Lições do coletivo Abaré para promover educação midiática no Amazonas

17 mai 2021 dans Reportagem sobre COVID-19
Integrantes da Abaré de máscaras contra a COVID-19 que participaram da ação contra fake news

A pandemia impactou de forma contundente o Brasil, especialmente o estado do Amazonas, que em janeiro deste ano sofria com a falta de oxigênio em hospitais. A doença trouxe ainda consigo uma profusão de informações falsas, como um texto que circulou nesse período afirmando que o decreto de isolamento social criado pelo governador impediria a abertura de supermercados. O Governo do Estado, entretanto, nunca emitiu tal proibição. 

Trabalhando para dar sentido a esse contexto caótico, a Abaré, uma iniciativa formada por jovens jornalistas, teve um ano intenso desde a sua criação em abril de 2020. O grupo tem como objetivo promover a educação midiática no Amazonas. 

“Pensamos ‘o que está faltando?’ e ‘o que a gente quer fazer com paixão?’ e a resposta para isso foi tratar de temas educacionais e fazer jornalismo através da educação midiática”, diz Jullie Pereira, uma das cofundadoras. 

Educação midiática no Brasil pandêmico

A meta do grupo é alcançar as populações periféricas, principalmente os jovens, por meio de trabalhos presenciais nas comunidades, além da realização de oficinas, cursos e debates online. 

“A educação midiática é a chave para mudar o cenário de desinformação e os jovens periféricos são o principal público com quem pretendemos trabalhar”, explica Pereira. Segundo a jornalista, um grande obstáculo para a concretização da “alfabetização midiática” é que ela ainda não foi inserida totalmente nos currículos escolares. 

Para Clara Becker, jornalista e cofundadora do Redes Cordiais, outra iniciativa de educação midiática, o assunto precisa ser encarado de forma séria pelos órgãos estatais e virar política pública. “Não vejo ainda esse tema na agenda do MEC e das secretarias de educação. Ele foi incluído na Base Nacional Comum Curricular (BNCC), mas ainda falta preparo dos próprios professores para implementá-lo nas salas de aula.” 

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Entretanto, devido à crise sanitária, o trabalho presencial, foco inicial da Abaré, teve que ser temporariamente adiado. “Tivemos que rever todo nosso planejamento e adaptá-lo para o digital”, lamenta a cofundadora. 

Nesse novo cenário, surge o problema de acesso aos conteúdos, já que muitas vezes os jovens não dispõem de recursos para acessar a internet. “Atualmente, a nossa produção é mais acessível para quem tem acesso ao YouTube, às redes sociais e a ferramentas como o Google Meet”.

Soma-se ao contexto da pandemia dificuldades específicas da realidade brasileira. “O Brasil tem uma baixa qualidade de ensino público e é o segundo país em uso diário de redes sociais, segundo ranking da Global Web Index. A combinação desses dois fatores faz com que sejamos bastante vulneráveis à desinformação que circula na internet”, explica Becker.  

 

Ação contra fake news
Integrante da Abaré cola cartaz em ação contra fake news realizada no segundo turno das eleições de 2020. 

Ações online e offline

Diante dessa conjuntura pandêmica, o coletivo promoveu cursos online, como a oficina “Como fiscalizar seu governante”, e criou o “Mostra pra gente”, um ranking de transparência dos municípios do estado elaborado a partir da análise dos Portais da Transparência de cada cidade. 

“A transparência pública e o acesso à informação são direitos conquistados e é sempre importante discutir e encontrar formas de torná-lo mais pleno. Nesse sentido, é importante que a administração pública não se limite aos pontos exigidos pela lei e busque novos formatos e plataformas”, diz Gabriel Veras, jornalista responsável pelo levantamento e cofundador da Abaré.

Entre as ações da organização, também está o fact-checking. “Fizemos checagem de fatos do último debate entre candidatos à Prefeitura de Manaus em parceria com o jornal ‘A Crítica’ e criamos um grupo de WhatsApp onde publicamos nossas produções”, conta Pereira.

Apesar das dificuldades geradas pela crise sanitária, os jornalistas realizaram uma ação presencial colando cartazes e distribuindo panfletos informativos sobre fake news na feira modelo do Compensa, bairro de Manaus, durante o segundo turno das eleições de 2020.

Desafios e modelo de negócio 

De acordo com Pereira, o maior obstáculo do grupo tem sido criar um negócio sem possuir os conhecimentos necessários. Por isso, ela recomenda aos jornalistas que desejam empreender que estudem temas ligados a administração, finanças e modelos de negócios. “A faculdade não prepara os jornalistas para a criação de empresas”, diz. 

Outro desafio elencado por ela é entender as necessidades do público local: “Quando se começa algo que não existe na região, não se sabe como as pessoas vão reagir, portanto conhecer os seus gostos e o seu consumo de notícias é um desafio.” 

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No começo, a Abaré cogitou cobrar pelas suas oficinas de acordo com o poder aquisitivo de cada público, mas, com a pandemia, os jornalistas perceberam que as pessoas não tinham condições de pagar por elas. Por enquanto, o grupo ainda não possui receita fixa e busca editais para obter verbas. 

“Ainda não temos um CNPJ e seguimos um modelo de ONG. Estamos experimentando. Pensamos em realizar fact-checking, mas precisamos estabelecer um modelo de negócios para isso”, afirma Pereira.

Para o futuro, o grupo está desenvolvendo um podcast e pretende montar no final deste ano uma “vaquinha virtual” a partir da discussão de quem financia o jornalismo no estado. “Queremos fazer o leitor entender como a mídia do Amazonas se financia e a importância de se pagar pelo que se consome”, destaca a cofundadora da Abaré. 

Para os que desejam adentrar no universo da educação midiática, Becker recomenda: “Sugiro que tentem pensar em projetos que possam ganhar escala, que tenham impacto, seja por meio de influenciadores digitais ou professores. A demanda por uma educação digital é tão ampla que o risco de qualquer iniciativa virar uma gota no oceano é enorme.”


Raul Galhardi é jornalista e mestre em Produção Jornalística e Mercado pela ESPM-SP. Portfólio e Medium.

Imagens cortesia da Abaré, por Nicole Baracho e Deborah Arruda