Jornalistas moçambicanos enfrentam desafios para combater a desinformação gerada por IA

6 août 2025 dans Combate à desinformação
IA ROBÔ

Apesar da desinformação gerada através de ferramentas de Inteligência Artificial ser um fenômeno novo em Moçambique, já constitui uma preocupação crescente. Alguns jornalistas e organizações de defesa da liberdade de imprensa e de expressão, como o Misa Moçambique, alertam que as redes sociais Facebook e WhatsApp, as mais usadas no país, são os veículos de maior circulação de vídeos, textos e fotografias manipulados e que depois são replicadas oralmente.

Os dados de monitoramento e verificação efetuados pela unidade de verificação de fatos do Misa Moçambique, o MisaCheck , indicam que os tipos mais comuns de desinformação gerada por IA em Moçambique, nos últimos dois anos, incluem a manipulação textual, como declarações falsas atribuídas a figuras públicas e ou instituições.Também circulam imagens alteradas digitalmente para ilustrar eventos que nunca ocorreram.

Falta letramento digital 

Para os jornalistas, a situação tem um grande impacto na formação da opinião publica e por conseguinte, nas suas atividades, a medida em que afeta a credibilidade e a confiança pública.O cenário é agravado pelo baixo nível de escolaridade e de letramento digital por parte da população, que passou a ter as redes sociais como principal fonte de informação.

Num país onde a mídia tradicional tende a migrar para o digital, jornalistas, ainda mostram pouco domínio para checar desinformação e sobretudo a gerada por IA. "Poucas redações têm protocolos internos claros para lidar com conteúdos suspeitos,  limitando-se a verificação das informações tradicionalmente", diz Slaide Muthemba, do Misa Moçambique, que alerta para outro ponto: "As escolas e universidades de jornalismo não têm incorporado nos seus currículos a questão da desinformação ou de verificação de fatos".

Faizal Ibramugy, jornalista há mais de vinte anos e atualmente director editorial do Jornal Rigor, diário online em funcionamento há três anos, explica que grande parte das redações moçambicanas trabalham o fact checking boca-a-boca, fazendo perguntas sobre a notícia suspeita ao ligar para outro jornalista. "Se o colega não conhece a informação, a conclusão é descartá-la. Então, o recurso disponível para verificação de fatos são os amigos e as páginas oficiais de governo, ainda que também existem páginas institucionais duplicadas e não atualizadas", diz Ibramugy.

Buscando aprender

Ibramugy conta que tem buscado aprender como identificar deepfakes e textos produzidos por IA com intenção de desinformar. “Usamos algumas ferramentas on-line gratuitas, há algumas disponíveis no Google onde colocamos a informação para checar, principalmente textos, e nos permite perceber a percentagem de utilização  de IA na elaboração do texto", explica Ibramugy. "Acho que são ferramentas que todos os jornalistas moçambicanos, e principalmente editores, deviam ter o domínio. Eu, por exemplo, checo sempre que o jornalista me manda alguma informação, se for 20% de IA até é aceitável, mas 100% quer dizer que o jornalista não trabalhou, logo os dados que me apresenta são suspeitos”.

Trata-se de um exercício que também tem sido feito pelo Jornal Ngane. “A IA é uma ferramenta poderosa e como toda tecnologia, pode ser usada tanto para o mal, assim como para o bem. Nós no Ngane, temos algumas extensões no navegador que usamos para verificar texto, fotografias e vídeos sintéticos”, diz Lourenço Soares, jornalista e gestor de mídias sociais.

Os jornalistas entrevistados citam ferramentas como o Google Reverse Image, Deepwere Scanner e Invideo no combate a desinformação. Ainda assim, este acesso no país é um desafio. "Grande parte de jornalistas não dispõem de computador ou telefone com acesso à internet", explica Soares.

Por conta própria

Rui Djedje, jornalista da MBC TV, é dos poucos profissionais da sua redação que tem domínio de algumas ferramentas para detectar desinformação gerada por IA. Recentemente ele passou por uma formação sobre jornalismo digital onde aprendeu como detectar textos e imagens produzidas por IA.

"Ainda há lacunas no seio da classe jornalística em relação a detecção de informações falsas e isso acontece por causa do fraco investimento das instituições de formação de jornalistas em disciplinas ligadas a tecnologia", analisa Djedje. “No meu caso, a  vantagem é que passei por formação e também procuro aprender por conta própria. E isso recomendo aos outro colegas: investigar as novas tendências e desafios do jornalismo.”

Misa Moçambique vai criar rede de colaboração 

De acordo com Muthemba, o MISA Moçambique tem procurado investir em formações sobre desinformação, verificação de fatos, e o uso de ferramentas digitais tanto para jornalistas quanto para  instituições publicas e o público no geral. Além disso, a organização desenvolve a advocacia com vista a criação de  políticas públicas para o fortalecimento e combate à desinformação, com enfoque nos meios digitais.

“Estamos neste momento desenvolvendo uma plataforma que vai  servir como uma rede para a colaboração entre os verificadores, jornalistas e pessoas interessadas na luta contra a desinformação” diz Muthemba.

 "É preciso percebemos que a IA não é uma inimiga, ela ajuda a impulsionar o nosso trabalho e também a enfrentarmos de melhor forma as necessidades de mão de obra, mas como profissionais precisamos dominá-la ao nosso favor", Ibramugy. Suares concorda que é preciso investir na capacitação e acompanhar sempre a evolução tecnológica no jornalismo. "Até com mecanismos de parcerias com as gigantes tecnológicas. O certo é que não podemos ficar para atrás”, diz o jornalista. 


Foto: Canva (criada por IA)