Desinformação no Brasil: além de checar, é hora de cobrir o tema

16 févr 2023 dans Combate à desinformação
Mapa com lupa

A história de checagem de notícias no Brasil está tomando outro patamar. Agora, além de checar, se tornou necessário “cobrir” a desinformação. Não é mais apenas ver o que é falso ou verdadeiro, mas investigar a fundo o tema e suas nuances.

Este novo tipo de cobertura é o propósito da Lupa, fundada em 2015 e que leva o título da agência mais antiga de fact-checking do Brasil. “Está mais difícil checar informações porque as narrativas ficaram mais sofisticadas”, diz Natália Leal, CEO da Lupa. “Por isso precisamos reempacotar a nossa cobertura, incluindo mais análise e buscando mais respostas”.

Leal explica que é necessário acompanhar o Congresso Nacional, com assuntos como as leis sobre desinformação. E também o encaminhamento do judiciário a respeito. “Além disso, o combate a desinformação é uma agenda deste governo atual e a gente precisa ficar de olho”, completa a jornalista.

A desinformação e os 3 poderes

Para estar mais perto dos 3 poderes do país, Chico Marés, que trabalha na Lupa desde 2017, foi transferido do Rio de Janeiro para ser repórter na capital do país. “A gente quer cobrir desinformação como tema que pode estar em políticas públicas, em ações judiciais e até mesmo na esfera policial”. Entre as investigações de Marés nesta nova fase está a história exclusiva que ele descobriu sobre um pastor de Goiás que usou o pseudônimo de ‘Regina Brasil” para coordenar os ataques em Brasília, no dia 08 de janeiro.

Entre os assuntos espinhosos que precisam de atenção está o papel das plataformas digitais no processo de combate a desinformação. “O mais sensível é equiparar as plataformas digitais como empresas de mídia. Se elas fossem empresas de mídia teriam responsabilidade sobre o que elas gerenciam”, explica Leal. “As plataformas são um grande problema. Elas não querem tomar parte na discussão, ou seja, na responsabilidade sobre desinformação, mas querem influenciar nas discussões políticas para manter suas vantagens econômicas”.

O perigo das leis de fake news

Justamente pelo problema envolver também as plataformas digitais, Marés considera que o fenômeno da desinformação não é apenas do Brasil, mas mundial. E apesar de estar atento a projetos de lei como a PL 2630, que ganhou o nome de PL das Fake News, Marés alerta: “Muita coisa não será resolvida por lei. Porque há sempre o risco de que a legislação acabe por impedir a liberdade de imprensa”. 

A preocupação de Marés quanto a aprovação de leis faz sentido. Uma pesquisa do International Press Institute (IPI) aponta que em 2020, ano da descoberta da Covid-19,  houve uma correria de alguns países para aprovar leis de "notícias falsas". Um total de 17 países arranjaram formas de regulamentação visando a desinformação durante a pandemia e em muitos casos acabaram conquistando uma nova ferramenta de censura governamental. Entre estes países estão: Rússia, Uzbequistão, Tajiquistão, Filipinas e Camboja.

O conceito indefinido de “fake news”

Os acadêmicos Hunt Allcott e Matthew Gentzkow publicaram um estudo em 2017 em que diziam "Fake News são notícias que não têm base factual, mas são apresentadas como fatos”. A definição parece insuficiente considerando-se tanta tecnologia que envolve hoje em dia até notícias manipuladas por Inteligência Artificial. O conceito de “fake news” se tornou um desafio, até mesmo para ser possível determinar o que seja crime ou não. “Infelizmente não existe um consenso. Alguns deputados, querem conceituar a desinformação, mas isto é difícil porque pode abranger muitos pontos”, diz Leal. “Para esta definição, a gente tem que investigar a relação que a desinformação tem com o país. A cobertura tem que incluir o impacto da desinformação nas pessoas”.

Marés acredita que seu trabalho em Brasília, mais do que ser uma forma de pressão por soluções, servirá para cobrir o tema de uma certa forma “na fonte” para que possa chegar ao público. Mas ele não vê perspectivas de mudar o pensamento de alguns grupos. “Há pessoas tão radicalizadas, como os golpistas de 8 de janeiro, que com eles não adianta simplesmente tentar explicar a verdade”.

Ele arrisca uma análise psicológica para buscar entender o comportamento dos chamados “radicais”. “Estas pessoas criaram um apego, encontraram apoio, um grupo para fazer parte, para não se sentirem sozinhas. É um processo que mistura a realidade de vida, não é simplesmente o consumo de desinformação”, diz Marés. “No final das contas, estes radicais também foram enganados”.

Sociedade cansada

O jornalista, que faz checagem de notícias há seis anos, lembra que, quando começou, o tema desinformação era algo fora do escopo para o leitor comum. “As pessoas não entendiam o que a gente fazia”, diz Marés. Ele não tem dúvidas de que desinformação sempre vai existir, mas não na proporção que temos hoje. 

A parte otimista do histórico da desinformação no Brasil para Marés é que hoje as pessoas compreendem melhor este tema, não só pelo papel dos checadores, mas porque o assunto se tornou um debate público, que inclui muitas personalidades. “Acho que a maior parte da sociedade está cansada, quer ver mudanças”.


Foto: Canva