa a transmissão se sua segurança estiver em risco.
- Entrevistas com manifestantes ou outras pessoas devem ser realizadas nos cantos da rua, com as costas do entrevistador voltadas para a parede. O repórter deve ser capaz de ter uma visão completa do que está acontecendo ao seu redor.
- Em situações de fogo cruzado ou se tiros forem disparados contra os manifestantes, esteja preparado para se esquivar, buscar cobertura, avaliar se você está de fato ouvindo tiros e então identificar a fonte e os atiradores. Jornalistas devem seguir esses passos também no caso do disparo de balas de borracha. Elas também podem ser letais ou causar dano severo se atingirem os olhos.
Este recurso é parte de um kit de ferramentas sobre cobertura de eleições e como identificar desinformação, produzido pela IJNet em parceria com o Chequeado e o Factchequeado, e com apoio do WhatsApp.
Foto por Damien Checoury via Unsplash.