O exemplo da Ponte Jornalismo: como profissionalizar uma equipe de notícias

par Velocidad Business Media Accelerator
21 juin 2021 dans Sustentabilidade da mídia
Encontro do time da Ponte

Quando o canal de informações Ponte Jornalismo foi lançado no Brasil, a equipe por trás dele estava pensando exclusivamente em jornalismo. Como Fausto Salvadori, um dos cofundadores da organização disse, o empreendimento começou com a ideia de usar a comunicação como uma “ferramenta de luta pelos direitos humanos”.

Antes de ingressar no programa acelerador de mídia da Velocidad no início de 2020, a Ponte Jornalismo já havia começado a evoluir. A equipe percebeu que seu veículo de comunicação tinha potencial para sustentar um modelo de negócios, mas em termos de operações internas, a equipe precisava mudar para maneiras novas que permitissem o crescimento da organização.

O Plano

Quando a Ponte Jornalismo começou como um projeto de jornalismo, a organização não tinha um modelo de negócio. Os repórteres doavam seu tempo, e a organização contava exclusivamente com o ativismo e a paixão de seus colaboradores. 

“A reportagem da Ponte [Jornalismo] era totalmente sustentada pelo comprometimento da equipe com o projeto. Os integrantes da equipe tinham que trabalhar em outros empregos para complementar a renda gerada pela Ponte Jornalismo. No início era um veículo pequeno com um processo de decisão estruturado horizontalmente, em que todos na equipe faziam um pouco de tudo“, disse Javier Borelli, o consultor estratégico que trabalhou com a equipe da Ponte Jornalismo durante a primeira fase do programa da Velocidad (março a setembro de 2020).

Como a Ponte Jornalismo cresceu, a empresa gerou alguma receita, o suficiente para se sustentar como uma organização pequena. Essa renda era proveniente de subsídios, campanhas de doação e venda de conteúdo do site. “Passamos todo o nosso tempo pensando em como gerenciar nossos projetos de jornalismo. Só pensávamos nos artigos que íamos produzir, que são o coração e a essência da Ponte Jornalismo”, disse Salvadori. 

Quando a Ponte Jornalismo foi escolhida como bolsista da Velocidad, a equipe decidiu estabelecer vários objetivos, sendo o primeiro aumentar a receita para aumentar os salários dos funcionários, permitindo que os membros da equipe dedicassem mais tempo à Ponte Jornalismo. Eles também decidiram ter como objetivo adicionar funcionários em tempo integral à equipe e expandir a cobertura do site.

Como prioridade adicional na primeira fase da aceleradora Velocidad, a equipe da Ponte Jornalismo também decidiu se concentrar na reorganização da estrutura interna da organização, tanto para as operações comerciais como editoriais. Este objetivo de reestruturação também se manteve como um foco para a Ponte Jornalismo durante a segunda fase do programa da Velocidad de aceleração em 2021. 

“Não pensamos na estrutura da Ponte Jornalismo. Para nós, a redação era o foco principal. Achamos que nossa organização não precisava de outros departamentos, como administração ou marketing”, disse Antonio Junião, um dos cofundadores da Ponte Jornalismo.

Mas até a própria redação precisava ter uma estrutura mais clara e com processos mais definidos. “Revendo um artigo que alguém de nossa equipe havia escrito, olhávamos uns para os outros e perguntávamos: ‘Quem encomendou esta matéria? Quem aprovou?’ E não sabíamos”, disse Salvadori. 

Para resolver esse tipo de confusão organizacional e responder a outras questões, a equipe da Ponte Jornalismo elaborou um organograma e também um mapa do fluxo de trabalho da equipe. Esses exercícios ajudaram a equipe a entender os processos que estava utilizando nas diferentes áreas da organização, até mesmo na redação. Com essa análise, a equipe da Ponte Jornalismo conseguiu articular todas as etapas do processo pelo qual um artigo passa, desde a aprovação da pauta inicial até a publicação. A definição desse processo ajudou a reduzir o estresse de toda a equipe, pois todo o processo de produção foi organizado, com definição clara de prazos e pessoas envolvidas na produção das matérias.

“O desenvolvimento de um organograma ajudou a equipe a entender quem se reporta a qual gerente e para quais tarefas. Também criamos cargos que fazem sentido tanto dentro da organização quanto externamente. Essa análise organizacional também ajudou todos a ver quais partes das tarefas se sobrepõem e se há perda de tempo ou gargalos no processo. Compreender essas áreas-chave ajudou a aumentar a produtividade de toda a equipe”, disse Mariel Graupen, consultora tática especializada em gestão organizacional e de equipes. Ela trabalhou com a equipe da Ponte Jornalismo ao longo dessa fase de reestruturação organizacional. 

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“Ficou claro para nós que não tínhamos ninguém responsável pelas redes sociais da Ponte Jornalismo”, disse Salvadori. Segundo ele, o veículo não tinha uma “verdadeira presença nas redes sociais”. Agora, o site de mídia tem um plano de comunicação projetado especificamente para mídias sociais, bem como uma pessoa que produz conteúdo de mídia social e analisa métricas de audiência para possíveis impactos.

Para chegar a esse ponto de sua estratégia de mídia social, a equipe da Ponte Jornalismo primeiro teve que contratar um editor de audiência. No entanto, quando resolveu contratar para essa posição, a equipe percebeu que também não tinha um processo de contratação definido. “Como éramos um grupo de voluntários não remunerados, as pessoas que mais contribuíram no trabalho foram as primeiras a serem contratadas como o primeiro pessoal remunerado”, disse Maria Elisa Muntaner, responsável pela equipe administrativa da organização.

Com base no que aprenderam ao trabalhar com os consultores da Velocidad, a equipe da Ponte Jornalismo descreveu as habilidades necessárias para cada função na organização. Em equipe, também criaram uma agenda de prioridades organizacionais e definiram os diferentes cargos dentro da empresa. 

Desafios e lições aprendidas 

Quando uma organização de notícias precisa crescer, ela precisa fazê-lo estrategicamente. Quando a equipe da Ponte Jornalismo pensou em expandir-se,  a reação inicial do grupo foi simplesmente “contratar mais jornalistas”, disse o cofundador Salvadori. Nos primórdios da organização, era exatamente assim que o veículo destinava sua receita, para contratar mais jornalistas. Desde então, a equipe passou a entender que reportagem é apenas o começo do processo. Depois de escrever um artigo, vem a distribuição da matéria. A etapa que vem a seguir, medir o impacto da reportagem, é especialmente importante para organizações sem fins lucrativos como a Ponte Jornalismo.

A equipe da  Ponte Jornalismo percebeu que a reportagem por si só não é suficiente para tornar sustentável um meio de comunicação independente. Para fortalecer a sustentabilidade da organização, a equipe aprendeu a definir papéis, tarefas e processos dentro da organização. Passar por esse processo foi fundamental para ajudar a equipe a aprender que as posições de operações do dia a dia são diferentes das funções estratégicas. Por exemplo, não foi fácil para a equipe encontrar a pessoa certa para ser responsável pelo gerenciamento do trabalho de audiência da organização. Com a contratação de alguém para trabalhar nas redes sociais da organização, a atuação da Ponte Jornalismo nas redes sociais ficou cada vez mais forte, com o alcance do veículo no Twitter, YouTube e Instagram se expandindo.

No entanto, a equipe percebeu que a análise e métricas de mídia social não eram as habilidades mais fortes da pessoa inicialmente contratada para trabalhar nas redes sociais da organização. “Ela não era uma ‘editora de audiência’, era, na verdade, uma editora de mídia social”, disse Salvador. Depois disso, a equipe da Ponte Jornalismo percebeu que o maior ponto forte dessa funcionária era sua capacidade de falar com o público da Ponte Jornalismo, o que a tornava a candidata perfeita para trabalhar como editora de engajamento. Após um intenso processo de contratação, a equipe da Ponte Jornalismo contratou a pessoa certa para trabalhar como editora de audiência. Essa pessoa planeja, produz e publica conteúdo de mídia social com a ajuda de um estagiário, outra nova função criada durante a intervenção da aceleradora Velocidad. Essa nova contratação e o estagiário também analisam as métricas de audiência do site e das redes sociais da Ponte Jornalismo.

Ao definir e priorizar funções dentro da organização, a equipe da Ponte Jornalismo agora só faz uma contratação quando a equipe sabe exatamente quais são as tarefas que o novo contratado realizará, quem serão os pontos de contato desse contratado dentro da organização e com quais integrantes da equipe essa pessoa trabalhará.

“O outro componente fundamental é não pensar apenas em contratar uma pessoa específica. É muito fácil pensar: ‘Ah, eu conheço essa pessoa ou aquela pessoa’. Em vez disso, você precisa primeiro pensar sobre o que a Ponte Jornalismo mais precisa”, disse Muntaner.

Saber o que é melhor para a organização também exige o conhecimento das habilidades de todos os integrantes da equipe e do tempo que cada pessoa tem disponível. Na Ponte Jornalismo, todos os membros da equipe possuem diferentes áreas de atuação que se complementam. Por exemplo, Muntaner não é repórter e trabalha na área administrativa. Já Salvadori é jornalista e tem vasta experiência como redator e o colega Junião é especialista em design e tecnologia. Eles sempre dividem as tarefas com base nas áreas de especialização dos membros da equipe envolvidos. Embora essa abordagem de trabalho em equipe tenha sido incorporada ao fluxo de trabalho da organização antes da aceleradora Velocidad, o novo desafio para a Ponte Jornalismo é aproveitar as funções e conjuntos de habilidades que eles identificaram durante o programa da Velocidad. “Uma pessoa não pode estar envolvida em tudo, então atribuímos tarefas a nós mesmos de acordo com nossa experiência e disponibilidade”, disse Muntaner.

O que vem por aí

Para a Ponte Jornalismo, esse processo de reestruturação foi a chave para lançar as bases para o crescimento futuro da organização. A equipe entendeu que precisava articular funções específicas para cada membro da equipe, bem como definir as tarefas necessárias para cada uma dessas funções. Mas a profissionalização de uma equipe de notícias e meio de comunicação não termina aí; em circunstâncias difíceis, como a pandemia atual, também exige a avaliação das rotinas da equipe e a preservação do bem-estar da equipe.

A fim de cultivar o bem-estar da equipe, a Ponte Jornalismo também está analisando a melhor forma de dar ao pessoal/ aos colaboradores mais tempo ocioso. Eles estão explorando oportunidades de trabalhar com um consultor para identificar pontos de estresse e conflito para a equipe, entre outras iniciativas. Organizar a equipe e os processos de trabalho de sua organização de mídia não apenas permite que sua equipe trabalhe melhor e seja mais produtiva, mas também apoia os esforços de sustentabilidade de sua organização. Esta é uma das tarefas que a Ponte realiza agora durante a segunda etapa da aceleradora Velocidad.

Velocidad é um acelerador de mídia implementado pela International Center for Journalists e SembraMedia com suporte do Luminate Group.

Foto: Cortesia Ponte Jornalismo.