Como captar recursos e conseguir bolsas para projetos jornalísticos

by Marina Monzillo
Apr 9, 2021 in Sustentabilidade da mídia
Pessoa no alto de uma montanha de braços abertos

Em parceria com a nossa organização-matriz, o Centro Internacional para Jornalistas (ICFJ, em inglês), a IJNet está conectando jornalistas com especialistas em saúde e líderes de redação por meio de uma série de seminários online sobre COVID-19. A série faz parte do Fórum de Reportagem sobre a Crise Global de Saúde do ICFJ.

Este artigo é parte de nossa cobertura online sobre COVID-19. Para ver mais recursos, clique aqui.


O webinar “Como captar recursos e conseguir bolsas para projetos jornalísticos”, realizado em 7 de abril, pelo Fórum de Reportagem Sobre a Crise Global de Saúde, trouxe convidadas que estão em lados opostos do balcão dos editais. Natasha Felizi, é diretora de divulgação científica do Instituto Serrapilheira e trouxe o ponto de vista de quem é responsável por definir quais projetos serão financiados pela instituição, que há três anos apoia a ciência nacional. Já Carolina Oms, diretora institucional e de captação na AzMina, apresentou sua jornada para levantar recursos para manter a ONG voltada à equidade de gênero e a revista que produzem. 

Entre dicas, critérios a serem respeitados e erros a serem evitados, elas apresentaram oportunidades e tiraram dúvidas da audiência.

 

 

Veja a seguir os principais pontos da conversa. 
 

Como funcionam os editais

  • Oms começou contando que identificou algumas semelhanças em todos os editais. “A formulação muda, mas são perguntas básicas, e, inclusive, se você for diretamente fazer o pitch com o financiador, ele vai pedir as mesmas coisas”, comentou a jornalista.  Segundo ela, o edital é até didático, ensina quem nunca fez um projeto sobre o que precisa para contar a história a quem está conhecendo e a quem está disposto a, talvez, financiá-lo. 

  • Oms listou a estrutura básica, que a maioria dos editais e financiadores vai pedir. “Claro que os temas, duração, nível de exigência vão variar muito. O desenho costuma ser assim: 

  1. Quem é você  e qual é a sua organização: como ela se qualifica para fazer o trabalho que está se propondo a fazer;

  2. Resumo do projeto: pequeno, básico, para a pessoa bater o olho e ver se tem a ver e, a partir daí, pode ser que ela nem continue a leitura. “Para o jornalista, é o que a gente chama de lide.”  

  3. Justificativa: apresentação do contexto nacional, internacional, da sua organização, por que este projeto importa para o mundo, para a sua ONG e como a sua organização importa para o mundo, o que vai trazer de contribuição.

  4. Atividades do projeto: cronograma e como você vai realizar o projeto do planejamento à execução. “Quanto mais detalhista você for, mais o financiador vai confiar.” 

  5. Métricas e medição de impacto: cada vez mais se pede métricas internas e externas, para observar o sucesso do seu projeto, o que gerou, o que atingiu. 

  6. Orçamento: “A dica que sempre dou aos jornalistas é não fazer em Word, crie planilha do Excel. O Excel dá flexibilidade, é seu amigo, não tenha medo.” 

  • Felizi contou que o Instituto Serrapilheira tinha uma chamada pública anual, com o momento para abrir, período para todo mundo trabalhar e momento que fechava. “Tudo avaliado junto. Era o que eu entendia como um edital funcionava. Agora mudou, vamos ter um fluxo contínuo, as portas estão sempre abertas para as propostas chegarem, e focamos no jornalismo científico. Tomamos essa decisão porque com a chamada pública travada em certa data, tínhamos uma janela mais restrita para analisar os projetos”. Por ter um escopo muito amplo, as edições anteriores do edital do instituto trouxeram um desafio muito grande, com diversidade de formatos, temas e perfis de organizações. “Você acaba tendo de comparar pera com banana. Agora temos a chance de dar mais atenção para quem se inscreve”, acrescentou ela. 

  • “Claro que tem critérios, o primeiro é sempre o alinhamento do seu projeto com os valores e missão da instituição que está financiando, é muito importante dar uma mínima estudada na organização”, continuou Felizi. Uma proposta que foge completamente e nem faz esforço para costurar um argumento de como uma coisa complementa a outra, será desconsiderada. “É uma linha de corte até em respeito ao trabalho de quem vai fazer uma proposta bem escrita. Se for para dar uma dica, é: entenda a instituição que estará recebendo a proposta e como você pode se alinhar com isso”. Em termos formais, o principal é a gente entender a espinha dorsal, os argumentos do que torna aquilo relevante, tem de ter uma estratégia por trás, leitura de contexto, ter uma hipótese de certa forma, resolver um problema, preencher uma lacuna.

Como não cometer erros e aumentar as chances

  • Os formatos, critérios e exigências variam muito de instituição para instituição, que devem ser seguidos à risca. Oms disse que foi um aprendizado longo e precisou de ajuda de colegas para entender onde errava no preenchimento de editais, já que as instituições não dão esse feedback. “AzMina começou com um crowdfunding. A gente não tinha experiência com ONG, viemos da grande imprensa, e não tínhamos amigos, conhecidos nem contatos das fundações que financiam o jornalismo no Brasil. Não sabia como vender, formatar um projeto, como acessar essas pessoas”. Elas não sabiam como fazer um edital, mas descobriram que se trata de algo democrático, aberto a todas as pessoas e os critérios estão claros. “De todas as dificuldades de captar para uma nova organização, o edital é a menos difícil. Mesmo quando você tem essa curva de aprendizado, que é longa, vale a pena”. Ela ressaltou que depois que você ganha um edital, você abre relação com um financiador, que pode te indicar para outros. “É uma boa porta de entrada, mesmo quando as chances são baixas. E tem uma malandragem, quando você preenche um, você preenche vários, porque tem algumas informações que se repetem, se sua organização não está em constante caos, mudando a missão, o que faz”, disse, acrescentando que o primeiro é o mais sofrido, depois vai ficando menos difícil.

  • Ela chamou a atenção para outra característica da inexperiência. “A gente colocava uma energia e esperança gigantescas em cada um,  criava projetos enormes, envolvia a equipe toda, e não dava, então, falava que não era pra gente, fundação não gosta da gente, foram uns dois anos assim até ganhar o primeiro”.  Ela analisa hoje que a nota de corte é alta e a concorrência é ferrenha, talvez você não ganhe de primeira e tudo bem. O primeiro edital de AzMina foi ganho em parceria: uma pessoa chegou com um projeto pronto, que precisava juntar com uma organização mais formalizada. Tinha a ver com o nosso trabalho, mas ela fez a maior parte da inscrição e fomos aprendendo fazendo junto com esses parceiros. 

  • Ela pontuou que foram pioneiras em crowdfunding recorrente e o discurso que funcionava era diferente. “Era ‘por favor, ajuda a gente, a gente vai falir”, de fato, estávamos para fechar. A gente contava os bastidores, os perrengues, e garantia uma mínima sobrevivência. Esse discurso passional, com o leitor, a pessoa física, vai super bem”. Para a fundação, se você falar isso, não vai dar certo, porque eles não podem investir no que não tem sustentabilidade, estrutura, é um risco para a fundação e para o projeto. “Porque se você recebe uma grande quantidade de dinheiro, você pode inclusive se enrolar, você não pode dar muito dinheiro para uma organização pequena, tem toda uma responsabilidade do financiador. É um discurso diferente; você não pode mostrar que é dependente dele, tem de apresentar um modelo de negócio.”

  • Felizi apresentou exemplos de como os proponentes mais erram. “Ao longo de três anos, foram 2 mil propostas, mas, mesmo em áreas diferentes, deu para ver alguns padrões. Um erro muito comum, que me surpreendeu, é ser muito genérico, como propostas falando que levariam a ciência para um ambiente leve e descontraído, sem falar como e para quem público”. Uma proposta assim não diz nada sobre como o projeto foi pensado, que problema está tentando resolver, porque as pessoas que estão propondo são as pessoas certas para realizá-lo.  “Claro que estou exagerando, colocando os maiores clichês, ao tentar ter credibilidade a pessoa joga sua credencial para a universidade, por exemplo, o que acaba dizendo pouco para a gente, porque não é a reitoria, é um grupo ligado à universidade".  A especialista diz que público-alvo é uma informação crucial sobre o projeto. Não importa se o grupo é pequeno. 

  • Oms retornou a trazer seu ponto de vista quando era iniciante na captação de recursos. “Passamos por dois opostos. No começo, a gente propunha o que queria fazer, sem pensar muito em qual era a proposta daquele edital. Quando a gente aprendeu a fazer edital, começamos a nos adequar a qualquer custo à proposta do financiador. Parece bom quando você está precisando de dinheiro, quando você consegue o edital, mas você cria um problema pra organização, pode desvirtuá-la”, alertou. “É importante saber não aos editais. Eu tinha muita dificuldade. Qualquer edital que tivesse a palavra gênero, eu falava ‘vamos’! E nem tudo que envolve gênero tem a ver com AzMina. O dinheiro vem comprometido para aquela atividade. Tem de avaliar se aquilo faz sentido para seus objetivos estratégicos”. Atirar para todos os lados, dificulta para o financiador entender sua missão também. 

  • Elas ainda esclareceram a dúvida sobre o tamanho das respostas das perguntas do edital. “Cada edital tem suas regras, alguns formulários tem limite de caracteres, o nosso tem. O projeto tem de ter o tamanho que tem de ter”, falou Felizi. Já Oms deu a dica: “Tento ocupar ao máximo o espaço, nem a mais nem a menos”. Ela disse que entende que o indicativo de caracteres ou páginas mostra o quanto a instituição espera de detalhamento. 

Prestação de contas

  • Questionada sobre como funciona a prestação de contas de um edital, Oms contou que varia muito. “Você não sabe antes de fazer o projeto, só entende o processo de prestação de contas depois de ganhar o edital. Algumas organizações têm estrutura que vai te ajudar, mas tem um aprendizado, o financiador entende que nem sempre existe um financeiro estruturado, e está disposto a explicar. Vai ter financiador que pede auditoria das contas por auditor externo, número da nota fiscal, link da nota fiscal — tudo bem detalhado em uma tabela. Outros pedem um relatório em Word contando o que você fez, uma coisa super aberta. Acho até angustiante uma prestação de conta tão aberta”. Ela acredita que se o edital em si é complexo, provavelmente a prestação de contas também será. Se for mais simples, exige menos, provavelmente é para organizações menores e a prestação de contas também vai ser mais tranquila também. 

Mapeando oportunidades

  • Oms citou newsletters e sites para mapear editais, como o Prosas, ABCR, o GIFE e a própria IJNet. Também indicou pesquisar quem financia organizações similares a sua. 

  • Felizi contou que o antigo edital do Serrapilheira contemplava ideias que estavam ainda no papel e tiveram experiências maravilhosas com isso, dentro de um grande campo de risco. Entretanto, é incomum uma linha de financiamento para tirar ideias do papel. “A trajetória do proponente sempre pesa. Ela é um pedaço daquele contexto”, explicou. Mas não adianta, então, tentar encher o expediente do projeto com nomes grandes e famosos se isso não for real. “Se aquele nome que está como coordenador, não for alguém que vai participar, vai poder defender o projeto diretamente e vai ter um diálogo com o financiador parceiro, raramente é uma boa estratégia. Na ciência isso é muito comum, a escada de nomes”, disse ela. Oms mostrou uma outra visão: “Eu, enquanto organização consolidada, que já tem mais de cinco anos, vejo uma preferência do financiador por projetos novos — claro que é importante o realizador ter um histórico naquela área — mas é muito difícil a gente conseguir refinanciar projetos que já estão rodando”, comentou. Ela disse achar  isso muito complicado para as organizações.

  • O Serrapilheira contempla oportunidades tanto para projetos coletivos como individuais. “No nosso caso, não tem restrição a proposta de pessoas físicas — a gente não descarta na hora — mas tem menos probabilidade de dar certo, porque a gente analisa muito o contexto, a relevância do projeto, a estratégia no longo e médio prazo, o legado que o projeto tem potencial de deixar e partimos do pressuposto que é difícil conseguir tudo isso sozinho, como trabalho individual, mas tem casos que sim, Então vai depender da argumentação, da estratégia que tem ali. É raro, mas já aconteceu”, explicou Felizi.  As duas convidadas lembraram que para a pessoa física, existem modelos de fellowship, bolsas. “Você se tornar uma organização para ter mais chance em edital parece ser aquele caminho de fazer um projeto que o financiador quer só porque você precisa da grana. Ter uma organização é um perrengue grande”, concluiu Oms.  


Marina Monzillo é jornalista freelancer com 20 anos de experiência em diversas áreas, como cultura, turismo, saúde, educação e negócios.

Imagem sob licença CC no Unsplash por Jake Ingle